Intervenção de

Sobre os despedimentos na Portugália - Intervenção de Bruno Dias na AR

 

Declaração Política sobre os despedimentos na Portugália

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

 

No início desta semana, com o alto patrocínio do Governo Português, a companhia de aviação Portugália (PGA) iniciou formalmente o processo de despedimento colectivo para lançar para o desemprego 220 trabalhadores. Estamos a falar de perto de um em cada três trabalhadores da companhia, praticamente todo o pessoal afecto à operação de terra, que enfrenta a ameaça de pagar com o seu emprego o negócio firmado entre o Grupo Espírito Santo e a TAP.

Aqui falamos do alto patrocínio do Governo, pela evidente razão de que em nenhuma companhia aérea do mundo se faz um negócio de aquisição de outra empresa, sem que o accionista acompanhe a par e passo e dê instruções concretas sobre a condução do processo.

A TAP naturalmente não é excepção, e também neste caso o seu accionista não pode passar ao lado de uma operação desta envergadura. O accionista é o Estado, e quem o representa é o actual Governo PS.

O país já tem conhecido demasiadas situações de trabalhadores lançados no desemprego, em resultado de processos de fusões e aquisições entre empresas de diversos sectores. Mas desta vez o que se verifica é uma situação criada por uma empresa de capitais públicos, com uma Administração nomeada pelo próprio Governo e que segue as suas orientações.

Só não vê quem não quer ver: a forma como o Governo PS e o Grupo Espírito Santo (por interpostas Administrações da TAP e da Portugália) foram conduzindo este processo corresponde a uma estratégia deliberada, que desde o início apontava para este caminho.

Há quase dois meses, a comunicação social dava conta da ameaça que pendia sobre os trabalhadores da empresa, com a perspectiva do encerramento de postos de trabalho.

No próprio dia da divulgação de tais notícias, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Mesa da Assembleia da República um Requerimento ao Governo, que entre outras questões colocava a pergunta concreta: «Que orientações dará a tutela governamental à Administração da TAP por si nomeada, no sentido de impedir estas ameaças aos postos de trabalho, e de garantir que qualquer negócio de aquisição ou fusão empresarial não se possa traduzir em trabalhadores "dispensados"?»

A resposta do Governo a este Requerimento do PCP nunca chegou até agora, e é o próprio curso dos acontecimentos que está a revelar o sentido da actuação do Governo.

Aliás, nesta matéria, nada de bom era indicado por este Governo PS, desde logo na interpelação promovida pelo PCP no passado 24 de Maio, em que o Ministro do Trabalho respondeu à nossa pergunta sobre este assunto dizendo simplesmente que «muitas vezes é necessário que as empresas conduzam processos de reestruturação não para perderem 100, 200 ou 300 postos de trabalho mas, sim, para evitar que possam vir a perder 3000 ou 4000 postos de trabalho». E pronto, assunto resolvido para o Governo!

Foi com esta tranquilidade que reagiu o Ministro responsável pela tutela do Emprego. Como se aqueles trabalhadores - neste caso, aqueles 220 trabalhadores - fossem um peso morto, uma carga que é preciso deixar cair. Como se o desemprego para estes homens e mulheres fosse uma moeda de troca, pura e simplesmente inevitável, para a manutenção dos postos de trabalho dos restantes.

Já o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, confrontado com esta questão por nós na Comissão Parlamentar, reagiu com uma insensibilidade ainda maior, dizendo que aquilo de que estava à espera era que o PCP saudasse o Governo por salvar a Portugália, desvalorizando completamente a situação e o futuro destes trabalhadores que enfrentam a ameaça do desemprego.

Esta postura do Governo é de uma inaceitável hipocrisia política e de uma revoltante insensibilidade, tanto mais que é a TAP, ao adquirir a Portugália, que suscita a questão das tão propaladas "sinergias operacionais" para inviabilizar aquilo que é justo e exigível: a integração de todos os trabalhadores, na salvaguarda dos seus postos de trabalho e dos seus direitos adquiridos.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Como já afirmámos, e queremos sublinhar, o verdadeiro significado deste caminho, a ser seguido, é o de termos o estado português, enquanto accionista da TAP, a promover políticas activas de destruição de emprego.

O Governo a isto responde como se os trabalhadores da PGA ainda tivessem de lhe agradecer por "salvar" a companhia. Mas uma coisa se torna evidente: se há alguém que tem de agradecer ao Governo, se há alguém que fica com a situação resolvida, só mesmo o Grupo Espírito Santo é que sabe.

Este é um negócio do capital, em que os interesses do capital foram a grande preocupação. Os trabalhadores surgem aqui mais uma vez como o "elo mais fraco" desta corrente de interesses privados e políticas públicas.

Não ignoramos nem esquecemos que todo este processo faz parte de um negócio ainda maior, e que se insere no quadro da estratégia do Governo PS para a privatização da TAP, companhia aérea de bandeira e alavanca estratégica da economia e do desenvolvimento nacional.

Aliás, é particularmente grave que todo este processo de profunda alteração da vida da própria TAP, com a aquisição de uma nova empresa e a sua integração na sua estratégia comercial, tenha sido realizado sem que a Comissão de Trabalhadores da TAP tenha sido ouvida nem achada. Mais do que uma questão de ética e de transparência, é a própria legislação laboral que está a ser frontalmente desrespeitada.

Também aqui a tutela tem que dar explicações sobre o que está a acontecer, e por isso mesmo o PCP apresenta hoje um Requerimento ao Governo, para que o Governo esclareça os contornos deste processo.

É grave este processo de intimidações aos trabalhadores da PGA. Sabemos como ele foi conduzido desde o início, como foram estabelecidos os contactos individuais junto dos trabalhadores, como foram transmitidas às suas estruturas representativas as intenções da companhia.

A PGA é muito mais do que uma frota de aviões, licenças de voo, rotas comerciais, equipamentos e instalações. A PGA é feita de gente! Homens e mulheres que a colocaram, com o seu trabalho, num elevado nível de qualidade e desempenho operacional, premiada a nível nacional e internacional.

São 746 trabalhadores, que não foram responsáveis pelos negócios e opções do Grupo Espírito Santo, que deram (e podem continuar a dar!) o melhor da sua experiência. Estes trabalhadores, todos eles, o seu futuro, o seu emprego, são uma responsabilidade concreta de quem adquire a Portugália.

Os trabalhadores da PGA, todos eles, têm de ter garantido o seu posto de trabalho. Têm de ver considerada a sua carreira e categoria profissional, a sua antiguidade na empresa. Têm de ter acesso à devida formação para se integrarem funcionalmente na operação da TAP.

É isto que tem de ser exigido. É esta a orientação concreta que o Governo enquanto accionista deve transmitir à TAP. Não é um favor, não é um sacrifício - é um dever e uma responsabilidade que têm de ser assumidos e levados à prática.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

O país está farto da conversa das "inevitabilidades" do Governo PS. O Governo e a maioria dizem que as coisas são assim porque assim têm de ser.

O que nós dizemos é que as coisas não têm de ser assim. A vida não tem de ser assim. Os trabalhadores não têm de estar condenados ao desemprego, à precariedade, à instabilidade das suas vidas.

A vida pode ser e tem de ser diferente - e a política tem de ser diferente. Existe uma alternativa, que é possível e é indispensável. Ela só acontecerá com a mobilização, a organização e a luta dos trabalhadores e das populações.

Pela nossa parte, não abdicamos desta "esperança que não fica à espera" e reafirmamos aqui o testemunho da nossa solidariedade à luta dos trabalhadores da Portugália, e de todo o sector da aviação civil, em defesa do trabalho com direitos e em defesa do interesse nacional.

 

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