Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo:
O PSD encena ciclicamente choques, divergências e conflitos com o PS. E o PS rivaliza com o PSD no mesmo tipo de "teatro". Se olharmos apenas às palavras, as divergências parecem muitas. Mas, significativamente, ainda há dois dias, o PSD se vangloriava das vitórias conseguidas, com o PS na revisão constitucional. Ou então aplaude, como aconteceu há uma semana, o alinhamento do Governo com o fundamentalismo monetarista na questão da UEM, da moeda única e do pacto de estabilidade.
Para justificar o facto de as suas convergências com o Governo serem tão amplas, o PSD quer distinguir aquilo a que chama questões de Estado e de regime das outras questões. Mas é indesmentível que há uma interpenetração profunda entre todas. É inteiramente artificial a sua separação. Por exemplo: como defender a prioridade aos critérios de convergência e aumentar o investimento público, para assegurar maior crescimento e menos desemprego? E aumentar as pensões de reforma, fonte fundamental da pobreza? E aumentar despesas para pôr mais polícias na rua e haver mais segurança?
Há uma política e uma orientação que levou a que o desemprego global na UE subisse de 12,2 milhões em 1990 para cerca de 20 milhões nos dias de hoje. Há uma subalternização da política social em toda a política comunitária. As prioridades não foram invertidas em Amesterdão. Palavras não dão empregos e falar em política social não é o mesmo que adoptá-la. Continua a triunfar uma orientação em que o mercado único ou a moeda única têm prazos, listas de medidas concretas, vontade política. A "coesão económica e social", a igualização no progresso das condições de vida e de trabalho, a política social e de emprego têm normas, palavras, às vezes alguns financiamentos, e pouco mais.
É esta política que faz cair os governos. É esta política que tem feito os partidos no poder perderem as eleições.
O que os povos pretendem é mudar de política.
Foi também o que aconteceu em Portugal, em 1 de Outubro de 1995.
Hoje, 20 meses depois, vemos o PSD, o partido da política derrotada interpelar o Governo do partido que ocupou o poder depois da sua derrota. Mas não é uma mudança de política que está a interpelar, mas a sua própria continuidade. Há uma degradação da situação social e política. Mas o PSD esteve e está no centro das iniciativas e das políticas que conduzem a essa degradação.
Por isso, esta interpelação não se destina a propor uma verdadeira alternativa.
Destina-se, antes, a invocar os maus resultados de uma política. Mas o que há que interpelar é, simultaneamente, a política anterior a Outubro de 1995 e também, no fundamental, a sua continuidade ulterior.
Ouvimos muitas palavras e declarações sobre emprego e políticas sociais. Mas o que não vemos - e não vimos em Amesterdão - foi uma verdadeira mudança de rumo e de prioridades da integração comunitária.
A situação social é particularmente grave em Portugal. Podemos multiplicar números, apesar da insuficiência das estatísticas, que permanece. Ficarão apenas alguns exemplos.
Sobre o flagelo do desemprego em sentido lato, há mais de cerca de 10% de desempregados. O desemprego de longa duração representava 26%, em 1992, e 42,5% em 1996. As mulheres e os jovens são os mais penalizados. Há 59,9% de desempregados sem subsídio de desemprego.
Aumenta a injustiça e a desigualdade. Em particular, diminui constantemente a participação do trabalho no rendimento nacional.
Portugal lidera o grau de desigualdades na União Europeia, já por si muito elevadas. Os 20% de agregados mais ricos receberam 46% do rendimento monetário líquido e os 20% mais pobres receberam 6%. Um por cento dos portugueses concentra 17% da riqueza, 5% concentram um terço.
Portugal é, por outro lado, o Estado da União Europeia com proporção mais elevada de pobres, mais de 2,5 milhões. Uma família em cada três é atingida pela pobreza. O desemprego é uma das causas. Mas também as pensões: 67% das pensões de velhice e 73% das pensões de invalidez eram inferiores a 30 contos por mês. 88% dos pensionistas nestas modalidades recebiam menos de 50 contos por mês. È tempo de proceder, decididamente, à sua actualização. Os salários baixos, designadamente o salário mínimo e a baixa participação dos salários no rendimento nacional fazem, em grande medida, o resto. Entre os trabalhadores e assalariados, uma vez mais, são as mulheres e os jovens os mais afectados pela pobreza.
Por isso, nós dizemos: há degradação da situação social e política. Mas o que conduz a essa degradação são estes fenómenos, de que o PSD é responsável e que o PS não corrigiu.
O que conduz a esta degradação é igualmente o PS e o PSD remeterem para a lei ordinária aspectos fundamentais da Constituição, limitarem a proporcionalidade na conversão de votos em mandatos, delapidarem o sector público da economia e os serviços públicos. O que conduz a esta degradação é o PS não cumprir as promessas eleitorais. É o que acontece com direitos dos trabalhadores, com a regionalização, ou com a garantia dos direitos dos polícias, cuja luta aqui saudamos.
Há também uma conexão profunda entre o desemprego, a pobreza, a exclusão e a insegurança das populações. Mas mesmo em matéria de segurança, podemos perguntar: o Programa Eleitoral do PS falava em carências de policiamento enormes, com números concretos, designadamente nas áreas metropolitanas. Onde está a correcção desta política?
Mais do que números, é importante pensar que cada unidade numérica é uma pessoa ou uma família real, com sofrimento e dramas intoleráveis, tantas vezes abaixo de números mínimos de dignidade humana.
Ao PS dizemos: modernizar a esquerda não implica copiar a direita.
Recusamos que, para ganhar as eleições, a esquerda tenha que deixar de ser esquerda. Recusamos que tenha que abandonar as grandes causas da igualdade, da solidariedade, da justiça, da liberdade e da emancipação dos trabalhadores e dos povos.
Recusamos, enfim, que o marketing político e eleitoral valha mais que os princípios e os grandes ideais da esquerda.
Há causas que, às vezes, são novas ou renovadas como a questão do ambiente. Mas outras que não são. Não nos envergonhamos de lutas que integram um património histórico, como acontece com o combate em torno da situação dos trabalhadores, dos direitos dos reformados, da juventude, dos excluídos, dos pobres, de todos os que sofrem e aspiram a uma vida melhor.
Não estamos condenados a um projecto dualizador, em que dois partidos alternam no poder sem mudar a sério de política.