Sobre Defesa Nacional e Forças Armadas
Declaração de Rui Fernandes, da Comissão Política do PCP
1. O quadro constitucional português continua a definir como um pilar estratégico da política de Defesa Nacional a doutrina que circunscreve defesa nacional e segurança interna como realidades diferentes.
Entretanto, nos últimos anos, adensou-se o enfoque tendente à criação de um conceito de segurança nacional, subvertendo o quadro constitucional, numa continuada e persistente tentativa de confundir os conceitos de defesa nacional e segurança interna e misturar os usos das respectivas forças, linha esta, sustentada em compromissos externos, nomeadamente no Conceito Estratégico da Nato e na política de militarização da Europa através das medidas de carácter político-militar já tomadas pela UE e de outras já previstas.
Como resultado, na impossibilidade objectiva de dar às Forças Armadas missão de polícia tentam dar “às polícias” missão de defesa nacional. Isto é, com a porta constitucional fechada, o Governo decidiu entrar pela janela e apresentar o Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI), uma verdadeira OPA da Segurança Interna sobre a Defesa Nacional!
Não estão em causa os objectivos de racionalização, nomeadamente a reestruturação das Forças de Segurança, mas sim o chamado “novo paradigma de Segurança” onde a intransmissível missão constitucional das Forças Armadas, de assegurar o normal funcionamento das instituições e a defesa militar do país, desliza para as Forças de Segurança.
Não estamos a falar numa lógica de “defesa de quintas” ou de saber qual das instituições ganha ou perde poder, mas sim de medidas que afectam, de forma preocupante, o equilíbrio político resultante da eventual quebra do quadrado estratégico-constitucional: Presidência da República; Governo; Polícias; Forças Armadas/Defesa Nacional.
Com o SISI, o Presidente da República continua a ser Comandante Supremo das Forças Armadas mas, no terreno, quem passa a “comandar” a Defesa Nacional é o Governo. Por isso, afirma com desfaçatez o Ministro António Costa que a GNR deverá ser uma “força de 2ª linha” e outros putativos analistas referem-se-lhe como “força de quadrícula”.
Tais afirmações e teses são, para o PCP, completamente inaceitáveis e mais inaceitáveis se tornam quando, as alterações que têm vindo a ser impostas às Forças Armadas, se têm vindo a basear na tese de que a defesa externa de Portugal já não se faz na fronteira nacional, mas lá longe onde estejam em causa os interesses nacionais e europeus. Isto é, impuseram a alteração do modelo organizativo e da base das forças armadas por desajustado e agora implementam a quadrícula para a GNR?
Haverá, por certo, razões outras, porque esta não faz sentido! E porque não faz sentido, torna-se absolutamente necessário que o governo preste aos portugueses uma profunda explicação sobre o seu real pensamento relativamente a toda esta importante matéria, até porque, o que pode estar subjacente a todo este conjunto de alterações, é sobretudo uma lógica de intensificação das medidas de natureza securitária sobre os trabalhadores e o povo português.
Claro que está que, da parte do PCP, serão tomadas todas as iniciativas tendentes à clarificação de tais concepções e de denúncia dos seus reais objectivos.
Não foi por acaso que os constituintes fizeram uma inequívoca separação entre segurança interna e defesa nacional e definiram, claramente, quem faz o quê!
2. É, neste quadro, que o Ministro da Defesa Nacional mantém um ensurdecedor silêncio sobre a Reestruturação da Estrutura Superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Será por estas passarem a desempenhar o papel de uma “força armada” vocacionada para integrar forças multinacionais sob a capa de forças de manutenção da paz, mas intervindo, de facto, ao serviço do “pensamento único” e dos seus interesses político-económicos?
Será pelo facto do investimento em reequipamento militar, que só em juros referente ao pagamento do leasing custa 800 milhões de euros, vir a ser preferencialmente utilizado em missões no exterior?
E, ao falarmos em reequipamento militar não queremos deixar passar em claro alguns aspectos que se prendem com a execução da Lei de Programação Militar.
Desde logo, o nebuloso negócio que envolve a manutenção dos helicópteros. Estranhamente, quando do processo de aquisição dos helicópteros EH101 à Augusta-Westland não se sabia quem iria fazer a manutenção dos mesmos. Mais recentemente tudo apontava para que a escolha recaísse nas OGMA, mas o Governo mudou de planos.
A Augusta-Westland vai criar a AWIL Portugal, empresa que ficará alojada na Base Aérea do Montijo e que, depois de um primeiro contrato de seis meses, ficará definitivamente a fazer a manutenção da frota de helicópteros.
O que levou o Governo, que detém 35% do capital das OGMA, a preterir esta empresa e a instalar no País uma concorrente na área da manutenção de hélios?
Quando da privatização parcial das OGMA não ficou salvaguardada a prioridade de atender à Força Aérea? E não considera o Governo que esta empresa é importante para o país?
Uma outra questão prende-se com a modernização dos aviões F16, que não dá mostras de conseguir recuperar do atraso de execução que vem acumulando, pondo mesmo em risco a perspectiva de venda dos aviões prevista na LPM e a concretizar até 2011, já que, a manter-se este ritmo, nem em 2015.
E, falando em alienação de património, importa também fazer o ponto de situação relativamente à concretização da alienação prevista para este ano na LPM e saber como pensa o Governo concretizar a realização dos 30 milhões de euros orçamentados.
Por outro lado, mantêm-se a derrapagem na construção dos Patrulhões que começaram por ser 12, passaram a 10 e agora fala-se em 8. Este é, sem qualquer dúvida, um dos mais importantes projectos de interesse nacional, mas não vemos um empenhamento político condizente com a sua importância.
Para o PCP torna-se fundamental confrontar o Ministro da Defesa Nacional sobre o andamento da concretização da LPM incluindo a questão da manutenção dos helicópteros e também sobre a reestruturação da Estrutura Superior das Forças Armadas, o que faremos em sede de Comissão Parlamentar de Defesa, no próximo dia 11.
3. Por fim, não podemos deixar de abordar a onda de castigos e processos a militares resultantes de tomadas de posição e questionamentos ao Governo, na defesa de direitos e aspirações sociais. Por isso, no momento em se levanta alguma celeuma e se agitam espantalhos em relação às decisões dos tribunais, ao mesmo tempo que o Governo sacode a água do capote e remete para as chefias militares e para a disciplina militar respostas e decisões que lhe compete assumir, importa lembrar as palavras do deputado Vitalino Canas (3.4.2003 – Assembleia da República): “A nova justiça militar e a concomitante extinção dos tribunais militares em tempo de paz visa reforçar direitos, aperfeiçoar o estado de direito e contribuir para a modernização das Forças Armadas e da GNR. Pretende-se melhorar a situação no plano dos direitos e das garantias das pessoas. Visa-se melhorar a qualidade do Estado de direito”.
Então, porque se esconde agora o Governo e o PS ? Por, mais uma vez, ter assumido compromissos na oposição que não assume quando está no governo ?
O PCP reitera, que o caminho não está no cerceamento de direitos, mas no respeito pelo conjunto de leis existentes que contemplam o associativismo militar e reconhecem a essas estruturas direitos que não têm sido respeitados pelos sucessivos governos.
O PCP reitera, que o caminho não está em punir quem exige que as leis sejam respeitadas e sejam cumpridas, porque têm sido estas as exigências dos militares.