Pergunta ao Governo N.º 269/XVII/1.ª

Sobre a Declaração Conjunta do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Marrocos

O Ministro dos Negócios Estrangeiros de Marrocos, Nasser Bourita, deslocou-se a Portugal no passado dia 22 de julho, tendo-se reunido com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel. Deste encontro, foi emitida uma Declaração Conjunta, que inclui a seguinte referência:

«No que diz respeito à questão do Saara, Portugal reconhece a importância desta questão para Marrocos, bem como os esforços sérios e credíveis envidados por Marrocos, no âmbito das Nações Unidas, para alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável para as partes. Os dois ministros reafirmaram o seu apoio à resolução 2756 do Conselho de Segurança da ONU, que destacou o papel e a responsabilidade das partes na busca de uma solução política realista, pragmática, duradoura e baseada no compromisso. Neste contexto, a República Portuguesa reafirma o seu total apoio à iniciativa marroquina de autonomia, como a base mais séria, credível e construtiva para a resolução deste diferendo, no âmbito das Nações Unidas.»

No próximo dia 31 de outubro observa-se a passagem de 50 anos desde que Marrocos invadiu e ocupou ilegalmente territórios do Sara Ocidental, escassos dias depois de o Tribunal Internacional de Justiça ter emitido um parecer no qual concluía que não havia laços de soberania entre o povo sarauí e nenhum dos dois países vizinhos (Marrocos e a Mauritânia), e que reconhecia o direito à autodeterminação do povo sarauí, de acordo com a Resolução da Assembleia Geral da ONU 1514 (XV) de 1960. Recorde-se ainda que a sentença final do Tribunal de Justiça da União Europeia, de outubro de 2024, reitera que Marrocos não exerce soberania sobre os territórios ilegalmente ocupados do Sara Ocidental, incluindo dos seus recursos.

Este contexto, que implica principios essenciais e inalienáveis do direito internacional, nomeadamente do povo sarauí, é ignorado na Declaração Conjunta, onde Portugal «reafirma o seu total apoio à iniciativa marroquina de autonomia».

O Governo português optou por ignorar que no quadro das Nações Unidas a questão do Sara Ocidental constitui uma situação de ocupação de um território não-autónomo em processo de descolonização, que ainda não terminou.

Os propósitos da denominada “iniciativa marroquina de autonomia” são comparáveis aos da “iniciativa indonésia” quando o Governo da Indónesia procurava, no limite dos seus esforços, impedir o cumprimento do direito à autodeterminação do povo timorense e a independência de Timor-Leste.

Durante décadas e coerentemente com o estipulado no direito internacional, Portugal defendeu o cumprimento do que foi assinado pelo Governo de Marrocos e a Frente Polisário, legítima representante do povo sarauí, com o aval das Nações Unidas, em 1991, que prevê a realização de um referendo de autodeterminação do povo sarauí.

O que este encontro entre governantes de Portugal e Marrocos veio marcar foi a reafirmação de uma viragem no posicionamento do Governo português, que contraria os principios da Carta da ONU e do direito internacional, designadamente o legítimo e inalianável direito à autodeterminação do povo sarauí.

Marrocos tem rejeitado cumprir o direito internacional e criar as condições necessárias para a realização de um referendo livre e justo que garanta a autodeterminação do povo sarauí.

Com a Declaração Conjunta, o Governo PSD/CDS apoia as pretensões de Marrocos de impedir a autodeterminação do povo sarauí sob pretexto de uma denominada “autonomia” que mantenha a ocupação.

Em declarações aos jornalistas, no final de um almoço de trabalho com o homólogo marroquino, o Ministro Paulo Rangel afirmou, e citamos: “Aquilo que nos compete é dizer que esta proposta [de Marrocos] é construtiva, é séria, é credível, é uma proposta que merece estar em cima da mesa.” Ou seja, repetiu para os jornalistas a Declaração Conjunta.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, solicitamos ao Governo que esclareça o seguinte:

1. Defende a realização de um referendo de autodeterminação do povo sarauí, como determinado pelas resoluções das Nações Unidas?

2. Apoia o desrespeito do direito internacional por parte de Marrocos, designadamente com a continuação da ocupação ilegal de territórios do Sara Ocidental e a obstaculização do direito de autodeterminação do povo sarauí?

3. Vai retomar o posicionamento de Portugal em defesa do direito internacional, assumindo uma postura activa em defesa e pela concretização dos direitos nacionais do povo sarauí, nomeadamente pela realização do referendo como determinam as resoluções das Nações Unidas?