Comunicado da Comissão Política do PCP
1. O PCP discorda frontalmente da decisão do Presidente da República de não requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade da Lei Orgânica do Referendo e não pode deixar de sublinhar o grave significado político que tal decisão assume na presente conjuntura política.
2. Esta atitude do Presidente da República contraria inequivocamente a sua afirmação pública, constante do comunicado de 26 de Fevereiro, de que em todo este processo o Presidente da República «exerceria as suas competências constitucionais próprias (...) quanto à análise da constitucionalidade dos processos legislativos» de forma «a que não subsistam dúvidas de natureza jurídica» e a garantir «sem sombras para dúvidas, a plena constitucionalidade dos instrumentos legislativos e um calendário de consultas eleitorais compatível com o debate rigoroso e sério das questões que são da maior importância política».
Do incumprimento desta promessa, que tinha sido formulada nestes precisos termos, decorre a evidência de que todo o processo referendário ficará irremediavelmente manchado pelas mais sérias duvidas de natureza jurídico-constitucional.
3. Com efeito, para além de registar os diferentes critérios usados pelo Presidente da República quanto à Lei de Criação das Regiões Administrativas e quanto à Lei Orgânica do referendo, o PCP salienta que este diploma contém normas indiscutivelmente controversas e que plenamente justificavam a apreciação preventiva da sua constitucionalidade.
De entre estas, são de destacar designadamente:
- a discriminatória consagração legal da exigência de uma participação superior a 50% dos eleitores inscritos como condição do carácter vinculativo da vitória do «sim» no referendo da regionalização, enquanto o carácter vinculativo de uma vitória do «não» será garantido seja qual for a participação eleitoral que se verificar, o que constitui uma solução legislativa que manifestamente desrespeita a letra do artº 256º da Constituição e a natureza especifica do referendo sobre a regionalização;
- a instituição de um sistema de atribuição de tempos de antena e outros meios específicos de campanha que, consagrando a sua atribuição a partidos e grupos de cidadãos que nem sequer declarem que posição defenderão no referendo, não garante a equidade e a igualdade de oportunidades das posições em confronto;
- a eliminação na presente lei da norma anteriormente em vigor que proibia a convocação ou a realização do referendo nos três meses posteriores à realização de outro referendo, com o patente significado de representar a admissão indirecta da realização em simultâneo de vários referendos, o que se pode considerar como uma violação do espírito do nº 6 do artº 115º da Constituição.
4. A decisão agora anunciada pelo Presidente da República significa objectivamente que permitiu que o exercício soberano de um dos seus mais importantes poderes ficasse anulado, condicionado ou aprisionado pelos acordos, trapalhadas e factos consumados engendrados pelo PS e pelo PSD. Assim sendo, não será de admirar que, também para outras matérias, PS e PSD venham a concluir que a sua arrogante invasão política da área de competências do Presidente afinal compensa.
5. É agora de temer que, na mesma lógica que explica, mas não justifica, a sua decisão de poupar a Lei Orgânica do referendo a uma apreciação preventiva de constitucionalidade, o Presidente da República possa vir a convocar um referendo sobre o aborto antes de estar concluído o processo de actualização do recenseamento e o possa vir a marcar para uma data - 5 ou 12 de Julho - em que uma parte dos eleitores, nomeadamente residentes em zonas urbanas, já se poderá encontrar em férias.