Ao realizarmos hoje este Encontro Nacional, com vista a fazermos um balanço dos vinte anos de adesão e permanência de Portugal nas Comunidades Europeias/União Europeia, bem como, de avançarmos com perspectivas para o futuro de Portugal e da Europa, julgamos importante, recordar aqui, alguns aspectos da grande Conferência Nacional que o Partido realizou em 1980, portanto há mais de vinte e seis anos, e cerca de seis anos antes da data de adesão.
E isto, simultaneamente por razões políticas, no fundamental, ligadas à validação dos instrumentos de análise que o Partido utilizou e utiliza, assim como de respeito pela verdade histórica.
O pedido formal de adesão de Portugal às Comunidades Europeias – CEE, CECA e EURATOM - teve lugar em 1976, pela mão de Mário Soares, então 1º ministro do I Governo Constitucional.
É bom recordar aqui, que tinham então passado pouco mais de dois anos sobre o 25 de Abril de 1974, facto que tem um profundo significado político .
O processo negocial teve lugar entre essa data e início de 1985, a assinatura do Tratado de Adesão teve lugar a 12 de Junho de 1985, e, finalmente, a entrada formal nas Comunidades, ocorreu a 1 de Janeiro de 1986.
Face à profunda diferença dos níveis de desenvolvimento económico e social, que separava Portugal dos países mais desenvolvidos de então, e mesmo da média europeia – o PIB per capita corrigido em ppc, era, à época 59,4 % da média europeia - e ao choque que tal integração seguramente produziria no nosso país, o mínimo que se pediria aos responsáveis políticos de então – sobretudo governos e partidos apoiantes da adesão – bem como às entidades que trabalhavam dominantemente na área económica, é que cuidassem de estudar com antecipação e rigor as previsíveis consequências da adesão, com vista à tomada de adequadas e oportunas medidas de prevenção.
Contudo, no essencial, tal não aconteceu, pois que a necessidade objectiva das forças da recuperação capitalista, latifundista e imperialista, de usarem a adesão à CEE como arma política contra o 25 de Abril e as suas conquistas, era de tal forma ponderosa, que se sobrepunha à necessidade objectiva de realizar estudos para avaliar dos previsíveis impactos e conceber um plano de acção para minimizar os seus efeitos.
De facto, não houve, nem rigor nem antecipação, simplesmente porque não houve estudos, ou se os houve por parte dos governos de então, ficaram escondidos na escuridão das gavetas.
Esta posição, contrasta profundamente com a assumida por outros países, que à época pediram a adesão às Comunidades, como sejam os casos da Grécia e da Espanha.
São raros, e muito casuísticos os estudos realizados em Portugal antes da adesão: conhecemos os de algumas associações patronais de nível sectorial, de alguns sindicatos e de um ou outro departamento da Administração, que, quase por conta própria, os realizou.
Do que conhecemos da época, quase todos eles, evidenciavam nítidas ameaças e preocupações, face ao impacte da adesão sobre os respectivos sectores de actividade, e isto, praticamente que só na perspectiva económica, e raramente social. Obviamente, que as questões nitidamente políticas, como, por exemplo, a do exercício da soberania, nunca constavam de tais estudos.
No plano partidário, foi o PCP o único partido nacional que se preocupou em estudar, de forma tão rigorosa quanto possível – e com o nível de conhecimentos de que então se dispunha sobre as Comunidades e a situação portuguesa, e as ferramentas e métodos de trabalho também então disponíveis - os previsíveis impactes da adesão.
Preocupação que se radicava no dever imperioso de avaliar com rigor, seriedade e abrangência os previsíveis efeitos para o povo português, para os trabalhadores, para a economia, para a soberania e a independência nacionais, dessa futura adesão.
Num trabalho de base, que teve o seu início pelo menos em 1978, e que contou com a realização de múltiplos estudos e debates sectoriais, que teve a sua primeira aparição pública em Maio de 1979, com uma iniciativa da revista de assuntos económicos e sociais EC, e que culminou com a realização de uma grande Conferência Nacional, em Maio de 1980, na cidade do Porto, a qual se desenvolveu durante dois dias e com um funcionamento em diversas secções.
A realização de tal conferência, constituiu à época, pelos seus objectivos e profundidade, um acto profundamente patriótico, que dignificou e dignifica o nosso Partido.
Foram apresentadas cerca de 60 intervenções sectoriais, para além das intervenções de abertura e de encerramento pelo secretário – geral do Partido, o nosso camarada Álvaro Cunhal, e também um documento com conclusões gerais. As intervenções abrangiam um vasto leque de assuntos, tais como apreciações globais sobre os aspectos políticos, institucionais, sociais e económicos da adesão e integração e detalhadas abordagens sectoriais ao nível das indústrias extractivas e transformadoras, agricultura, pescas, comércio, turismo, transportes e energia.
A Conferência de 1980, por todas as razões já referidas, assumiu um carácter original e único à época.
O PCP, manifestou e demonstrou mais uma vez, com a realização de tal Conferência, ser a única força política genuinamente interessada na defesa dos interesses nacionais, escorada numa perspectiva muito abrangente de defesa dos interesses de todas as classes e camadas anti-monopolistas, pois que, de facto, à época, era o grande capital nacional e as suas diversificadas ligações internacionais, os grandes interessados na adesão.
Obviamente, que nesta intervenção, não irei fazer o balanço, mesmo que sintético, das consequências da adesão, importante tarefa que caberá a outros camaradas fazer de seguida em múltiplas outras intervenções.
Porém, deveremos colocar desde já, uma questão de enorme importância política, que é o de saber se a vida confirmou, ao longo destes vinte anos, que, no fundamental, o Partido tinha razão nas suas análises e observações de 1980, ou se, bem ao contrário, errou completamente, ou em parte significativa, nas suas análises?
A resposta que posso aqui trazer, após uma releitura distanciada pelo tempo, atenta e rigorosa, das nossas apreciações de 1980, é que, no essencial, acertámos nas previsões, isto é, no que concerne às grandes linhas estratégicas, as nossas previsões mostraram-se, infelizmente, para o povo português, absolutamente correctas.
Em 1980, entre muitos outros aspectos, previmos e prevenimos que a nossa soberania iria ficar claramente diminuída face às políticas comuns, que indústria transformadora iria ter, no quadro da adesão, muitas dificuldades em alterar o seu perfil de especialização e de se fortalecer, como necessitava, que os fundos estruturais destinados à esfera económica, iriam privilegiar sobretudo as grandes empresas nacionais e multinacionais, que a aplicação da PAC à nossa agricultura seria catastrófica, que as nossas pescas iriam ser arrasadas, que a nossa dependência energética iria aumentar, que os nossos défices estruturais e desequilíbrios externos, ao invés de se atenuarem, se iriam agravar.
De facto, tudo isto aconteceu.
O nosso país está hoje mais dependente e mais marginal no quadro europeu, e isto, independentemente de vários aspectos positivos, que a integração, também, obviamente trouxe.
Outra questão que se deverá colocar é a de saber se acertámos em tudo? Obviamente que não, particularmente se tivermos em atenção o nível de apreciação sectorial.
E não, no essencial, por quatro ordens de razões:
- primeiro, porque não previmos muito da dinâmica do ulterior desenvolvimento das Comunidades; desde logo, no próprio ano de adesão, o Acto Único, com a perspectiva da criação da União Económica e Monetária, transformando profundamente as Comunidades em que tínhamos entrado, e, poucos anos depois, em 1991, a aprovação do Tratado de Maastricht, abrindo as portas à Europa federalista, para além, naturalmente, dos sucessivos alargamentos, particularmente o último.
- segundo, porque fenómenos como os da globalização e da queda do sistema socialista, não estiveram presentes nas nossas previsões relativamente à evolução da envolvente remota;
- terceiro, porque muitos aspectos negativos da evolução da economia portuguesa, se devem, no fundamental, ao posicionamento e actuação táctica do grande capital nacional, mas não só, e dos seus governos, qualquer que fosse a cor partidária que lhes serviam de suporte, que sempre e sempre, foram usando as políticas comunitárias, reais ou ficcionadas, como justificação e alavancagem das suas opções internas, acelerando muitas dessas tendências;
- finalmente, porque ao nível sectorial, tivemos a tentação, de tentar antecipar aspectos demasiadamente especializados e portanto de previsão muito difícil.
Deixo aqui dois exemplos desse “voluntarismo” destruidor da direita nacional: os processos de privatizações e de desindustrialização, foram bastante mais profundos e acelerados em Portugal, do que na UE.
Porém, o PCP, não se limitou a fazer um balanço previsional, face às ameaças e porventura também, às oportunidades da adesão.
Na linha de uma orientação estratégica da sua intervenção política, o Partido em 1980, não se ficou pelo diagnóstico.
Apresentámos então, a nossa alternativa à adesão e integração nas Comunidades Europeias, tal como ao longo destes anos e hoje continuamos a fazer propostas a um real desenvolvimento do país, mesmo no quadro da integração europeia.
Alternativa que sumariamente passava pela potenciação das capacidades e energias internas, pelo aumento da produção, com vista à redução dos défices estruturais da nossa economia e portanto do equilíbrio das contas externas, pela diversificação das nossas relações económicas externas e pelo exercício pleno das nossas soberania e independência nacionais.
Para finalizar, uma questão que aqui e hoje devemos colocar com muita veemência, é a de saber, que caminho poderia ter tido o nosso país, se os alertas que colocámos e as alternativas que propusemos em 1980, tivessem sido tidos em atenção, mesmo porventura no quadro da integração comunitária?
Seguramente que o país não estaria como está hoje.