As conclusões do Conselho Europeu ficam marcadas, uma vez mais, pela vergonhosa ausência de qualquer referência à dramática situação na Palestina em consequência da brutal agressão de Israel. Uma opção reveladora do cinismo e da hipocrisia de quem, noutras ocasiões, é prolixo em proclamações e condenações sobre violações do direito internacional, dos direitos humanos e da democracia. Uma posição que traduz uma efectiva e indisfarçável cumplicidade com os hediondos crimes, massacres e atrocidades cometidos por Israel contra o povo palestiniano.
A reunião do Conselho Europeu aprovou, como se previa, a revisão intercalar do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 da União Europeia (UE).
Esta revisão, envolvendo um montante total de 64,6 mil milhões de euros, é determinada não pela necessidade de dar resposta aos reais problemas de cada país e de cada povo, mas sim por interesses que são alheios e contraditórios com essa necessidade.
Na verdade, as conclusões do Conselho Europeu evidenciam uma vez mais que na UE há sempre mais e mais dinheiro para a guerra, mas não para resolver os problemas que os trabalhadores e as populações enfrentam.
A atribuição, até 2027, de 50 mil milhões de euros ao agora designado “Mecanismo para a Ucrânia” – dos quais 33 mil milhões de euros em empréstimos e 17 mil milhões em subvenções não reembolsáveis – traduz a insistência da União Europeia no prolongamento da guerra e da confrontação e na rejeição da abertura de vias de negociação que visem alcançar a paz.
Aos 50 mil milhões de euros agora decididos poderá vir ainda a somar-se o resultante do reforço do cinicamente chamado “Mecanismo Europeu de Apoio à Paz”, um instrumento que visa continuar a alimentar a guerra. A este respeito, é sintomático que o Conselho Europeu tenha reiterado o acelerar das entregas de mais armamentos, considerando que “contribuirão para aumentar a capacidade de produção da indústria europeia”. Uma confissão sobre que interesses verdadeiramente serve a insistência na política de instigação e prolongamento da guerra, com todas as suas dramáticas e gravosas consequências para os povos.
O QFP 2021-2027, sendo o orçamento plurianual da UE, determina em grande medida as suas prioridades de actuação, espelha as suas grandes opções políticas. As decisões agora tomadas pelo Conselho Europeu vão no sentido oposto àquilo que seria necessário. Não resolvem, antes contribuem para agravar problemas e dificuldades existentes. Ao invés de decisões que acentuam a deriva militarista e a dinâmica de divergência no seio da UE, entre países e dentro de cada país, é necessário travar e reverter este caminho. É necessário um orçamento da UE que, tendo em conta as diferentes realidades económicas e sociais nacionais, contribua, entre outros aspetos, para: a melhoria das condições de vida e o combate às desigualdades e injustiças sociais; o incremento do investimento produtivo, priorizando os países com défices produtivos persistentes; a melhoria e modernização dos serviços públicos; a defesa da natureza, o combate às alterações climáticas e o uso sustentável dos recursos naturais; a diminuição das assimetrias territoriais; a promoção da paz e da cooperação.
Refira-se ainda que em menor dimensão, a revisão intercalar do QFP 2021-2027 visa reforçar também:
- A “gestão de fronteiras” (em 2 mil milhões de euros) e a “externalização de fronteiras” (em 7,6 mil milhões de euros), intensificando uma política que é selectiva, repressiva e desumana face aos migrantes, que subverte princípios do direito internacional em matéria de asilo, que paga a países terceiros para travar e conter movimentos migratórios e que ignora as causas da migração – consolidando uma política migratória e de asilo igualmente defendida pela extrema-direita;
- O “Fundo Europeu de Defesa” (em 1,5 mil milhões de euros), acentuando a deriva militarista que absorve cada vez mais recursos, que faltam noutras áreas; uma deriva que aproveita sobretudo ao complexo industrial-militar das principais potências europeias, as mesmas que serão as principais beneficiárias da Plataforma de Tecnologias Estratégicas para a Europa (STEP), para a qual são agora criadas condições de financiamento mais favoráveis do que as previstas para os fundos estruturais e de coesão;
- Os instrumentos de “flexibilidade” e “especiais” (num total de 3,5 mil milhões de euros), incluindo os que visam fazer face a situações imprevistas, que se encontravam presentemente exauridos, nomeadamente devido à sua mobilização para reforçar rubricas relacionadas com o militarismo e a guerra.
De forma inaceitável, para fazer face ao impacto do aumento das taxas de juro no pagamento da dívida contraída para constituir o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, confirma-se a adopção de um “mecanismo de cascata”, que prevê o recurso à reafectação de fundos de orçamentos futuros, inicialmente previstos para outras áreas, para o pagamento dos juros da dívida contraída. Além disso, é certo que a revisão agora efectuada implica o corte de fundos, entre outras, em áreas como: a cooperação e a ajuda ao desenvolvimento; o Programa-Quadro de Investigação (“Horizonte Europa”); o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização; a gestão da Política Agrícola Comum e dos fundos de coesão; e o programa “UE pela saúde”.