Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Sessão Solene Evocativa do Centenário do Nascimento de Mário Soares

Sobre o Centenário do Nascimento de Mário Soares

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Passam amanhã cem anos sobre o nascimento de Mário Soares.

Em nome do PCP, transmito aos seus filhos João e Isabel e aos demais familiares, saudações na passagem desta data a que compreensivelmente atribuem natural significado.

Saudação extensível ao Partido Socialista, que tem em Mário Soares a sua referência maior, enquanto fundador e dirigente.

A centenária história do PCP, que se confunde com a luta do povo português contra a opressão, pela liberdade, a democracia e o socialismo, cruzou-se ao longo de muitas décadas, com a ação política de Mário Soares, em lutas comuns contra o fascismo, em momentos de confronto sobre os caminhos a seguir pela Revolução portuguesa, em convergências e divergências que marcaram o relacionamento entre comunistas e socialistas ao longo das décadas que levamos da democracia portuguesa. Confronto que da nossa parte foi assumido com frontalidade, marcado pela coerência das nossas posições, mas também pautado por relações de respeito mútuo.

Recordamos em Mário Soares o participante de décadas de luta antifascista, no apoio às candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado, no Movimento de Unidade Democrática e no MUD Juvenil, na luta comum pelo derrubamento do fascismo.

Reconhecemos em Mário Soares o advogado que perante os tribunais plenários defendeu dirigentes comunistas como Octávio Pato.

Mas este reconhecimento não apaga o que nunca silenciámos na critica e também no combate ao papel negativo que Mário Soares desempenhou para travar a revolução e viabilizar o processo contrarrevolucionário, na sua  opção de procurar o apoio para a sua ação nas forças de direita e mesmo em quem a partir do estrangeiro conspirou contra Abril e a jovem democracia.

Na revolução portuguesa, é sabido que não só não tivemos o mesmo percurso, como em questões decisivas, como o papel do Movimento das Forças Armadas no processo revolucionário, o movimento sindical, a legislação laboral, a reforma agrária, o controlo público de alavancas fundamentais da economia nacional, estivemos mesmo em campos diametralmente opostos. 

Fizemos uma frontal oposição aos Governos liderados por Mário Soares entre 1976 e 1977 e entre 1983 e 1985. Contestámos e combatemos no Parlamento e nas ruas opções políticas fundamentais desses Governos que abriram a porta à liquidação de conquistas da revolução, nomeadamente nos planos económico e social incluindo o ataque aos direitos dos trabalhadores.

Não compartilhámos com Mário Soares as suas convicções europeístas, enquanto federalista que sempre se afirmou, defensor de um processo de integração europeia que consideramos lesivo da soberania e da independência nacional.

Mas em 1986, votámos em Mário Soares para Presidente da República por considerar que a eleição do candidato que reunia o apoio das forças reacionárias poria em perigo uma democracia portuguesa ainda frágil e ameaçada por uma direita ameaçadoramente revanchista que era imperioso derrotar nas urnas. Tomámos essa decisão tendo em conta um passado recente de oposição e animosidade, mas foi a decisão acertada.

Com Mário Soares Presidente da República, mantivemos uma postura de cooperação institucional. Nem sempre concordámos com as suas opções, nomeadamente com a abertura da porta a dez anos de governos da direita, mas reconhecemos que a sua atuação, no segundo mandato entre 1991 e 1996, desempenhou um papel relevante na limitação dos poderes de uma maioria parlamentar absoluta de direita que governou o país entre 1987 e 1995. Nesse quadro, a realização do Congresso “Portugal, que futuro?” que decidiu patrocinar, e no qual os comunistas participaram, deu uma contribuição importante para a reflexão sobre os caminhos do futuro para Portugal.

Após a cessação de funções como Presidente da República, Mário Soares manteve uma intervenção política de que nunca abdicou. Como Deputado ao Parlamento Europeu, como candidato à Presidência da República, como dirigente da Fundação que tem o seu nome, desenvolveu uma intervenção política intensa, com elementos diferenciados, que, no entanto, não eliminam opções cujas consequências negativas são hoje visíveis na realidade do País.

 

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