Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
Apresentamos hoje o nosso programa. O programa duma força que honra os seus compromissos.
Nas diversas medidas e propostas que apresentamos bem como nas medidas sectoriais procuramos responder aos principais problemas com que se defronta o nosso país.
Mas elas concentram-se também duma forma coordenada e complementar para dar resposta nomeadamente a quatro grandes questões que correspondem a problemas candentes de Portugal: o crescimento económico acima da média europeia com a sua dimensão espacial social e ambiental o que passa pela valorização da produção e do aparelho produtivo nacional, o combate aos défices externos, o aumento da produtividade e do investimento público. E a nível europeu, por se privilegiar a defesa da concretização do princípio inscrito nos Tratados da "coesão económica e social" e da convergência real das economias.
A segunda questão candente é a da distribuição do rendimento nacional. Somos reconhecidamente quer pelas estatísticas oficiais da União Europeia quer pelos relatórios do Conselho Económico e Social, a sociedade mais desigual da União Europeia. O país que tem o mais baixo salário mínimo, os mais baixos salários médios, as mais baixas pensões de reforma e invalidez, e simultaneamente as mais altas taxas de concentração de riqueza e de lucro do capital financeiro. O país em que é maior o fosso entre os dez por cento mais ricos e os dez por cento mais pobres. O país em que seis grandes grupos económicos detém em conjunto qualquer coisa como 27% do Produto Interno Bruto.
É necessário dar resposta a esta questão, o que passa por um aumento de salários de forma realista mas sustentada, sendo este também um factor impulsionador do aumento de produtividade e de alargamento do mercado interno. Da mesma maneira há que fazer um esforço quanto à elevação das pensões e reformas nomeadamente em relação às mais degradadas, sendo elas mesmo um dos principais factores de pobreza juntamente com os baixos salários. E é necessário aprofundar a justiça fiscal desagravando os rendimentos mais baixos e criando um imposto sobre as grandes fortunas. No quadro das desigualdades e dos problemas sociais há que dar uma grande atenção à precarização do trabalho, ao trabalho com direitos, à situação de milhares de jovens à procura do primeiro emprego ou sem emprego garantido e às discriminações que continuam a verificar-se em relação à mulher. A protecção eficaz dos direitos relativos à maternidade e à paternidade o combate em relação às desigualdades salariais que atingem as mulheres e a luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez são direcções de luta do PCP para serem concretizadas na próxima legislatura.
E quanto à despenalização da interrupção voluntária da gravidez saliente-se que é uma vergonha que pela hipocrisia do PS, do PSD e do PP, Portugal tenha ainda uma legislação mais recuada do que por exemplo a vizinha Espanha e que no século XXI haja ainda mulheres a passarem pelo vexame de um julgamento e a exporem a sua vida privada .
A terceira questão candente é a do chamado desequilíbrio das finanças públicas. Mas em relação ao problema das finanças públicas é preciso que se diga que este não é fundamentalmente um problema do volume da despesa pública. É preciso que se saiba que o nível de despesa pública e da tão proclamada despesa corrente primária é significativamente inferior à média dos países da zona Euro. Isto é, o volume da despesa pública enquadra-se nos níveis relativos verificados na maioria dos países da União Europeia e, o atraso relativo de Portugal na generalidade dos indicadores sociais e em infraestruturas de apoio à actividade económica e social exige do país um esforço de investimento acrescido.
O problema das finanças públicas é fundamentalmente o da afectação dos recursos orçamentais disponíveis, o do rigor e transparência da sua gestão, o do alargamento da base tributária e o de uma mais justa repartição da carga fiscal. A resposta a esta questão passa pelo corte das despesas não essenciais, pelo combate à multiplicação de institutos e serviços públicos com funções sobrepostas, com a restrição às despesa nos gabinetes dos membros do governo (contratação de pessoal em regime de prestação de serviço, número infindável de assessores, comitivas oficiais em deslocação ao estrangeiro, etc., etc.) e por reforçar o controlo e racionalização financeira dos serviços da administração pública incluindo os serviços e fundos autónomos.
Em relação às receitas é necessário a reposição da tributação efectiva e socialmente justa das mais-valias e do princípio do englobamento pleno de todos os rendimentos. O desagravamento da tributação sobre os rendimentos do trabalho, designadamente dos mais baixos e a contemplação mais adequada das famílias numerosas. O aprofundamento do regime da tributação das empresas financeiras e seguradoras, numa perspectiva socialmente mais justa e equitativa. É inaceitável como mostram mais uma vez os resultados do capital financeiro que a banca continue a pagar uma taxa efectiva de IRC de 12% quando qualquer pequeno e médio empresário paga uma taxa de 30%. Impõe-se também uma revisão drástica dos privilégios ilegítimos concedidos às zonas francas e a revisão geral do estatuto dos benefícios fiscais.
Sublinha-se que no Orçamento para este ano se estima em mais de 370 milhões de contos os benefícios fiscais não produtivos que vão ser concedidos. Por outro lado é necessário combater a grande evasão fiscal. Registe-se que ninguém defende que o défice orçamental possa evoluir sem qualquer controlo, constrangimento ou preocupação. Mas nenhum argumento também nos diz que o melhor para o presente e o futuro da economia do país seja o tudo sacrificar para se enveredar pelo dogma do défice zero. E nomeadamente numa altura em que uma das ameaças da economia portuguesa e das economias europeias é a recessão a exigir a compensação da quebra do investimento privado pelo investimento público. No caso concreto da situação portuguesa quando alguns falam, no "monstro do défice" e na necessidade do corte brutal das despesas, como o faz de uma forma menos explícita o PS e de uma forma clara e inequívoca o PSD e o PP, o que estes querem é apertar o cinto aos trabalhadores, aos reformados e aos pequenos e médios empresários e privatizar as funções sociais do Estado servindo os interesses dos grandes senhores do dinheiro. E não é com o aumento dos impostos (como o PSD pretende fazer aumentando a carga fiscal que resulta da diminuição dos impostos sobre os altos rendimentos e do aumento do IVA) que se resolve os problemas. A título de exemplo diga-se que a tributação de cerca de 20% da economia paralela que hoje foge aos impostos, bem como a redução de benefícios fiscais inaceitáveis seria suficiente para reduzir o actual nível dos défices.
É preciso também que fique claro que o programa eleitoral do PSD se pode consubstanciar na forma neoliberal - que infelizmente também tem algum acolhimento no PS -: quem quer saúde que a pague, quem quer ensino que o pague, e se queres pagar menos impostos torna-te rico!
A quarta questão candente diz respeito às funções sociais do Estado e aos serviços públicos. É necessário promover as reformas de fundo com vista a uma melhor prestação do serviço público com menores recursos financeiros - saúde, ensino, formação profissional, justiça, administração pública.
Precisamos de um Serviço Nacional de Saúde eficiente. No nosso entender é necessário colocar como prioridade a drástica redução das listas de espera, começando pelo integral aproveitamento dos recursos e meios existentes no Serviço Nacional de Saúde. A resposta efectiva à falta de médicos de família, enfermeiros e outros profissionais. A redução dos gastos dos cidadãos e do Estado com medicamentos, através do alargamento e promoção dos medicamentos genéricos disponíveis, a prescrição por princípio activo, o redimensionamento das embalagens, a revitalização das farmácias hospitalares e ter em conta que há um conjunto de medicamentos que inclusivamente ficariam mais baratos se fossem dispensados gratuitamente no Serviço Nacional de Saúde do que serem comparticipados.
É necessário também implementar um plano de prevenção e combate ao alcoolismo. Quanto à toxicodependência, entendemos que o esforço do Estado deve ser direccionado em três grandes vectores: prevenção, recuperação dos toxicodepen-dentes, combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais. Entendemos ainda que é necessário reforçar as políticas de saúde pública com destaque para a prevenção da Sida e dar uma grande atenção às condições de atendimento e internamento.
Precisamos duma escola pública gratuita e de qualidade, que tenha a escola pública como opção fundamental. Impôe-se o alargamento da rede pública do pré-escolar e uma grande atenção à democratização do acesso e do sucesso educativos, bem como o incremento do apoio social escolar em todos os níveis de escolaridade.
Sublinhamos que nos continuaremos a bater pela suspensão da revisão curricular no secundário, pela revogação da lei das propinas e a eliminação do numerus clausus no Ensino Superior público. Quanto ao sucesso escolar é necessário um aperfeiçoamento do sistema de avaliação dos alunos, implementar o turno único em todas as escolas, afixação do número máximo legal de 25 alunos por turma e de um número máximo de alunos por professor (seis turmas). É necessário ainda o desenvolvimento de uma educação multicultural que respeite e dignifique os valores das diferentes culturas de que os jovens são portadores e promova entre estes o respeito mútuo. É urgente ainda dar resposta à grave situação em que se encontram milhares de professores contratados.
Precisamos também de olhar para as questões de segurança interna, com as duas ópticas. A óptica social e a óptica policial. A acentuação das desigualdades, a exclusão social, os bairros degradados, a falta de perspectivas para a juventude e a ocupação dos seus tempos livres, bem como o combate à toxicodependência tem de estar sempre presentes numa efectiva política de segurança dos cidadãos.
Em relação às forças de segurança pública é necessário ter atenção que dos 47 mil agentes (GNR e PSP), sómente 22 mil exercem funções ligadas à segurança pública, estando 25 mil ocupados em tarefas administrativas e em impedimentos.
Como necessário é ter também em atenção a falta de coordenação das diferentes forças policiais, o seu nível remuneratório, o subsídio de risco e a concretização da política da polícia de proximidade.
Gostaria ainda de salientar em relação às forças armadas que o PCP foi o único partido na última legislatura que apresentou um projecto sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, e que de há muito propõe um debate nacional alargado sobre os conceitos fundamentais da área da defesa nacional, designadamente sobre o processo de extinção do Serviço Militar Obrigatório e dos problemas que deste decorrem.
Pensamos que é necessário rever a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas e elaborar uma nova Lei de programação militar que articule as missões das Forças Armadas com a realidade económica e financeira do país, e que se impõe a regulamentação do Artigo 31, no sentido de potenciar o exercício dos novos direitos por parte dos militares.
Em relação aos submarinos, é sabido que a partir de 1998 quando ficou claro que com o recurso ao leasing, o valor do programa dispararia, tomámos uma posição desfavorável em relação a esta opção, tanto mais que tal volume de gastos iria comprometer o país a longo prazo e os meios para a defesa e a vigilância das nossas costas (fragatas e patrulhões).
Sublinhamos ainda as nossas preocupações com a situação da justiça (cara, morosa, distante dos cidadãos), as medidas que preconizamos e a necessidade de se avançar com os Julgados de Paz que como sabem foi uma medida proposta pelo PCP.
No nosso programa, faz-se uma breve caracterização da situação do país no actual contexto global e comunitário e apresenta-se dez grandes objectivos para uma política de esquerda, dez grandes objectivos que no horizonte da próxima legislatura possam consubstanciar os eixos estruturantes da necessária mudança de política que o país precisa.
Permitam-me ainda que vos chame ainda a atenção para a apresentação de catorze medidas urgentes que respondem a importantes necessidades da população e do país e cuja concretização logo no início da próxima legislatura dariam resposta a sentidos problemas da sociedade portuguesa.
O programa contém ainda um conjunto de propostas e medidas detalhadas sectoriais que não deixarão de ter tradução em iniciativas legislativas do grupo parlamentar.
Ao apresentarmos o Programa Eleitoral do PCP, com ele também nos distanciamos da mal-disfarçada ostensiva resignação, acomodação e fatalismo que PS e PSD exibem face ao que é injusto e inaceitável, e confirmamos a nossa atitude de força política portadora de inconformismo, de insubmissão e esperança, e que faz um vivo apelo a todos os cidadãos para que substituam a descrença, a abstenção e o desinteresse pela confiança na força da sua opinião e na eficácia do seu voto.
Com ele, marcamos também uma distância e diferença claras em relação às variantes da política de direita que, com diversos executantes, há anos demais assolam o país, há anos demais não resolvem os problemas de fundo da sociedade portuguesa, há anos demais, no essencial e salvo excepções em alguns temas aplicam as mesmas receitas, as mesmas concepções, os mesmos dogmas.
Finalmente, ao contrário de outros que prometem agora tudo o que não fizeram antes e até o contrário do que fizeram antes ou que querem fazer crer que uma simples mudança de caras apagaria todas as responsabilidades e faria tudo começar da estaca zero, ao apresentarmos o Programa Eleitoral do PCP queremos afirmar que não só não tememos como vivamente desejamos que os eleitores procedam a essa clarificadora prova dos nove que é comparar actos de ontem, palavras de hoje e projectos para amanhã.
Não temos uma visão fechada em relação às nossas propostas, nem a ideia de que em tudo são a última palavra. Mas elas são no seu conjunto um esforço sério para dar resposta aos graves problemas com que se defrontam as portuguesas e os portugueses.