I - Reforma da OCM das Frutas e Legumes
1. A propósito do último Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia o País foi alvo de uma operação de mistificação dos resultados obtidos pelo Governo português.
Tendo tido entretanto acesso não às informações que o Ministro da Agricultura divulgou mas às conclusões da sessão do Conselho (Documento 9145/96, Presse 211-G) estamos em condições de afirmar que a pretexto da quota do tomate o Governo pretendeu transformar resultados claramente decepcionantes para os interesses portugueses em alegadas vitórias inexistentes.
De facto e sem prejuízo de alguns resultados que minimizaram as propostas iniciais altamente gravosas da Comissão Europeia quanto à quota do tomate a verdade é que nem nesta matérias os resultados correspondem ao que o Ministro da Agricultura anunciou nem a importante reforma da Organização Comum dos Mercados das Frutas e Legumes, onde os resultados foram nefastos, se limita à questão do tomate.
Quanto a esta é positivo que a proposta inicial, sem fundamento, da Comissão Europeia, de redução de cerca de 20% na quota do tomate para concentrado não tenha obtido vencimento.
Contudo:
a) É uma muito magra satisfação manter a quota que temos actualmente (832 945 toneladas no concentrado) quando a Espanha viu aumentada a sua quota em 20,6% (mais 114 056 toneladas) e a Grécia em 3,4% (mais 32 412 toneladas).
b) Não houve aumento de 4,3% na quota. O que se lê, nas conclusões da reunião, no que se refere a Portugal é, "para o concentrado manutenção da sua quota ao nível actual". O que houve foi uma autorização de transferência, no primeiro ano da reforma, de 10 000 toneladas da quota do "tomate pelado" para a quota do concentrado.
Nas conclusões do Conselho lê-se ainda que "nenhuma modificação nos níveis iniciais das quotas será feita até ao terceiro ano, data em que serão feitos ajustamentos na base das produções dos dois primeiros anos".
Neste quadro o que ficou unicamente acordado não foi nenhum aumento futuro efectivo da quota mas a simplesmente a previsão de possibilidade de "um aumento de 5% da quota portuguesa de tomate transformado" (que inclui o pelado, o concentrado e outros produtos à base de tomate).
c) E, em todo o caso, o que será francamente negativo para os produtores, é que a transferência, no primeiro ano das 10 000 toneladas da quota do tomate pelado para o tomate para concentrado e eventuais aumentos da quota no futuro terão sempre como contrapartida, para Portugal, a redução da ajuda à produção, o que aparentemente não se aplica à Espanha, à Itália e à Grécia que viram as suas quotas e ajudas efectivamente aumentadas.
Isto é, enquanto nestes Países, e particularmente na Espanha, os agricultores podem expandir a produção e receber a correspondente ajuda, os agricultores portugueses não só não podem alargar a produção como, no acaso eventual de o virem a fazer, verão reduzidas as ajudas.
2. Mas o aspecto porventura mais grave dos resultados do Conselho agrícola reside no facto de, ao contrário das afirmações de aparente firmeza anteriormente formuladas, o Governo português ter aceite, seguramente como moeda de troca, uma proposta global da reforma da OCM das Frutas e Legumes que o próprio Ministro da Agricultura tinha considerado inaceitável.
Trata-se:
a) De medidas de desincentivação da produção através da diminuição do preço de retirada que pode ir até aos 40% com uma primeira redução de 20% logo no primeiro anos de aplicação da reforma, em relação aos preços médios de 95/96 o que se traduz num agravamento da própria proposta inicial da Comissão.
b) Da obrigatoriedade das organizações de produtores serem obrigadas a suportar 40% do custo de gestão dos mercados com o seu próprio fundo de maneio a financiar por cotizações dos produtores, e da ausência de medidas de apoio ao rendimento.
É de sublinhar que esta política de co-financiamento e de inexistência de apoios ao rendimento não tem precedentes nas anteriores reformas dos cereais e de carne, altera critérios anteriormente fixados na reforma da PAC e contraria inequivocamente os compromissos assumidos no Conselho de Ministros da Agricultura e dos Negócios Estrangeiros de Setembro de 1993 onde foi assumido pela União Europeia o compromisso de serem totalmente financiados os encargos com a gestão dos mercados das produções mediterrânicas.
É inaceitável e constitui um precedente grave para as futuras reformas do vinho e do azeite que o Governo português tenha aceite, assim, a quebra do princípio de solidariedade financeira e a aplicação de dois pesos e duas medidas nas políticas agrícolas da Comunidade: quando se tratou de reformas que interessavam aos grandes países e empresas agrícolas produtoras do Norte da Europa, a Comunidade financiou-as a 100% e atribuiu apoios ao rendimento. Quando se trata de produções que interessam particularmente a países como Portugal e aos pequenos agricultores já parte do financiamento das políticas tem que ser pago pelo produtores e pelos respectivos Estados membros e não há apoios ao rendimento.
c) Não foi salvaguardado o princípio da preferência comunitária o que se traduzirá numa ainda maior invasão dos mercados europeu e nacional por frutas e legumes provenientes de países terceiros.
d) As alfaces e as couves continuam excluídas da lista de produtos (Anexo II) que beneficiam de apoios comunitários de retirada no âmbito do regime de intervenções no mercado.
3. Estes resultados globais são altamente negativos conduzindo futuramente à desincentivação da produção horto-frutícola, à desincentivação da criação de organizações de produtores e à quebra do rendimento dos agricultores numa das áreas estratégicas e alternativas para a agricultura portuguesa.
A posição de aceitação da reforma pelo Governo português contraria profundamente a recomendação da Assembleia da República, aprovada por unanimidade, e que se pronunciava pela necessidade "de serem claramente assegurados na futura política comunitária os princípios da preferência comunitária e de solidariedade financeira".
A reforma da OCM agora aprovada não respeita sequer as insuficientes propostas de emenda contidas no Relatório Àrias Cañete votado no Parlamento Europeu a 14 de Março passado. (Talvez se justifique agora perguntar aos deputados europeus do PS/PSD/PP a justeza dos seus votos favoráveis dados na presunção de que a Comissão e o Conselho íam seguir as indicações do Parlamento Europeu...) Como também não respeita o Parecer emitido pelo Comité Económico e Social das Comunidades Europeias.
Como se verifica, e não dizemos isto com alegria, os resultados globais alcançados são negativos para os interesses da agricultura e dos agricultores portugueses e estão longe de corresponder às alegadas vitórias anunciadas pelo Ministro da Agricultura.
A importância estratégica dos frutos e legumes frescos para a agricultura e para os agricultores portugueses, onde representam 35% do PAB vegetal e 18% do PAB total, deveriam ter obrigado o Governo português a posições de maior firmeza na defesa e promoção do sector que não estão traduzidas nos resultados alcançados no último Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia e designadamente num período em que se perspectiva a diminuição dos apoios estruturais à agricultura nacional.
II - Outros resultados do Conselho e a agricultura portuguesa
Também de outras decisões do Conselho se vangloriou o Ministro da Agricultura. Só que também as restantes "vitórias" são bem magras e insignificantes para contrapartidas a decisões graves para a agricultura portuguesa.
Cantou "vitória" o Ministro com a decisão do País não ficar obrigado ao arranque da vinha durante 2 anos e com uns ridículos 719 hectares para novas plantações. Esqueceu-se de dizer que a distribuição dos 10 000 ha de novas plantações a nível da Comunidade premiou os países com altas produtividades e/ou responsáveis pelos excedentes comunitários e que esses países que continuam a encharcar o mercado nacional de vinho de má qualidade também foram desobrigados do arranque.
Cantou "vitória" o Ministro com o insuficiente acréscimo da quota de beterraba de 10 000 toneladas e com a promessa (e para já só existe a promessa) de que a Comissão irá apresentar ao Conselho uma proposta que permita que as explorações agrícolas entre 1 e 2 ha continuem a ter direito a Indemnizações Compensatórias.
São "vitórias" que não podem ocultar a gravidade da já referida aprovação da OCM das Frutas e Legumes, e também a aprovação do Pacote de Preços para a campanha de 96/97 e que no fundamental propõe reduções reais dos preços institucionais dos produtos agrícolas. Pacote de Preços Agrícolas que vai significar a continuação da baixa de rendimentos dos agricultores portugueses, com mais dificuldade em enfrentar uma crescente liberalização dos mercados agrícolas, quer por via dos compromissos decorrentes dos Acordos do Gatt/OMC quer por efeito dos sucessivos acordos da União Europeia com países terceiros - Marrocos, Turquia, Mercosul, África do Sul, etc.
As manifestações de produtores de batata da região de Coimbra na sexta-feira passada, os problemas que vivem os produtores de melão do Ribatejo e outras regiões, são o espelho de uma situação que não cessa de se agravar, com a produção agrícola nacional desvalorizada, sem escoamento, enquanto o País é invadido por produções de outros países.
Acrescente-se a situação dramática dos criadores de gado bovino decorrente dos problemas criados pela BSE, e sem que o Governo tome o conjunto de medidas de emergência que a situação impõe. O País arrisca-se a liquidar completamente esta fileira da produção pecuária.
Talvez fosse ajustado que o Governo falasse menos das suas "vitórias" em Bruxelas e agisse mais para responder aos problemas da agricultura portuguesa.
III - Política Florestal Nacional
A aprovação, pela Assembleia da República, por unanimidade, no último dia dos trabalhos parlamentares, da Lei de Bases da Política Florestal elaborada a partir de, entre outros, o Projecto de Lei de Bases de Desenvolvimento Florestal do PCP que tinha sido aprovado na generalidade, dota o País de uma boa e inovadora Lei Florestal.
Pela primeira vez é definida a obrigatoriedade de Planos Regionais de Ordenamento Florestal e de Planos de Gestão das Explorações que permitirão o tão necessário ordenamento florestal do País.
Acolhendo integralmente um capítulo que só constava do Projecto de Lei do PCP de medidas de carácter prioritário a Lei de Bases da Política Florestal não se limitou a fixar princípios, objectivos e orientações gerais mas definiu um conjunto de treze medidas concretas de urgência de que destacamos as que se referem ao reforço e estruturação dos processos de prevenção, vigilância e apoio aos fogos florestais.
Contudo não basta ter uma boa lei. É preciso ter um Governo que adopte as medidas e os investimentos necessários a uma boa e rápida execução da lei.
Ora o que se está a passar em matéria de reestruturação dos Serviços Florestais, com falta de diálogo e numa linha de confronto com os profissionais do sector, não augura nada de bom.
Neste quadro não se compreende que sejam retirados aos serviços florestais a gestão dos espaços florestais públicos com a criação, tal como o Ministro da Agricultura anunciou na Assembleia da República, de "um esquema empresarial para gerir as matas públicas", sendo ainda mais grave e inaceitável que o Governo pense incluir neste "esquema empresarial" as áreas dos baldios.
O PCP recorda que, tal como a Constituição dispõe, a posse e gestão dos baldios pertencem inalienavelmente aos povos organizados em assembleias de compartes e são intoleráveis quaisquer tentativas de se caminhar para a sua alienação ou privatização como pode estar subjacente à solução empresarial anunciada.
O PCP exorta o Governo a, pelo contrário, reforçar os serviços florestais em meios humanos, técnicos e financeiros, que lhes permitam pôr em prática a Lei de Bases agora aprovada.
Este é que é o caminho certo e não soluções que esvaziem ainda mais as funções e competências do Ministério da Agricultura.
O mesmo aliás se passa no capítulo da prevenção e combate aos fogos florestais. Em vez de serem adoptadas medidas inovadoras e eficazes na prevenção e vigilância e reforçados os meios de combate aos incêndios, o Secretário de Estado Armando Vara optou por uma inaceitável e irresponsável estratégia de confronto e desvalorização da imagem e dos esforços dos corpos de bombeiros.