Intervenção de Alfredo Maia, Deputado do PCP à Assembleia da República, Audição Pública «Alterações à Legislação Laboral. Defender os direitos dos Trabalhadores»

Sob um verniz de aparente modernidade a «Agenda do trabalho digno» tolera a precariedade, não reduz a jornada de trabalho, nem garante a negociação colectiva

Sob um verniz de aparente modernidade a «Agenda do trabalho digno» tolera a precariedade, não reduz a jornada de trabalho, nem garante a negociação colectiva

Caros amigos,

A Audição Pública “Alterações à legislação laboral – Defender os direitos dos trabalhadores” realiza-se num contexto de significativo agravamento das condições dos trabalhadores, dos reformados e dos pensionistas e de empobrecimento das famílias, em flagrante contraste com o escandaloso aumento dos lucros dos grandes grupos e o aprofundamento da desigualdade na distribuição da riqueza.

O Governo e o PS recusaram os aumentos do salário mínimo nacional para os 850 euros e das pensões em 8%, num mínimo de 50 euros por pensionista, propostos pelo PCP, mantendo assim o modelo de baixos rendimentos e de precariedade e o padrão de empobrecimento:

- mais de um quarto dos trabalhadores por contra de outrem de forma permanente aufere apenas o salário mínimo nacional;

- dos novos contratos celebrados no primeiro semestre deste ano, 72% são de natureza precária;

- mais de 4,5 milhões de pessoas viveriam abaixo do limiar de pobreza se não fossem as transferências sociais – e mesmo assim são 2,3 milhões, isto é, 22,4% da população, a viver nessas condições.

O quadro geral das relações de trabalho caracteriza-se, designadamente, 

- por uma profunda desregulação, com grande parte dos trabalhadores subtraída às normas e garantias de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (em 2008, estavam abrangidos por IRCT quase 1,9 milhões de trabalhadores; em 2021, eram pouco mais de 630 mil);

- por um perfil de baixos salários, em gritante contradição com elevados níveis de qualificação, exigência e penosidade; 

- pela prevalência de múltiplas formas de precariedade, que atinge a maioria dos jovens e não poupa aqueles que, tendo sido despedidos, são forçados a entrar ou a regressar a essa espiral de exploração indecente de sonhos e expectativas; 

- por regimes de laboração contínua, trabalho nocturno e por turnos frequentemente injustificados e abusivos; pelo uso e abuso de bancos de horas, adaptabilidade e trabalho suplementar sem a justa compensação; e

- por um grave desrespeito por direitos e garantias dos trabalhadores, inclusivamente de negociação colectiva, que só não é maior porque os sindicatos e a força organizada dos trabalhadores vão fazendo frente à exploração e aos abusos.

Amanhã, inicia-se a discussão e votação na especialidade da pomposamente chamada “Agenda do Trabalho Digno e valorização dos jovens no mundo do trabalho”, que, no essencial, pouco muda na vida dos trabalhadores e dos jovens.

De facto, a proposta de Lei mantém as normas gravosas do Código do Trabalho que o PS não quis retirar, ao chumbar as propostas do PCP, designadamente o regime caducidade das convenções, assim como não repõe o tratamento mais favorável para o trabalhador, nem as fórmulas de retribuição e compensação pelo trabalho suplementar, etc.

Sob um verniz de aparente modernidade a dita “Agenda do trabalho digno”, que tolera a precariedade, não reduz a jornada de trabalho, nem a garantir a negociação colectiva, introduz armadilhas, como a chamada semana dos quatro dias – sem garantias de redução da jornada de trabalho e de protecção dos salários –, ou novos mecanismos de arbitragem que não salvaguardam direitos consagrados na negociação colectiva.

O PCP apresentou um importante conjunto de propostas de alteração, colocando no centro do debate problemas com os quais milhares e milhares de trabalhadores enfrentam diariamente e que atingem o cerne da dignidade nas relações de trabalho.

É o caso da “disponibilidade”, que inúmeras empresas exigem de forma plena e absoluta, indiferentes aos níveis de esforço físico e intelectual impostos – não episodicamente, para satisfazer necessidades prementes e inadiáveis, mas de forma contínua, continuada e abusiva.

Assim, o PCP propõe a proibição de mecanismos de desregulação dos horários de trabalho ou do seu alargamento, defendendo a generalização das jornadas diária de sete horas e semanal de 35 horas em todos os sectores. 

Aliás, está agendada para a próxima semana a discussão, em plenário, de um projecto de lei do PCP com vista à consagração da jornada de 35 horas semanais.

O trabalho por turnos deve ser permitido apenas nos casos devidamente justificados e fundamentados e mediante o acordo do trabalhador, que terá de ser submetido a exames médicos prévios e regulares a cada seis meses.

A prestação em regime de trabalho nocturno não poderá ultrapassar as seis horas diárias, incluindo um intervalo de 30 minutos.

Após cinco anos de trabalho neste regime, o trabalhador poderá optar por pelo horário diurno fixo sem perda do subsídio de trabalho por turno, tendo também direito a um dia suplementar de férias por cada três anos de trabalho nocturno ou por turnos.

Em relação à prestação de trabalho normal em dia feriado, repõe-se um descanso compensatório pelo tempo correspondente ao trabalho prestado, ou 100% da retribuição, à qual acresce um dia de descanso compensatório.

Em relação ao regime de teletrabalho, que muitos pretendem um sinal de modernidade e de pretensa facilitação da conciliação entre a vida pessoal e familiar e o trabalho, e outros encaram como forma de reduzir ainda mais os custos com o factor trabalho, o PCP encara a questão com toda a prudência e exige todas as garantias em defesa dos trabalhadores.  

Na proposta do PCP, o recurso ao regime de teletrabalho carece sempre de acordo escrito, que estabelece a duração e as condições, sendo garantido, designadamente, o pagamento do subsídio de refeição; a fixação de um horário de trabalho; a propriedade da empresa de todos os instrumentos de trabalho; e o pagamento de abonos para despesas adicionais com energia, água e telecomunicações.  

Com o primeiro Código do Trabalho, aprovado em 2003 pela maioria PSD/CDS, foi introduzida uma poderosa arma de chantagem contra os trabalhadores alvo de despedimento colectivo – a suposta presunção de que o trabalhador aceita a decisão de despedimento e o valor da indeminização que o patrão impõe, se aceitar recebê-la.

Trata-se de uma norma profundamente iníqua, que impede o trabalhador de impugnar judicialmente o seu despedimento, ou até de discutir o justo valor da indemnização, mas que o PS nunca aceitou corrigir.

O PCP, pelo contrário, exige a reparação desta injustiça: além de propor a reposição do pagamento de um mês de retribuição e diuturnidades por cada ano de serviço, ou fração, no mínimo de três, no cálculo do valor da indemnização, insiste na revogação de tal norma, indigna num Estado de Direito Democrático.   

Saliente-se ainda a justa exigência do Movimento Sindical, de revogação do regime de caducidade das convenções, uma arma de pressão na negociação colectiva, que permite ao patronato retirar direitos, ou mesmo bloquear a negociação e fazer caducar os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Trata-se de uma exigência que o PCP continua a apoiar, voltando a propor a revogação desse regime e que os contratos colectivos se mantenham em vigor até serem substituídos por novos instrumentos negociado.

Caros amigos,

Estas são algumas propostas que o PCP coloca no âmbito de uma discussão e votação na especialidade que o PS pretende fazer a passo acelerado, impedindo um debate aprofundado, tal como impediu a audição individual de inúmeras federações e organizações sectoriais propostas pelo PCP, com o propósito de apressar o processo, para que as alterações entrem em vigor em janeiro.

Pela nossa parte, pretendemos manter viva a participação dos trabalhadores e das suas organizações, pelo que se reveste da maior importância a vossa contribuição. 

Por isso, a palavra é vossa.

Muito obrigado!