Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Só a gestão pública de resíduos sólidos urbanos garante a prestação de um serviço público de qualidade"

Apreciação dos Decretos-Leis nºs 96/2014, 98/2014, 99/2014, 100/2014, 101/2014, 102/2014, 103/2014, 104/2014, 105/2014, 106/2014, 107/2014 e 108/2014, conjuntamente com a petição n.º 394/XII/3.ª, em defesa dos serviços públicos de resíduos

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Iniciamos a nossa intervenção saudando os dinamizadores da petição contra a privatização da EGF, dinamizada pelo STAL, e que estão a acompanhar este debate.
Saudamos todos os subscritores da petição que hoje debatemos e saudamos, também, a luta dos trabalhadores, das populações, das autarquias, contra a privatização da EGF e em defesa dos serviços públicos dos resíduos sólidos urbanos.
É inaceitável que um Governo que se assume democrático proceda à alteração unilateral dos estatutos dos sistemas multimunicipais de resíduos sólidos urbanos, desprezando a opinião do outro acionista, as autarquias.
É uma atitude autoritária que revela um profundo desrespeito do Governo pelas autarquias e pelo seu quadro de autonomia, consagrado constitucionalmente.
Há muito que este Governo não olha a meios para atingir os fins que pretende, passando por cima de tudo e de todos, numa postura do «quero, posso e mando».
O Governo alterou os estatutos dos sistemas multimunicipais de resíduos sólidos urbanos unilateralmente, porque sabia que não iria ter o acordo das autarquias e sabia também que não contava com o apoio dos trabalhadores e das populações.
Pior: o Governo não só tomou uma decisão ignorando por completo a opinião das autarquias, como usurpou competências da exclusiva responsabilidade destas, contra a sua opinião, para as entregar ao privado.
Esta alteração legislativa é mais uma peça na construção do regime jurídico para permitir a privatização da EGF e, por conseguinte, dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos. Foram retiradas, onde existiam, todas as referências à obrigatoriedade da gestão pública, porque constituíam um obstáculo ao processo de privatização.
Relembramos também aqui o processo em que foram criados esses sistemas multimunicipais, numa clara chantagem e pressão sobre as autarquias para a constituição destes sistemas e, se caso assim não fosse, não teriam a possibilidade de ter acesso a fundos comunitários para os investimentos que eram necessários.
Aliás, esta pressão e chantagem não está naturalmente desligada daquele que seria o objetivo a longo prazo e que agora este Governo está a concretizar.
O processo de privatização que está em curso não foi concluído e a Autoridade da Concorrência anunciou que iria fazer uma investigação aprofundada sobre o processo da EGF por considerar que «à luz dos elementos recolhidos na primeira fase do procedimento, subsistem dúvidas de que da operação possam resultar entraves significativos à concorrência efetiva na prestação de serviços de apoio à gestão de resíduos urbanos de responsabilidade municipal».
Não há nada que justifique a privatização da EGF. É uma empresa lucrativa, que assegura o tratamento e valorização de resíduos a mais de 60% da população, que tem mais de 2000 trabalhadores e na qual, ao longo dos anos, foram realizados inúmeros investimentos. Então porquê privatizar? Somente por uma opção política e ideológica, como, aliás, assumiu o Sr. Ministro.
Este Governo prossegue uma estratégia de destruição dos serviços públicos para entregá-los «de bandeja» aos privados, sem risco e maximizando os lucros destas mesmas entidades privadas, contra a vontade das autarquias, dos trabalhadores e das populações.
Caso se concretize a privatização da EGF, o serviço público degradar-se-á, terá menor qualidade e eficiência, não respeitará os direitos dos trabalhadores e os custos serão mais elevados para os utentes, para satisfazer a obtenção de lucro dos privados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que o PCP, hoje, defende a manutenção na esfera pública da EGF e dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos. É que só a gestão pública de resíduos sólidos urbanos garante a prestação de um serviço público de qualidade, com eficiência e a custos acessíveis para os utentes, e os direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP apresenta, hoje, um conjunto de projetos de resolução, propondo a cessação de vigência dos decretos-leis em apreciação, para travar o processo de privatização e para assegurar a manutenção da EGF na esfera pública.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Na sua intervenção, que ouvi atentamente, procurou encontrar um conjunto de argumentos para justificar esta privatização, mas a verdade é que, dos argumentos que evocou, uns não correspondem à verdade e outros não são plausíveis.
Sr. Ministro, então, se o objetivo era fazer um regulamento tarifário, o que é que impede que a gestão pública o fizesse?!
O que é que impede?! O que é a gestão pública não pode fazer que as entidades privadas podem fazer?!
Onde é que as entidades privadas prestam melhor serviço público do que os próprios serviços públicos quando são geridos na esfera pública?!
O Sr. Ministro ainda não conseguiu esclarecer isto. Sabe porquê? Porque aquilo que este Governo está a fazer — e o Sr. Ministro tem responsabilidades, como todo o seu Governo — é pegar num conjunto de empresas que prestam serviços públicos empresariais para ir ao encontro dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.
Este é o grande objetivo, como foi noutras empresas e como será, no futuro, com outras que este Governo está a preparar-se para privatizar, como é o caso da Águas de Portugal. Por mais retórica que este Governo venha a utilizar, este é o grande objetivo deste Governo.
Posso também falar do grande interesse que há em torno da EGF. A EGF tem um património avaliado em cerca de 1000 milhões de euros, quando foi feito um conjunto de investimentos e tem pessoal altamente qualificado. Há, sem sombra de dúvida, grandes interesses privados em torno desta questão.
A verdade, Sr. Ministro, é que em lado nenhum um processo de privatização garantiu melhores serviços públicos e mais acessíveis às populações.
O Sr. Ministro não fez uma única referência às autarquias e este Governo não cumpriu com a palavra dada, porque, quando foram criados os sistemas multimunicipais, em muitos deles ficou previsto que seriam geridos unicamente por entidades públicas.
É por isso que este Governo vem à pressa, e de uma forma unilateral, alterar os estatutos exatamente porque eles constituíam um impedimento ao processo de privatização. Mas, Sr. Ministro, este processo é contestado por todos: pelos trabalhadores, pelas populações, pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e pelos autarcas não só comunistas mas também do PS e do seu partido.
Por isso, Sr. Ministro, este é um processo que vai contra tudo contra e contra todos e não vai ao encontro do respeito pelos direitos e pela prestação dos serviços públicos para os portugueses.

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