Intervenção de Manuel Gusmão, Membro da Direcção do Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa e do Comité Central do PCP, XVIII Congresso do PCP

A situação da cultura e dos intelectuais

Camaradas,

Portugal entrou no séc. XXI com um défice cultural enorme, na educação e no ensino, na cultura artística, científica e filosófica. Esta situação exprime o carácter dependente e sobre-explorador da burguesia portuguesa, incapaz de gerar e sustentar um projecto de desenvolvimento nacional, democrático e soberano.

Hoje mesmo em que se faz representar no governo por um partido que se diz socialista e que protagoniza a rendição social-democrata ao poder económico do grande capital e à ideologia neo-liberal, enfrentamos, ao mesmo tempo, uma ofensiva violentíssima contra os trabalhadores e o direito ao trabalho, e uma prolongada política de desresponsabilição do Estado em relação às suas funções culturais.

Para a política de direita há que poupar na cultura, ou seja, gastar o necessário na monumentalização ou ornamentação do poder, e confiar em que, no mercado e na comunicação social, dominada e dominante, imperem os critérios do lucro, da discriminação ideológica e os gostos das grandes audiências. O papel destrutivo do capitalismo dá-se aqui a conhecer enquanto mercadorização e alienação. Mercadorização de todas as relações sociais e humanas, da arte e da cultura. Alienação, quando tudo o que há de público ou íntimo, da vida pessoal à acção política, nos é expropriado e transformado em espectáculo, que nos impõe a posição de espectadores e ilude o direito à participação.

Para nós, PCP, pelo contrário, a cultura é efeito e função da liberdade; fermento e agente de transformação; instrumento e antecipação provisória da emancipação dos trabalhadores e dos povos.

Camaradas,

A cultura não é a coisa exclusiva dos intelectuais, mas eles têm com ela um vínculo profissional. De várias formas e em vários sectores de actividade, os trabalhadores intelectuais criam e produzem, guardam em memória, transmitem e intermedeiam representações, ideias e valores.

O quadro em que actualmente o fazem é um quadro de assalariamento, mas também do surgimento de processos de diferenciação e de dependência funcional dentro de uma mesma profissão; de crescimento do desemprego, particularmente entre os jovens licenciados à procura do primeiro emprego e os jovens investigadores; de precarização generalizada da prestação de trabalho, atingindo sectores que, com o 25 de Abril, tinham alcançado estabilidade de emprego e condições de progressão profissional.

A política de direita bloqueia as perspectivas de realização profissional nas áreas da criação artística e científica para as quais os trabalhadores intelectuais e, em particular, os jovens, adquiriram qualificações e, ao mesmo tempo, desaproveita o potencial técnico, científico e intelectual existente.

 Esta política que lesa direitos e expectativas individuais lesa também sectores de actividade de interesse nacional e, do mesmo golpe, constitui uma forma de comprimir a autonomia relativa do trabalho intelectual. Por esta via, tentam manter na sua dependência político-ideológica os trabalhadores intelectuais, neutralizá-los, prevenir ou abafar a sua resistência. Mas é possível trazê-los à luta – como o caso dos professores o confirma – e fazer convergir a sua luta com a da classe operária e a dos outros trabalhadores.

  • XVIII Congresso do PCP