Intervenção de

Situação da contratação colectiva de trabalho<br />Intervenção de Odete Santos

  Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social,A premência das premências relativamente ao Código do Trabalho — e neste aspecto a intervenção de V. Ex.ª não me sossegou nada — é a revogação da parte relativa à contratação colectiva. Fez-se publicidade enganosa com o Código do Trabalho, quando se afirmou que a contratação iria ser dinamizada. Já foram dados aqui alguns números, e os resultados estão à vista: em 2003, estavam abrangidos pelas convenções colectivas então revistas e publicadas 1 512 200 trabalhadores, mas em 2004, já com o Código do Trabalho em vigor desde Dezembro de 2003, o número baixou para 600 500 trabalhadores. E os dados relativos ao início deste ano também não deixam sossego, tanto mais quanto é certo que está iminente a caducidade de convenções colectivas de trabalho, que referirei especificamente na minha segunda intervenção, sendo que esta é que determina vazios contratuais. Por isso, a questão da caducidade é muito importante. O regime que está em vigor contém todos os mecanismos para beneficiar os infractores. As entidades patronais, que só lucram com o entorpecimento da contratação colectiva, aguardam olímpica e serenamente que as convenções caduquem, esgotados os prazos previstos no Código do Trabalho. O que se pretende com o regime em vigor é, ao fim de contas, domar os sindicatos e pôr na ordem os trabalhadores, obrigando-os a desistir das suas reivindicações justas, nomeadamente as salariais, porque para a ideologia neoliberal, de que enferma o Código, os trabalhadores devem submeter-se aos interesses económicos, desistir de lutar pelos seus direitos e pela justiça social e desistir mesmo da sua representação por este ou por aquele sindicato e da cidadania, à porta da empresa. Dando voz às angústias e receios de ver caducar os contratos colectivos de trabalho, recordo que o primeiro projecto de lei que o PCP apresentou dizia respeito apenas à revogação do actual regime de contratação colectiva e a sua substituição por outro, mas, perante a anunciada demora na revisão das leis do trabalho, que foi patente também na intervenção do Sr. Ministro, o PCP apresentou já um outro diploma, visando a suspensão das normas relativas à caducidade das convenções colectivas e a reposição do regime anterior relativo à renovação automática das mesmas. Como eu disse, de facto, há alguns sinais preocupantes resultantes da intervenção do Sr. Ministro, mas também resultantes, por exemplo, de um despacho do Sr. Director-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, de 7 de Abril do corrente ano, em que afirma a caducidade do CCT para o Sector da Cordoaria e Redes. Assim, as medidas anunciadas são mais do que manifestamente insuficientes. Basta-se o Governo com a adesão individual dos trabalhadores a convenção que não é a do seu sindicato, como está afrontosamente afirmado num acordo de empresa com a Companhia das Lezírias? Basta-se o Governo com a mediação e arbitragem? Se assim for, continuará por realizar plenamente o direito à contratação colectiva, que tem consagração constitucional. (...) Sr. Presidente, Sr. Ministro do Trabalho e da Solidariedade SocialPenso que V. Ex.ª foi muito claro em algumas das suas afirmações, tendo reconhecido que vão caducar brevemente convenções colectivas de trabalho, facto este gravíssimo. O Sr. Ministro reconheceu ainda que, de facto, este Código do Trabalho não serve, mormente a parte respeitante à contratação colectiva, mas nada quer fazer para impedir a caducidade das convenções (e já me referirei à arbitragem obrigatória mais adiante). Não penso que tivesse sido a renovação automática das convenções a mãe de todos os vícios e a mãe da paralisação da contratação colectiva; outros factores que não esse determinaram este facto . Quero, porém, dizer, para rectificar algumas questões, que os números que os senhores indicam relativos à contratação colectiva no primeiro trimestre deste ano se referem também, e só, a revisões de tabelas salariais, que não são um contrato colectivo de trabalho, pelo que esses números têm de ser temperados por esta análise. Aliás, o anterior governo nem entendeu sequer que a revisão de uma tabela salarial pudesse impedir a caducidade de uma convenção, de acordo com o artigo 492.º da Lei de Regulamentação do Código do Trabalho. Lamento que, de facto, não haja, da parte do Governo do Partido Socialista, solução à vista para impedir a caducidade de várias convenções colectivas de trabalho. A verdade é que vão caducar algumas convenções colectivas de trabalho, das quais gostaria de referir as seguintes (e são só algumas): o acordo de empresa da ex-CUF; o acordo de empresa da Companhia das Lezírias; e o contrato colectivo trabalho para os hotéis do Centro e Sul de Lisboa. Se fizer carreira o despacho do Director-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, que até ignora que o contrato colectivo que diz que vai caducar tem uma cláusula que menciona que o mesmo se mantém em vigor até ser substituído por outro, violando, portanto, esse despacho o que dispõe o próprio Código do Trabalho, caducarão ainda as convenções respeitantes às indústrias eléctricas, à EVA Transportes, SA, à Barraqueiro Transportes, SA, à indústria de tomate, à indústria de lacticínios, à Betecna-Betão Pronto, SA, às empresas de embalagens de vidro, etc. E estes são só alguns exemplos. Depois, porque com este Código do Trabalho a contratação colectiva se tornou uma selva, tendo até o patronato violado disposições deste diploma, denunciando, ao abrigo do artigo 13.º, convenções que os sindicatos já tinham denunciado para lhes fazer aplicar a caducidade, com o que se quer uma aplicação retroactiva do Código, haverá também, por esta via, muitas outras convenções a caducar, como, por exemplo, as relativas às empresas de fabricação de papel, à empresa de transportes ferroviários, à empresa Transportes Sul do Tejo, à empresa Rodoviária do Tejo, às empresas de transportes de mercadorias, bem como as respeitantes às empresas de cerâmica, de fibrocimento, de publicidade e de comunicação. E há mais! O que, de facto, aflige é não haver qualquer disposição que repare uma coisa provocada pelo anterior governo e pela anterior maioria — o vazio legal —, deixando partir os trabalhadores em desequilíbrio para a arbitragem obrigatória. Ao não se criarem mecanismos de forma a ser reposta a igualdade das partes numa balança que está manifestamente desequilibrada contra o trabalhador, quando se chega à arbitragem obrigatória os trabalhadores já foram desistindo de direitos e até, muitas vezes, aceitam negociações para não verem caducar as convenções colectivas de trabalho, porque são acossadas por esse desequilíbrio. É por isso, Sr. Ministro, que eu esperava mais da sua intervenção. Esperava, de facto, ouvi-lo dizer que havia coisas que rapidamente deveriam ser reparadas. É que, de facto, é possível e necessário, mesmo para haver produtividade e competitividade, que se respeitem os direitos dos trabalhadores e os direitos de cidadania (nisso estamos de acordo, não foi, com certeza, em relação a nós que disse haver divergências), aquilo a que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) chama o trabalho decente, o trabalho com direitos, algo que o Código do Trabalho não garante.

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