Conferência de Imprensa com declaração de José Neto, do Comité Central do PCP

A situação na Justiça

Áudio

1. Triste sina, a da justiça portuguesa, cujos problemas se arrastam sem fim à vista, sem que se veja a luz ao fundo do túnel.

Envolvida há demasiado tempo numa intrincada rede de interesses do poder político e económico, que determinam, no essencial quer a sua organização e funcionamento, quer o conteúdo das leis que é chamada a aplicar, alvo de desconfiança por parte dos cidadãos mais indefesos e injustiçados e de denegrimento pelos mais poderosos e impunes, a Justiça portuguesa tarda em emergir, independente e soberana, da crise mais geral da sociedade, em que se insere, apesar do esforço sério e empenhado da maioria dos seus profissionais.

Sucessivos governos, ao longo de mais de trinta anos, são responsáveis pela situação a que se chegou – os estrangulamentos e condicionamentos do Poder Judicial e a gritante desigualdade dos cidadãos face à Justiça. Esta é a indesmentível realidade.

Há na Justiça, como em todas as profissões, melhores e piores profissionais. Mas aquilo a que se assiste, é a um ataque sem precedentes à Justiça e aos seus operadores, procurando dessa forma desviar as atenções e desculpabilizar os que, com as leis que têm vindo a produzir, são os responsáveis principais pelos problemas que a afectam.

2. Temos hoje um novo Governo e uma nova equipa na área da Justiça. Que, mantendo a mesma política, se vê forçado a recuar, ainda que sem o admitir, no Processo Penal e no Mapa judiciário.

Estes recuos, perante o evidente fracasso das reformas, são o resultado de um governo que se vê confrontado e reduzido à sua minoria . E põem a nu a arrogância que manifestou, quando dispôs da maioria absoluta, para lidar com matéria tão sensível, designadamente esta do direito penal e processo penal, que envolve garantias, direitos e liberdades, e tem sérias implicações na investigação criminal, de cuja  eficácia depende o êxito no combate à grande criminalidade e à corrupção.
 
Arrogância e auto-suficiência de um governo e de uma maioria que, na discussão do Código do Processo Penal, se deu ao luxo de arredar os contributos dos profissionais do Direito – magistrados, advogados, académicos e juristas em geral – que, pelo seu saber e experiência prática, tinham opiniões fundamentadas sobre alterações tão significativas como aquelas que estavam ensejadas.

Arrogância e irresponsabilidade de um governo que não soube, e não quis, evitar os reflexos negativos que as alterações viriam a ter, como tiveram, não apenas na esfera judicial – insegurança jurídica, menor eficácia no combate ao crime (e mais descrédito no funcionamento da Justiça), mas igualmente ao nível da própria sociedade, em particular pelo clima de insegurança que geraram.
Ao contrário de outros que de forma populista e demagógica criticam agora o que em 2007 aprovaram, à sombra do Pacto da justiça, o PCP mantém coerentemente as suas posições, como se comprova pelas propostas na altura apresentadas  para discussão (segredo de justiça, prisão preventiva) e que foram rejeitados pelo PS, PSD e CDS/PP.

3. No que toca ao novo mapa judiciário, está à vista mais um fracasso da política do PS para a justiça. O novo mapa judiciário é inexequível e, a não ser travado, corre sério risco de se transformar num enorme “elefante branco” da nossa justiça. A realidade aí está a provar que, também nesta matéria, tinha razão o PCP quando se opôs a tal reforma, por inadequada aos problemas que urgia resolver.

A experiência das novas comarcas-piloto (sobretudo a do Baixo Vouga) mostra já hoje que a solução não melhorou a celeridade e a eficácia judicial; não diminuiu as despesas – contrariando os objectivos economicistas do Governo; agravou os problemas no que toca ao quadro de funcionários e magistrados, sobretudo do M. Público, levando ao esvaziamento de comarcas, que acabaram carenciadas de magistrados; piorou as condições de acesso das populações, criando novos problemas de deslocação.

O Governo PS sabe disto. O Governo anterior devia tê-lo previsto. Mas fez orelhas moucas a todos os alertas e avisos, nomeadamente daqueles que iriam estar directamente envolvidos na execução da reforma.

Esta foi e é uma reforma desnecessária. Impõem-se, e são possíveis certamente, soluções mais simples e expeditas que, partindo da realidade existente, contribuam para resolver de forma progressiva os problemas – agilizar os processos, preencher os quadros de funcionários e magistrados, modernizar o parque judiciário, os meios e métodos de trabalho, dignificar as profissões jurídicas – funcionários judiciais, advogados, magistrados – e as suas condições de trabalho nos tribunais.

E, concomitantemente, alargar, rapidamente, a rede de Julgados de Paz a todo o país, simplificando o seu funcionamento, proposta há muito defendida pelo PCP e sempre recusada.

4. Para o PCP, é hoje necessário recentrar atenções na defesa dos direitos dos cidadãos no acesso à justiça e aos tribunais.
Acesso cada vez mais difícil, em particular para os trabalhadores, principais vítimas da crise capitalista, afastados forçadamente dos tribunais por taxas e custas insuportáveis, por denegação de apoio judiciário (praticamente inexistente), pelo recurso quase obrigatório a meios alternativos privados de “justiça”, pela morosidade endémica, particularmente da justiça laboral, a que não se põe cobro. Mas agora, também, arredados desse direito constitucional por via de uma concepção verdadeiramente inédita, inacreditável, vinda do actual Governo que considera a Justiça, no seu Programa, não como um direito de que os cidadãos são portadores, mas como um serviço, de que são meros consumidores.

É altura de voltar a pôr em cima da mesa, com muita força, e o PCP tem-o feito e fá-lo-á, a questão do Defensor Público, do Apoio judiciário, para quem dele necessite, e das custas judiciais. É para todos uma necessidade objectiva, para além do mais elementar respeito pelo artº. 20º da nossa Constituição.

5. As notícias  acerca de negócios ruinosos para o erário público constituem fonte de grande preocupação, designadamente os que se prendem com a política de arrendamento de instalações judiciárias do Ministério da Justiça, bem como relatos de eventual gestão danosa no âmbito do Instituto de Gestão Financeira da Justiça (IGFIJ). Edifícios como os estabelecimentos prisionais de Lisboa e de Pinheiro da Cruz, os maiores do país, vendidos por 60 e 80 milhões de euros, respectivamente, continuam ocupados, pagando o Estado, agora inquilino, uma renda que ultrapassará os 7 milhões de euros anuais.
Relativamente a estas situações, que foram objecto de que foram objecto de questionamento pelo PCP ao Governo, em Dezembro passado, continuaremos a exigir o seu cabal esclarecimento, bem como o apuramento de responsabilidades a que houver lugar.

Nesta área da Justiça, o PCP continuará a honrar os seus compromissos.
Já nesta sessão legislativa, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou três iniciativas visando a defesa da investigação e a eficácia do combate ao crime. Tudo faremos para que sejam discutidas e aprovadas.
E como é seu dever, numa linha de coerência de posições, continuará a intervir, activamente e com propostas concretas e construtivas, em matéria de luta contra o crime organizado e a corrupção, na promoção e garantia da igualdade dos cidadãos na realização da justiça e na defesa de um poder judicial independente e soberano, pilar fundamental do regime democrático.

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