Na Sessão Comemorativa do 36º aniversário da Revolução de Abril na Assembleia da República, o PCP lembrou que As desigualdades e as injustiças aprofundam-se ao invés de serem combatidas, à pobreza de tantos contrapõem-se as mal explicadas fortunas de muito poucos, a riqueza nacional será pouca mas é sobretudo uma riqueza cada vez mais mal distribuída. José Soeiro afirmou ainda que é tempo de retomar e cumprir Abril, é tempo de respeitar, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República e não de pensar na sua subversão.
Sr. Presidente da República,
Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,
Capitães de Abril,
Sr.as e Srs. Convidados,
Sr.as e Srs. Deputados:
Será modesta, mas é sincera a homenagem que daqui prestamos aos Capitães de Abril, que, na histórica madrugada de 25 de Abril de 1974, com audácia e grande coragem, derrubaram a ditadura fascista que oprimia e sacrificava o nosso povo condenando Portugal ao atraso e ao subdesenvolvimento. Fascismo que conduziu à morte e estropiou milhares de jovens numa criminosa guerra colonial, impôs intoleráveis condições de vida e de trabalho ao povo, obrigou à emigração de centenas de milhares de portugueses, reprimiu as mais elementares liberdades, em nome de um pequeno grupo de monopolistas e grandes latifundiários. A tudo isto puseram termo os Militares de Abril. Por tudo isto, o nosso reconhecimento pela liberdade conquistada.
Saudar e homenagear também os que, resistindo com coragem a todas as formas de repressão, arriscando a cada dia, em nome da liberdade de todos, a sua própria liberdade, quantas vezes a própria vida, lançaram a semente da qual brotaram os cravos que a 25 de Abril floriram nas armas dos nossos soldados.
Saudar e homenagear o nosso Povo: o povo simples, trabalhador, anónimo, que, abertas as portas da liberdade, saiu à rua, inundou praças, tomou nas mãos o seu destino e, num forte e fraterno abraço com as suas forças armadas, deu forma e conteúdo ao vitorioso golpe militar dos seus valorosos Capitães de Abril.
Com alegria e confiança, sobretudo com uma enorme esperança e vontade de mudar, de transformar Portugal num Portugal melhor, o Povo pôs em marcha a Revolução, deu combate firme aos golpes e à sabotagem política e económica contra a jovem democracia, nacionalizou monopólios, fez a reforma agrária, construiu o poder local democrático, assumiu a liberdade em toda a sua plenitude.
Revolução inacabada, é certo, mas Revolução. Revolução nos direitos, liberdades e garantias. Revolução na economia, nas relações sociais, na educação, na cultura e nas mentalidades. Revolução na afirmação da soberania e independência nacionais. Revolução na libertação dos povos colonizados. Revolução pela paz, amizade e cooperação com todos os povos do mundo.
Revolução que deixou a sua «marca de água» na Constituição da República Portuguesa, à qual todos os órgãos de soberania estão vinculados, mas, manifestamente, nem sempre empenhados, como seria e é seu dever, no seu pleno cumprimento. Nela se plasmou como fundamental promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses. Nela se consagrou: o direito ao trabalho para todos, incumbindo-se o Estado de promover a execução de políticas de pleno emprego; o direito à segurança social que proteja os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho; o direito à saúde, através de um serviço nacional de saúde universal e geral, hoje tendencialmente gratuito; o direito a uma habitação digna. Nela se inscreveu como prioridade promover a justiça social, operando as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento e o combate às assimetrias entre o litoral e o interior.
Trinta e seis anos depois, os portugueses interrogam-se, com razão, sobre o que andaram a fazer os órgãos de soberania, a quem a Constituição atribui a responsabilidade de governar o País e decidir no sentido de dar cumprimento aos princípios fundamentais nela contidos. Trinta e seis anos depois, novos e velhos grandes grupos económicos e financeiros, muitos deles constituídos à sombra e à custa da delapidação do património do Estado, através da privatização insensata de empresas estratégicas cujos lucros deviam estar ao serviço da economia real e proporcionar a sua competitividade, dominam hoje a economia, exigindo mesmo, alguns deles, a formalização do retorno da subordinação do poder político ao poder económico.
Portugal vive sob o garrote de uma dívida externa inquietante. O seu tecido empresarial, composto no essencial por micro, pequenas e médias empresas, pilar da economia real e garante do fundamental do emprego, está também ele endividado e dependente de um sistema financeiro mais preocupado em obter dividendos usurários e imediatos do que em gerir as poupanças dos portugueses ao serviço do desenvolvimento sustentado do País.
O mesmo sucede com as famílias, induzidas a consumos que os seus baixos rendimentos não comportam. Mais de 700 000 trabalhadores estão no desemprego, mais de 200 000 sem protecção social, a precariedade substitui o emprego com direitos, empobrece-se a trabalhar, a emigração voltou a ser necessidade. Mais de 2 milhões de portugueses vivem na pobreza, o acesso a direitos essenciais, como a saúde, a habitação digna, a acção social, o ensino de qualidade, a cultura, está muito longe de ser uma realidade para todos. Acentuam-se as assimetrias entre o litoral e o interior. As desigualdades e as injustiças aprofundam-se ao invés de ser combatidas. À pobreza de tantos contrapõem-se as mal explicadas fortunas de muito poucos. A riqueza nacional será pouca, mas é sobretudo uma riqueza cada vez mais mal distribuída. Os bens públicos são geridos sem isenção, rigor e transparência, prevalecendo uma gestão nebulosa, onde dominam ocultos interesses privados de duvidosa legalidade. Membros e ex-membros de órgãos de soberania assumem surpresa perante o descrédito de políticos e instituições, manifestam preocupação com o estado da democracia e indignação com a dimensão das desigualdades e injustiças existentes na sociedade, condenam as remunerações e mordomias escandalosas de muitos gestores e os lucros brutais de alguns grupos que contrastam com os baixos salários e reformas da generalidade dos portugueses.
É importante este reconhecimento público por parte de quem teve ou tem responsabilidades na governação do País, mas mais importante é compreender a necessidade e urgência de mudar o rumo dos últimos 34 anos para que a situação se não agrave. Sejamos claros: os problemas gravíssimos que afectam o País não resultam da natureza progressista da Constituição da República, da existência constitucional de um sector público na economia, da salvaguarda de direitos sociais fundamentais dos trabalhadores e das populações ou do modelo de representação, partilha e interdependência do poder institucional. Bem pelo contrário, os problemas que temos são o resultado do incumprimento da Constituição!
É tempo de retomar e cumprir Abril, é tempo de respeitar, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República e não de pensar na sua subversão. É tempo de fazer corresponder as políticas concretas às belas palavras que todos proferimos em momentos solenes como o presente. É tempo de governar com o Povo e para o Povo, pois só assim podemos dignificar e dar sentido à política. Só assim podemos credibilizar e prestigiar a democracia, que tem que ser política, mas também económica, social, cultural e, sobretudo, participada. Só assim salvaguardaremos a nossa soberania e a nossa independência nacional. Só assim seremos dignos do mandato que o Povo nos confiou.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!