Já passaram quatro anos e meio desde o acidente ferroviário de Soure, onde morreram 2 trabalhadores da CP e ficaram feridas 24 pessoas, 3 delas com gravidade.
O Inquérito realizado ao acidente pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários - GPIAAF ao acidente de Soure foi claro a identificar que «a maioria dos factores sistémicos [que contribuíram para o acidente] estavam identificados em 2018 num Relatório deste Gabinete». Mas as medidas corretivas propostas pelo GPIAAF não tinham sido adoptadas.
A 20 de Setembro de 2022, um ano após a apresentação do Relatório do GPIAAF ao incidente de Soure, o PCP questionou o Governo sobre o grau de concretização das medidas recomendadas nesse Relatório pelo GPIAAF. O Governo só viria a responder em Maio de 2023, depois de uma nova pergunta do PCP.
Das 10 recomendações que o GPIAAF tinha apontado em 2021 estavam então concretizadas 3, estando as restantes não concretizadas por diferentes razões.
É esta gritante falta de capacidade de resposta que o Governo tem obrigação de resolver, até porque muita dela tem origem na falta de recursos humanos colocados ao serviço das empresas e entidades envolvidas.
No Conselho de Ministros de 14 de Novembro, o governo, de forma completamente injusta e irresponsável, adoptou a seguinte deliberação «5. Aprovou uma Proposta de Lei, a submeter à Assembleia da República, que aumenta o valor das coimas aplicáveis às contraordenações previstas no Decreto-Lei n.º 85/2020, de 13 de outubro, relativo à segurança ferroviária, garantindo um regime mais dissuasor. Altera ainda a Lei n.º 16/2011, de 3 de maio, que aprova o regime de certificação dos maquinistas de locomotivas e comboios do sistema ferroviário, proibindo os maquinistas de desempenharem as suas funções sob influência de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas que possam comprometer o exercício de tais
funções de forma segura e adequada». Desde logo e como é costume, essa proposta ainda não foi entregue na Assembleia da República, o que dificulta o escrutínio da deliberação, mas seja como for, esta é completamente abusiva, na medida em que os maquinistas não só já estão proibidos de conduzir sob a «influência de álcool, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas» como são sujeitos a inspecções periódicas regulares sobre esse consumo.
Mas se a Resolução do Conselho de Ministro está, no mínimo, mal redigida, as declarações proferidas pelo Governo na Conferência de Imprensa da apresentação da mesma são totalmente lamentáveis. Citamos: «Não é muito conhecido, mas Portugal tem o segundo pior desempenho ao nível de número por quilómetro de ferrovia de acidentes que ocorrem, é aliás um desempenho de cerca de 7 vezes pior que a primeira metade. O que nós fizemos hoje foi reforçar as medidas de contra-ordenação para os maquinistas deste transporte ferroviário, criando uma proibição de condução sobre o efeito de álcool. Estando Portugal nas piores situações em termos de número de acidentes, tem o quadro de contra-ordenações mais leve da Europa, o que é um contra-senso, um paradoxo, que não faz sentido.»
O Governo atreve-se a fazer uma ligação directa entre o número de acidentes ferroviários em Portugal e o consumo de álcool dos maquinistas, quando sabem, até porque os relatórios dos acidentes são claros, que a causa destes radica na falta de trabalhadores, na falta de investimento, na destruição da unidade do sector ferroviário e na não adopção atempada das medidas necessárias por parte do Governo. E os maquinistas são sempre as primeiras vítimas destes acidentes.
Sublinhe-se que é evidente que o não consumo de alcool e outras substâncias análogas é evidentemente uma medida de segurança ferroviária. E que é sempre possível melhorar o regime que já hoje o proíbe. Faremos essa discussão quando se conhecer o conteúdo concreto da proposta do governo. O que é inaceitável é fazer a ligação directa que o Governo fez de forma caluniosa, ao mesmo tempo que ameaça perpetuar as verdadeiras causas da menor segurança na ferrovia nacional.
Perguntamos:
1. Tem o Governo o ponto da situação da implementação das 10 recomendações de segurança do GPIAAF no Relatório ao Incidente de Soure ocorrido em 2020? Que medidas está a adoptar para garantir a sua total implementação?
2. Vai o Governo pedir desculpas aos maquinistas, e a todos os trabalhadores ferroviários insultados pela forma como apresentou publicamente as propostas de alteração à Lei 16/2010?