Projecto de Lei N.º 470/XII-3.ª

Segunda Alteração à Lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto)

Segunda Alteração à Lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto)

Exposição de motivos

O presente Projeto de Lei pretende produzir alterações à Lei de Bases do Ordenamento do Território e Urbanismo no contexto de uma reflexão conjunta no quadro dos instrumentos de uma política de solos democrática, que atenda aos problemas contemporâneos, ao serviço do interesse público.

A Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo (LBOTU), publicada em 11 de agosto de 1998, apenas sofreu alteração cerca de 9 anos depois, pela Lei n.º 54/2007, de 31de agosto.

O Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), publicado em 22 de setembro de 1999 (Decreto- Lei n.º 380/99), sofreu a primeira alteração cerca de 4 anos após, em 10 de dezembro 2003 (Decreto-Lei n.º 310/2003), quando desapareceram as referências ao exercício de atribuições das autarquias regionais preconizadas na Constituição da República, consolidando a sua passagem para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).

A alteração de 2007, completada pela Declaração de Retificação n.º 104/2007, apesar do enunciado simplificador, veio marcar uma substancial viragem, reforçando a proteção dos interesses privados e a entrada dos seus promotores na elaboração dos instrumentos planeamento e de gestão territorial.

Tal evolução, a par da proliferação de instrumentos de planeamento e gestão atípicos e de regimes contraditórios de desordenamento, como os PIN (Projetos de Interesse Nacional) e PIN+, vieram comprometer substancialmente as virtualidades da prefiguração de um sistema nacional de gestão territorial articulado e coerente, assente em instrumentos:

- de natureza estratégica global de nível nacional e regional – Programa Nacional das Políticas de Ordenamento do Território (PNPOT) e Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT);
- de programação de medidas e investimentos sectoriais, que garantissem a materialização das estratégias globais – Planos Sectoriais;
- de gestão direta territorial de recursos territoriais considerados de interesse nacional relevante, onde o Estado assume a gestão direta da sua preservação, administração das faculdades da fruição e eventual capacidade de intervenção na sua transformação – Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT);
- de classificação integrada da aptidão e uso do solo, articulada com as estratégias locais, de nível municipal - PDM;
- de articulação de recursos e harmonização de intervenções entre Municípios territorialmente contíguos – Planos Intermunicipais.
- operativos de estruturação urbana ou intervenção local programada no território dos Municípios – PU ou PP.

O sistema de gestão territorial, configurado pela LBOTU, distribui responsabilidades da sua instituição concreta por diversas instâncias da Administração Pública, que cabe avaliar quanto ao desempenho e, sobretudo, quanto às dificuldades e inconsistências subjacentes que devem orientar o aperfeiçoamento do sistema.

Ao nível supramunicipal verifica-se:

- A fragilidade do PNPOT, drasticamente confirmada na incapacidade de perspetivar prioridades em eixos fundamentais da estruturação do território nacional, como são exemplo as infraestruturas portuárias (repartição do papel dos portos e respetiva sustentabilidade) e aeroportuárias (as alternativas ao aeroporto da Portela, a questão de Beja, etc.), a rede ferroviária nacional, agravada pela problemática da alta-velocidade.

- A falta de prática sistemática e responsável de recurso à figura de Plano Sectorial, nas políticas sectoriais e na atividade dos vários Ministérios;

- O protelamento sucessivo da instituição de autarquias regionais põe em causa a figura dos PROT, incapazes de uma estratégia territorial sustentada em recursos próprios;

Nesse sentido, com o presente Projeto de Lei, pretende-se:

Realçar o objetivo de eficiência e eficácia do sistema de gestão territorial, aprofundando a autonomia responsável dos diversos protagonistas;

Não resumir a contratualização à relação entre a iniciativa pública e a iniciativa privada, tendo em atenção que é relevante a relação articulada entre diversas instâncias da administração pública e, na articulação entre a iniciativa pública e a iniciativa privada ponderar a diferente graduação dos interesses em presença, privilegiando o interesse público;

Articular o instituto da avaliação ambiental (não confundindo com a avaliação de impacto ambiental) com o sistema de gestão territorial, privilegiando o seu exercício aos níveis territoriais mais abrangentes, nomeadamente do PNPOT, evitando a repetição de procedimentos;

Aprofundar o conceito de PNPOT em ordem à definição das várias políticas com incidência territorial, e exigir a efetiva compatibilidade entre a estratégia preconizada e as políticas governamentais;

Aprofundar os conceitos de Plano de Urbanização e Plano de Pormenor em ordem à capacidade já regulada no RJIGT e os que venham a ser constituídos em sede de política de solos e autonomizar absolutamente, no âmbito municipal, a sua elaboração, execução e avaliação;

Fundamentar os Planos Especiais como instrumentos apenas adequados para servir formas excecionais de gestão territorial, atendendo à natureza dos recursos em presença, quando aquela exige a gestão territorial direta por parte do Estado;

Obviar a que os usos industriais isolados, situação por vezes imposta pela natureza e impacto do tipo de atividade, não determinem a alteração da qualidade de solo rural, que afetam, para a condição de solo urbano;

Enriquecer a figura de Programa de Acão Territorial como instrumento de coresponsabilização e programação articulada das diversas intervenções territoriais, públicas e/ou privadas.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentos aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo Único
Os artigos 2.º, 4.º, 5.º, 7.º, 9.º, 10.º, 15.º, 16.º, 17.º, 20.º, 23.º, 25.º, e 32.º da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto, alterada pela Lei n.º 54/2007 de 31 de agosto, passam a ter a seguinte redação:

«Capítulo I
Princípios e objetivos
(…)
Artigo 2.º
Objeto
Constitui objeto da presente lei:

a) (…);
b) A instituição dos instrumentos de gestão territorial, vocacionados ao mais eficiente prosseguimento das competências e âmbito de autonomia atribuídas aos diversos níveis e instâncias da Administração Pública;
c) A regulação, no âmbito da política de ordenamento do território e de urbanismo, das relações entre os diversos níveis da Administração pública e desta com as populações e com os representantes dos diferentes interesses económicos e sociais.

Artigo 4.º
Dever de ordenar o território

1- (…).
2- (…).
3- A responsabilidade repartida do dever de ordenamento do território e de assegurar um adequado urbanismo nas cidades e demais aglomerados urbanos, não pode ser prejudicada pelo protelamento do exercício das faculdades de pronunciamento em sede de enquadramento tutelar ou consulta, no âmbito da articulação das várias instâncias da Administração Pública ou no âmbito da participação pública garantida.

Artigo 5.º
Princípios gerais

A política de ordenamento do território e de urbanismo obedece aos princípios gerais de:

a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) (…);
g) (…);
h) Contratualização, incentivando modelos de atuação que admitam a concertação da iniciativa privada com a iniciativa pública, na concretização dos instrumentos de gestão territorial privilegiando o interesse público;
i) (…).

Capítulo II
Sistema de gestão territorial

Artigo 7.º
Caracterização do sistema
1- (…).
2- (…)

3- O sistema de gestão territorial concretiza a interação coordenada dos seus diversos âmbitos, na elaboração, aplicação, monitorização e adequação sistemática do conjunto coerente e racional de instrumentos de gestão territorial, sem prejuízo da necessária autonomia e respeito hierárquico no exercício das competências respetivas atribuídas.

4- Para efeitos de avaliação ambiental, privilegia-se o seu exercício a montante, nos conteúdos de natureza estratégica, sem prejuízo dos desenvolvimentos subsidiários que vierem a ser determinados por estes e que devem, articuladamente, dar garantias da sustentabilidade do sistema de gestão territorial no seu conjunto.

Artigo 9.º
Caracterização dos instrumentos de gestão territorial

1- São instrumentos de desenvolvimento territorial:

a) O programa nacional da política de ordenamento do território, cujas diretrizes e orientações fundamentais traduzem um modelo de organização espacial do território nacional que reporte quer ao equilíbrio do sistema urbano, à coerência e suficiência das redes de infraestruturas e equipamentos coletivos, quer à salvaguarda da qualidade dos recursos minerais, das águas territoriais e dos solos essenciais à produção agrícola e florestal, aferidos à necessária sustentabilidade ambiental e ao património cultural do país e identifique a programação geral da intervenção de âmbito nacional do Estado;

b) (…);
c) (…).

2- São instrumentos de planeamento territorial os planos municipais de ordenamento
do território, que compreendem as seguintes figuras:

a) O plano diretor municipal que, compatibiliza a estratégia de desenvolvimento local com as orientações estratégicas e condicionamentos definidos nos âmbitos nacional e regional, e estabelece a qualificação dos solos urbano e rural;

b) O plano de urbanização que desenvolve a qualificação e regime de transformação e uso do solo urbano ou de urbanização programada, particularmente nas medidas de sustentabilidade e no enquadramento urbanístico à construção de novos equipamentos, infraestruturas ou espaços verdes, ou urbanização ou reabilitação programada de aglomerados urbanos ou unidades urbanas complexas;

c) O plano de pormenor, que define com detalhe a forma de transformação e o uso de qualquer área delimitada do território municipal, bem como o regime a adotar para tal efeito e as responsabilidades repartidas dos intervenientes e/ou dos seus beneficiários.

3- (…).

4- Constituem instrumentos de natureza especial os planos especiais de ordenamento
do território, que apenas se justificam se aplicados a áreas delimitadas do território nacional, que envolvem recursos estratégicos sensíveis sob gestão direta do Estado que, em ordem à sua salvaguarda, exigem regimes de uso específicos diretamente vinculativos dos particulares.

Artigo 10.º
Relações entre os instrumentos de gestão territorial
1- (…).
2- (…).
3- (…).
4- (…).
5- (…).

6 – Em sede de avaliação ambiental, os instrumentos de natureza estratégica de enquadramento mais abrangente deverão compreender a identificação dos desenvolvimentos, se subsidiariamente necessários, dos instrumentos de gestão territorial enquadrados.

Capítulo III
Regime de uso do solo e execução dos instrumentos de planeamento territorial

Artigo 15.º
Classificação e qualificação do solo
1- (…).

2- A classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano, entendendo-se por:

a) Solo rural, aquele para o qual é reconhecida vocação para as atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como integra os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou que seja ocupado por infraestruturas, unidades industriais existentes ou novas instalações em que o tipo de atividade exige uma localização isolada ou contiguidade ao meio rural, ou edificação afeta à exploração agrícola ou silvo-pastoril, que não lhe confiram o estatuto de solo urbano;
b)Solo urbano, aquele que compreende os terrenos urbanizados e as áreas intersticiais a colmatar, em ordem à coerência do aglomerado urbano em que se inserem e do respetivo perímetro urbano.

3- (…).

4- Os instrumentos de gestão territorial podem ainda definir perímetros de expansão urbana, que não alteram classificação básica de solo rural até à efetiva urbanização, desde que:

a) Adjacentes a perímetros urbanos existentes e desde que o nível de colmatação destes não comporte o crescimento populacional previsto;

b) As determinantes de desenvolvimento económico local justifiquem a criação de áreas empresariais capazes de servir a instalação de atividades não comportáveis nos perímetros urbanos adjacentes;

c) Correspondam à alternativa mais sustentável do ponto de vista ambiental e com menor afetação de recursos naturais, demonstrada em sede de avaliação ambiental.

5- O regime de uso do solo é estabelecido em instrumentos de planeamento territorial, que definem para o efeito as adequadas classificação e qualificação.

Artigo 16.º
Execução

1- A Administração Pública tem o dever de proceder à execução coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial, recorrendo aos meios de política de solos legalmente estabelecidos.

2- Para a execução coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial, o recurso aos meios de política de solos disponíveis deve procurar a concertação dos interesses em presença, sem prejuízo de garantir a melhor economia e eficácia da satisfação do interesse público.

3- (…).

Artigo 17.º
Programas de ação territorial
1- (…).
2- (…).
3- (…).

4- Os programas de ação territorial traduzem-se em acordo celebrado entre as entidades neles interessadas que, nesses termos, permanecerão vinculadas na sua concretização.

5- Os programas de ação territorial podem articular-se com as diversas figuras dos planos municipais de ordenamento do território ou de planos especiais de ordenamento do território.

Capítulo IV
Regime dos instrumentos de gestão territorial

Artigo 20.º
Elaboração e aprovação
1- (…).
2- (…).
3- (…).

4- Os planos municipais de ordenamento do território são elaborados pelas câmaras municipais e aprovados pelas assembleias municipais, estabelecendo-se as seguintes regras específicas:

a) (…);

b) Os planos de urbanização respeitam obrigatoriamente o plano diretor municipal vigente no território em que incidem e, na ausência deste, estão sujeitos a parecer da junta regional;

c) Os planos de pormenor respeitam obrigatoriamente o plano diretor municipal e o plano de urbanização vigentes no território em que incidem, estando sujeitos a parecer da junta regional na ausência daquele;
d) (…).

5- Os planos especiais de ordenamento do território são elaborados pela administração central, sendo assegurado que:

a) (…);
b) (…);

c) Os planos especiais de ordenamento do território devem ter em conta os planos municipais existentes para a sua zona de influência e obrigam à adequação destes, nas disposições que, ainda assim se mostrem incompatíveis.

6- (…).
Artigo 23.º
Ratificação pelo Governo

1- Quando haja lugar à ratificação pelo Governo de instrumentos de gestão territorial, a mesma destina-se a verificar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como a conformidade com instrumentos de desenvolvimento territorial, de política sectorial ou de natureza especial válidos e eficazes.

2- A ratificação pelo Governo do plano diretor municipal tem como efeito a derrogação das normas dos planos regionais e planos sectoriais incompatíveis com as opções municipais.

Artigo 25.º
Alteração
1- (…).
2 – (…).
3 – (…).

4- A cessação de restrições e servidões de utilidade pública e a desafetação de imóveis do domínio público ou dos fins de utilidade pública a que se encontravam adstritos, designadamente os do domínio privado indisponível do Estado, mesmo que integrem o património de institutos ou de empresas públicas, têm como efeito a caducidade dos regimes do uso do solo especificamente para eles previstos nos planos municipais de ordenamento do território, se estes não tiverem já estabelecido o regime de uso de solo aplicável, em tal eventualidade.

5- Perante a verificação da caducidade do regime de uso do solo referida no número anterior, o município deve redefinir o uso do solo mediante a elaboração ou alteração de instrumento de gestão territorial.

Capítulo VI
Disposições finais e transitórias

Artigo 32.º
Planos municipais de ordenamento do território

Até à instituição em concreto das regiões administrativas, o Governo garantirá, nomeadamente, através dos serviços da administração central com competência delegada para o efeito as faculdades de pareceres e acompanhamento relativas à elaboração de planos municipais de ordenamento do território quando tal for imperativo ou solicitado pelos municípios.»

Assembleia da República, em 22 de novembro de 2013

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