Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República, Reunião Plenária

Se a gestão privada da TAP foi um problema, porquê a sua privatização?

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Senhor Presidente, 
Senhoras e Senhores Deputados, 

A constituição de uma Comissão de Inquérito a atos de gestão da TAP, designadamente os que levaram à atribuição de uma indemnização de 500 mil euros à ex-administradora Alexandra Reis, não pode passar ao lado de práticas que são inerentes a critérios de gestão privada presentes nos grupos económicos, aprofundados no quadro da privatização realizada a favor do consórcio Atlantic Gateway de David Neeleman e que não foram, entretanto, revertidos.

O PCP apresentou uma Proposta de Aditamento ao Projeto de Inquérito Parlamentar, para que possam ser aditados os seguintes pontos:
As consequências da privatização da TAP decidida em 2015;

As decisões tomadas pela gestão da TAP, SGPS e da TAP, SA desde novembro de 2015, em particular as que possam ter lesado o interesse público, e o papel da tutela em cada uma delas;

A decisão de impor um processo de reestruturação à companhia;

As previsíveis consequências do processo em curso para uma quarta tentativa de privatização da TAP.

Importa não esquecer uma privatização decidida pelo Governo PSD/CDS, já depois das eleições, quando o Governo se encontrava sem legitimidade para proceder a este tipo de decisões.

Importa não esquecer que o Governo PS, ao invés de reverter essa privatização, optou por legitimar esse processo, mantendo David Neeleman no controlo da gestão da TAP e com a maior fatia dos resultados que tivesse.

Foi nessa época que Alexandra Reis entrou para a TAP, como Diretora de Compras, em 2017 na gestão privada. Foi nessa época que Antonoaldo Neves entrou para a TAP em 2018, pela mão do próprio David Neeleman, para presidente executivo da companhia. E já ficámos a saber da indemnização milionária que lhe foi entregue!

O conhecimento sobre as consequências de todo esse processo de privatização e gestão privada é fundamental para se compreender a situação em que hoje a TAP se encontra, mesmo sabendo dos impactos da pandemia que atingiu fortemente o sector da aviação civil.

É que, perante esses impactos da pandemia, os acionistas privados da Gateway rapidamente fizeram perceber que não podiam nem queriam capitalizar a empresa. Foi preciso capitalizar a TAP.

Foi isto que aconteceu, Senhores Deputados: a TAP foi capitalizada – para não desaparecer! E posteriormente, foi preciso transformar a capitalização em capital social, porque os tais privados desapareceram de cena! Se a TAP tivesse continuado nas mãos do capital privado, já não existia hoje! 
Mas a forma como esse processo foi conduzido, os acordos que foram realizados com os acionistas privados, os apoios e indemnizações que foram atribuídos, já pertencem ao universo do que precisa de ser mais bem conhecido e avaliado.

Os prejuízos que a TAP – e o erário público – enfrentaram nesta terceira tentativa de privatização da TAP vão muito além das remunerações (e demais mordomias) pagos aos administradores quando a TAP esteve privatizada e quando o Estado retomou o seu controlo efetivo.

Por exemplo, parte da transformação da frota da TAP realizada nos anos de gestão privada, foi realizada ao serviço de quem? Da TAP ou da Azul? 
O crescimento da operação, da frota da TAP e do número de trabalhadores, realizada pela gestão privada, e no essencial revertida pela reestruturação, foi uma decisão danosa ou danosa foi a reestruturação e quem a impôs? 

No final de 2019, sob gestão privada, a TAP estava equilibrada ou à beira da falência, de tal forma que só uma reestruturação permitiria um apoio público à companhia? 

Se a gestão privada foi um problema, porque é que a solução é nova privatização?

Da mesma forma, é indispensável analisar o papel da União Europeia, e os prejuízos gigantescos que as suas imposições provocam à economia nacional – sendo que chegou a ser formulado o objetivo de concentrar as companhias aéreas de bandeira da Europa em três grupos, e que são essas três as únicas opções admitidas para a assimilação da TAP!

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Não haverá certamente dúvidas sobre a necessidade de analisar, esclarecer, apurar cabalmente as responsabilidades pelas práticas chocantes e obscenas nestes privilégios e remunerações milionárias.

Mas confinar esta Comissão de Inquérito a estes casos contribui para degradar a imagem e o valor da TAP, para acelerar e facilitar a privatização da TAP, quando aquilo que se impõe é defender a companhia, defender os trabalhadores, colocando efetivamente a TAP ao serviço dos País. 

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