Do conjunto das intervenções aqui produzidas sobre o estado da saúde em Portugal e as medidas necessárias para defender o Serviço Nacional de Saúde, destacaram-se dois aspectos que importa reter neste momento.
O primeiro, é que a ofensiva contra o Serviço Nacional de Saúde, para além de o fragilizar, está a pôr em causa o direito à saúde, um direito constitucional que tem no SNS o instrumento para a sua concretização.
O segundo, é que, no actual contexto político de profundas alterações do papel do Estado nas suas funções sociais, a defesa do SNS, passa obrigatoriamente por uma frente alargada de luta onde se devem incluir os profissionais de saúde e os utentes.
A ofensiva contra o SNS não é recente. Desde a sua criação, já lá vão mais de 30 anos, que ele teve contra si os vários interesses instalados na saúde, nomeadamente os grupos privados dominantes na produção e distribuição de produtos farmacêuticos e equipamentos, e os grupos financeiros privados com as respectivas seguradoras.
Apesar da pressão a que esteve sujeito o SNS, este obteve resultados muito positivos, garantindo no essencial o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde, com resultados muito significativos como os indicadores e os níveis de produção obtidos confirmam. Não foi por acaso que em 2002 foi considerado pela Organização Mundial de Saúde, o 12º melhor a nível mundial.
Mas a insistência nas opções neoliberais dos sucessivos governos do PS e PSD, com ou sem o CDS-PP, cujo objectivo foi e é debilitar o SNS para depois o privatizar, têm provocado ao longo destes últimos anos dificuldades ao seu funcionamento, pondo desta forma em causa o direito aos cuidados de saúde a milhões de portugueses. Desta forma o SNS é cada vez menos universal, menos geral e menos tendencialmente gratuito.
Os arautos da política de direita, colocam a questão do financiamento como o principal entrave à sustentabilidade do SNS. No cerne do problema por eles colocado está uma tese central a partir da qual desenvolvem uma lógica meramente económica, centrada na premissa de que ao Estado deve caber a função de regular e financiar e ao sector privado a prestação de cuidados, tese defendida por quem vê na doença uma oportunidade de negócio.
Foi desta forma que a regulação e a intervenção do Estado, ao contrário de servir para garantir o reforço das políticas sociais num quadro de mais investimento e mais crescimento, e assim garantir um mais elevado nível de vida das populações e serviços de qualidade para todos os cidadãos, serviu sobretudo, como instrumento de recomposição dos grandes grupos económicos que intervêm neste sector.
O recuo do Estado nas suas responsabilidades na saúde, o subfinanciamento crónico do SNS, o encerramento de serviços de proximidade e a desvalorização social e profissional dos profissionais de saúde, contrastam com o crescimento exponencial da intervenção dos grupos privados e com o aumento significativo das despesas do Estado realizadas na contratualização de serviços com privados. Em 2006, 41,3% das despesas em saúde no ambulatório foram realizadas no privado, mais de 2000 milhões de euros.
Nesta reunião ficou evidente que em Portugal estamos perante duas lógicas distintas de organizar o sistema de saúde em Portugal: a que defendem os arautos da direita, os seus partidos, os grandes interesses económicos e a que o PCP e muitos democratas, desde há muito defendem um serviço público que garanta a todos, independentemente das suas condições sócio económicas, o acesso em qualidade e segurança aos cuidados de saúde, ou seja a consagração do direito constitucional à saúde e não a primazia do lucro e do negócio com a doença.
Negócio que para os grandes grupos privados, proprietários já hoje de mais de 20% dos hospitais em Portugal, percentagem que vai certamente crescer muito nos próximos anos com os novos licenciamentos, a que se junta a gestão de grandes hospitais públicos, através das Parcerias Público Privado, passa pelos Cuidados Primários, fundamentais no encaminhamento dos utentes para as suas próprias unidades hospitalares.
A propósito do pedido de passagem à reforma de centenas de médicos, mais de 600, que prestam serviço no SNS, cerca de metade nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), volta a estar na ordem do dia a questão da Reforma dos Cuidados Primários e a possibilidade de privatização deste nível de cuidados na forma das Unidades de Saúde Familiares modelo C, que a constituição dos Agrupamentos de centros da Saúde não contraria. São cada vez mais as vozes de dirigentes do Ministério da Saúde que se fazem ouvir neste sentido.
No dia 9 de Fevereiro de 2009, perante aquela que era desde logo uma evidência da “Reforma” anunciada, o PCP chamou a atenção para o carácter das medidas anunciadas e os traços de voluntarismo e aventureirismo patentes no seu calendário, que podiam resultar numa situação de completa anarquia nos Cuidados de Saúde Primários, agravando-a a curto prazo, para surgir depois como uma nova justificação para a sua privatização.
Quatro anos depois perguntamos. Em que falhou a nossa previsão?
Existe ou não uma grande pressão no sentido da privatização de uma parte, para já, dos cuidados primários?
É ou não verdade que as USF, independentemente da avaliação positiva que em geral é feita ao seu funcionamento, ao fim de quatro anos apenas cobrem uma percentagem inferior a 25% da população?
E como estão os outros 75% não abrangidos pelas USF? Não se mantém um nível, em muitos casos medíocre, de acesso?
Não continuamos com uma situação em que mais de 700 mil portugueses não têm médico de família?
A fuga para a frente perante as dificuldades, nomeadamente a da falta de médicos, levou ao encerramento de serviços de proximidade e à contratação de empresas de prestação de serviços médicos.
O PCP ao mesmo tempo que manifesta a necessidade urgente de uma verdadeira Reforma dos Cuidados de Saúde Primários, considera que as mudanças a efectuar têm de realizar-se em ruptura com as políticas que têm sido seguidas, no quadro de um Serviço Nacional de Saúde público, de qualidade e para todos, no respeito pela Constituição da República.
A questão dos profissionais assumiu nos últimos dias uma nova centralidade no debate político, não apenas devido à saída precoce de muitos médicos do SNS, mas também à forma como o governo tem vindo a desvalorizar a função social e profissional dos enfermeiros, que daqui queremos saudar pela dimensão e unidade evidenciadas nas formas de luta que têm desenvolvido e as medidas que têm vindo a ser tomadas contra os outros grupos profissionais da saúde no âmbito das medidas decididas para a Administração Pública e que vão certamente levar à ruptura de muitos serviços no futuro.
Como aqui foi sustentado, os adversários do SNS sabem melhor do que ninguém, que é também pela degradação das condições de trabalho e pela desvalorização profissional e salarial dos profissionais de saúde, que se podem infligir golpes profundos no SNS. A forma como têm sido geridos os recursos humanos na saúde, para além da muita incompetência demonstrada pela generalidade das equipas ministeriais, é caracterizada por uma inequívoca intenção de facilitar a saída dos profissionais do serviço público para o sector privado.
A solução deste gravíssimo problema não passa pela criação de regimes de excepção, ou por facilitar oportunismos que mais não fazem do que adiar o que é inevitável caso não mudem as políticas, que é a incapacidade do SNS dar resposta aos objectivos para que foi criado.
Tal como é apontado nas dez medidas urgentes que o PCP aponta para a defesa do SNS e a garantia do direito à saúde a todos os portugueses, aumentar o número de profissionais de saúde e as admissões para as instituições de cuidados de saúde; valorizando as carreiras de todos os profissionais e restabelecendo o princípio de salário igual para trabalho e condições de trabalho iguais; apoiando a sua formação contínua e a investigação, melhorando as condições de trabalho e incentivando os instrumentos da sua autonomia técnica e participação democrática na gestão do SNS e das suas unidades; criando serviços de saúde e segurança no trabalho modelares; tornando atractiva a prestação de serviço no SNS, bem como o espírito de missão conforme à prestação de um serviço público de saúde, garantindo elevados níveis de qualidade dos cuidados.
Nos Cuidados de Saúde Primários, para além da exigência da contratação de milhares de enfermeiros de família de acordo com os rácios defendidos pela OMS, o PCP defende, como medida de emergência temporária a contratação de médicos no estrangeiro desde que possuidores da especialidade de Medicina Geral e Familiar e nas condições contratuais dos médicos em Portugal.
A defesa do SNS é um imperativo nacional.
Na luta que temos travado encontramos por vezes portugueses que perante as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, nos dizem que o importante é serem atendidos, seja no público, seja no privado. Este é o resultado não apenas do desespero de quem por vezes espera meses por uma consulta ou uma intervenção cirúrgica, mas também de uma campanha que se sustenta nos meios de comunicação social, em que procuram fazer passar a mensagem de que o que é privado é que é bom. É o primado do privado relativamente ao público.
Nada mais falso, como aliás algumas experiências têm confirmado.
A matriz do negócio dos privados em saúde está no lucro que podem obter nesta actividade e não em qualquer perspectiva de investimento em saúde. Os exemplos vindos da gestão privada do Amadora/Sintra e já mais recentemente do novo Hospital de Cascais com os doentes portadores do HIV, logo no dia da sua abertura, mostram que ali o importante é o lucro e não o apoio aos doentes que implicam gastos substanciais para os hospitais.
Mas também encontrámos muita gente disposta a defender o SNS. A luta travada pelas comissões de utentes, com particular incidência desde 2006, foram decisivas no sentido de travar o governo na sua intenção de ir mais longe no encerramento dos serviços de proximidade e no aumento dos custos para os utentes.
Pelo movimento de protesto, de opinião, reivindicativo e de luta, pelas possibilidades que têm, por informais, poderem envolver amplas massas, as Comissões de Utentes são no momento presente o mais seguro instrumento da luta popular em defesa do Serviço Nacional de Saúde.
O Orçamento de Estado recentemente aprovado e agora o Programa de Estabilidade e Crescimento, confirmaram e seguem a linha de rumo de ataque e diabolização da Administração Pública, dos seus serviços e dos seus trabalhadores que a direita há muito vem desenvolvendo e que conheceu com os governos do PS de José Sócrates uma nova e inadmissível dimensão.
Tem sido uma autêntica cruzada que se iniciou com a chamada reforma da Administração Pública, a retoma da ofensiva contra salários iniciada pelos governos dos partidos da direita e fragilização dos direitos, ao mesmo tempo que desencadeava sucessivas e articuladas iniciativas de fragilização dos serviços públicos.
Foi assim com o PRACE que levou ao encerramento de um vasto número de serviços, a que se seguiu o chamado plano de “racionalização dos efectivos” e o “regime de mobilidade”, o Sistema de Avaliação de Desempenho, pensado essencialmente para destruir as carreiras profissionais, mais do que para avaliação séria do trabalho e dos serviços e que teve na Lei de vínculos, carreiras e remunerações o instrumento de ataque em profundidade aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública.
Uma poderosa ofensiva, assente na dramatização do défice das contas públicas e numa indecorosa manipulação sobre as causas do atraso e das dificuldades do país.
Como se o défice, as dificuldades e o atraso do país não fossem o resultado de uma desastrosa política que, entre outros aspectos, levou à destruição do nosso aparelho produtivo, à estagnação prolongada do crescimento económico e à recessão que têm conduzido à crescente dependência do país e não qualquer excesso dos sistemas de protecção social e de serviços públicos e de direitos dos trabalhadores.
É neste quadro de ofensiva generalizada que assistimos à aprovação da proposta do governo de Orçamento de Estado para 2010 que segue as mesmas receitas do passado, nomeadamente de diminuição real dos salários e degradação das reformas da Administração Pública, retoma a ofensiva contra os serviços públicos e de regressão do investimento.
O que o governo aprovou e direita viabilizou foi mais uma vez a baixa real dos salários por via do congelamento face à inflação e pelo aumento dos descontos dos trabalhadores para a ADSE. Além disso sérias condicionantes à negociação das carreiras; o agravamento das condições de aposentação com a antecipação das penalizações que estavam legalmente previstas só para 2015. Tal como em relação às reformas sem antecipação com a imposição de uma nova fórmula de cálculo, a que acresce a aplicação do factor de sustentabilidade.
Um Orçamento que tinha previamente sido anunciado como um Orçamento de relançamento da economia e do emprego, mas rapidamente se transformou no Orçamento da ditadura do défice, do congelamento do crescimento e do desenvolvimento.
Ele era bem o indicativo do que estava em preparação com o Programa chamado de Estabilidade e Crescimento, cujo conteúdo acolhe a verdadeira agenda da acção governativa que o governo escondeu dos portugueses no seu programa eleitoral de há poucos meses.
Um programa que a direita do Bloco Central viabilizou, porque essa era a vontade dos grandes grupos económicos e da banca.
Com esta proposta de PEC, o Governo desencadeia novo e violento ataque à Administração Pública e aos seus trabalhadores e não responde ao problema do crescimento e muito menos do emprego.
Um programa onde está claro o reconhecimento que a única solução que este governo tem para o país é a do declínio nacional e do agravamento da dependência do país.
Diz o governo que é um Programa pensado para distribuir de forma equilibrada o esforço pelos portugueses, mas trata-se de completo logro, onde nem sequer são poupados os portugueses de mais baixos rendimentos.
Desde logo porque pede mais sacrifícios aos desempregados, aos que precisam de prestações sociais e aos que têm baixos salários e nada solicita a quem tem responsabilidades pela crise e com ela lucrou.
Um Programa que aumenta os impostos apenas em sede de IRS e nem uma linha se escreve sobre o IRC, sobre a taxação dos lucros, particularmente dos lucros dos grandes grupos económicos e financeiros.
No que se refere aos impostos, é o aumento para todos os escalões do IRS com o congelamento da dedução específica, em cima de novas limitação das deduções à colecta com despesas de saúde e educação.
Acenam com a “tributação das mais-valias bolsistas”, mas dizem logo que não é oportuno concretizar tal medida. Ontem Teixeira dos Santos veio lamentar a hesitação que por aí anda no combate aos offshores, mas são lamentações que não passam de palavras para iludir e enganar todos aqueles que não compreendem que os sacrifícios se dirijam sempre aos mesmos – os que vivem dos rendimentos do trabalho.
Oportunas são as medidas contra os trabalhadores; medidas que vão conduzir a novos congelamentos dos salários reais dos trabalhadores da Administração Pública e à imposição do aumento da idade da reforma dos 62,5 para os 65 anos, empurrando desta forma milhares de trabalhadores para fora do Estado e à destruição do emprego no sector público, que inevitavelmente se traduzirá em mais acentuada degradação e encarecimento dos serviços públicos, favorecendo a sua apropriação pelo capital privado.
O que significará, por exemplo, a redução das despesas com o Serviço Nacional de Saúde em 715 milhões de euros até 2013 como está previsto? Certamente não significará o melhoramento da resposta do SNS, mas sim a sua degradação afectando fundamentalmente as classes mais desfavorecidas e que dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde.
Quem ouviu o PS e José Sócrates e os seus inflamados discursos na última campanha eleitoral a favor do investimento e do emprego, e do reforço das prestações sociais, não deixará de se questionar acerca do valor das promessas e dos compromissos assumidos por aqueles que tanto clamam por responsabilidade na acção governativa e na condução da vida do país.
Um Programa que apresenta um perverso programa de privatizações atingindo sectores estratégicos e monopólios naturais onde intervém o Estado, aprofundando o desastroso caminho que tem sido seguido e que conduziu à liquidação de sectores produtivos nacionais, à dependência do país, à parda de largas fatias de soberania e à degradação das funções sociais do Estado.
Ontem também Jorge Lacão, perante o avolumar da indignação, incluindo no seio do seu próprio partido em relação às privatizações previstas, veio dizer que nos CTT e REN, o Estado não vai perder a posição dominante. São afirmações que valem o que valem e cuja intenção é conter o protesto. Quem é que acredita que o governo que tem uma posição de 51,1% na REN vá apenas vender 1% do seu capital na empresa? Trata-se da tentativa de amaciar a opinião pública em relação à sua inaceitável intenção de privatizar tudo o que possa ser vantajoso para o grande capital.
Um Programa que hipoteca o futuro do país e que o PCP veementemente rejeitou!
Rejeitou e apresentou um projecto alternativo com medidas inseridas numa via de ruptura com a política de direita e mudança na vida nacional, orientado para a defesa do emprego, o desenvolvimento da produção nacional, o combate às injustiças sociais, a afirmação da nossa soberania.
Medidas, entre outras, para inverter a espiral de desigualdades, através de uma mais justa repartição da riqueza com a valorização dos rendimentos do trabalho; de defesa da produção nacional e do investimento público; congelamento dos preços de bens e serviços essenciais e uma outra política fiscal, alargando a base tributária, combatendo a economia paralela, a fraude e a evasão fiscal, com uma taxa suplementar (+ 10% no IRC durante os próximos 3 anos) sobre lucros dos Grandes Grupos Económicos e Financeiros; imposição fiscal sobre os dividendos, mais-valias e património mobiliário.
Medidas de combate ao desemprego e o apoio aos desempregados, de alargando do emprego público e a prestação de serviços às populações, bem como a defesa de um forte e dinâmico sector empresarial do Estado em sectores estratégicos.
Um projecto de resolução alternativo onde se prevê uma forte iniciativa política do Estado Português junto da União Europeia, visando a renegociação do calendário estabelecido de diminuição da dívida pública, a diminuição das contrapartidas nacionais, a suspensão de remessas do Estado Português para o Orçamento Comunitário.
É perante a perspectiva de agravamento de todos os problemas nacionais e de todas as injustiças que nós dizemos que não há solução que não passe pela ruptura com as políticas de direita que têm conduzido país à crise.
Que é perante a agressiva ofensiva contra os trabalhadores e os interesses das populações que a perspectiva imediata é a ampliação da luta de massas.
A luta dos trabalhadores e do povo é a única saída que pode travar a ofensiva e conter todas e cada uma das medidas que o PS e a direita preparam para os próximos tempos e afirmar um projecto alternativo patriótico e de esquerda com o PCP e com todos os que assumem a condição de ruptura necessária com as políticas de direita de desastre nacional.
Só a continuação da luta é solução para impor a viragem necessária na direcção do desenvolvimento e do progresso.
Nós não desarmaremos e muito menos claudicaremos. Porque a luta é o caminho que é necessário percorrer, porque é a única solução para dar volta à situação a que o país chegou!