Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e segurança nacional e a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional

Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir a defesa e segurança nacional e a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional, nas áreas da energia, transportes e comunicações, através da instituição de um procedimento de investigação às operações relativas a tais ativos
(proposta de lei n.º 190/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
A quem tiver o azar de ler esta proposta de lei, muito provavelmente, duas coisas poderão acontecer, a saber, primeiro, a dificuldade em acreditar no que se está a ler; e, logo depois, a mais viva e profunda indignação perante um tão inacreditável e revoltante exercício de hipocrisia política.
De facto, é preciso uma completa falta de pudor para que os responsáveis por décadas de privatizações em todos os setores venham agora falar da salvaguarda de ativos estratégicos.
Privatizações em que, conforme o PCP previu e preveniu, os ativos em causa, quase todos estratégicos, passaram para fora do País com todos os riscos para a soberania e para o desenvolvimento soberano daí decorrentes.
O próprio conceito «ativo estratégico» neste diploma é revelador da visão do Governo nesta matéria: considera-se, única e exclusivamente, a energia, os transportes e as comunicações, ignorando-se tudo o resto — até a água ficou de fora. O Governo inspira-se em Maria Antonieta e dirá: «Não têm água, bebam sumo!»
Já agora, os senhores negam a privatização da água e, logo a seguir, abrem a porta à concessão. É um truque muito antigo!
Esta é mais uma peça na operação que prossegue no ataque à democracia económica, em que o setor público da economia é fator de desenvolvimento e de cumprimento dos deveres do Estado e em que, nos termos da Constituição, o poder económico deve submeter-se ao poder político democrático. Aliás, mesmo no plano da democracia formal, é também revelador que esta matéria seja tratada e decidida não às claras na Assembleia da República, mas no recato dos gabinetes do Governo com a formulação de um pedido de autorização legislativa.
O Governo dirá: «Foi até aqui que conseguimos ir na negociação com a Comissão Europeia» e nós respondemos que também este facto é revelador da Europa que nos querem impor e do modelo político e económico que a Europa significa, neste momento e com esta política.
Finalmente, em relação à questão da eficácia nesta proposta de diploma, de acordo com o texto do putativo decreto-lei em anexo, o que realmente preocupa o Governo não é o facto de o Estado português estar a ser desapossado dos ativos estratégicos fundamentais para o pleno exercício da soberania, mas, sim (e vou citar), «a realização de operações das quais resulte, direta ou indiretamente, a aquisição de controlo direto ou indireto, por pessoa ou pessoas de países terceiros à União Europeia.» É este o problema, porque só nesses casos é que o Governo se poderá opor a operações de aquisição de controlo.
Para o Governo não interessa nada que parte significativa da economia nacional esteja na mais completa dependência de grupos económicos da Alemanha e de outros países europeus e que seja conduzido pela União Europeia e pelo BCE (Banco Central Europeu) esse desmantelamento da economia nacional que está em curso.
Para o Governo, as relações com organizações criminosas ou terroristas, ou com pessoas ligadas a tais organizações, só acontecem certamente em países terceiros à União Europeia.
E se a pessoa adquirente for nada mais que um testa de ferro ou um fundo de capitais, sem rosto nem pátria, sediado num paraíso fiscal qualquer, que tome conta da empresa numa operação bolsista? Como é que os senhores demonstram o que quer que seja? Os senhores estão convencidos de que alguém acredita nestas soluções ou que elas servem para alguma coisa, que não seja a propaganda oficial da privatização?
Não, Srs. Deputados e Membros do Governo, o PSD, o CDS-PP e o PS defenderam que se avançasse com a privatização dos CTT, da TAP, da ANA — Aeroportos de Portugal, dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, dos seguros da Caixa Geral de Depósitos, só para citar os casos mais recentes. Mas a vida demonstra o que nós afirmamos: que a única forma de garantir a salvaguarda do interesse nacional em ativos estratégicos como estes é mantê-los na esfera pública e, mais, rejeitar o pacto de agressão, romper com a política de direita, demitir o Governo e marcar eleições.
O melhor contributo que o Governo pode dar para a salvaguarda dos ativos estratégicos nacionais é ir-se embora de uma vez por todas e levar consigo essa política para que, depois, não seja tomada por outros.

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