O PS assumiu a responsabilidade pela área da saúde há quase cinco anos e desde há oito meses António Guterres definiu mesmo a saúde como a prioridade das prioridades, por palavras textuais, como a sua "paixão". É legítimo perguntar pois: onde está a propalada "paixão" do Governo pela saúde, que ninguém a vê, não se sente, nem se manifesta? 2. Um grande número de problemas não resolvidos continua sem solução - listas de espera, política de recursos humanos, prioridade aos cuidados primários de saúde, política do medicamento, aproveitamento dos recursos humanos e materiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Num balanço necessariamente global, em matéria de saúde o país está pior que há oito meses. Não fazemos esta afirmação de forma ligeira, mas depois de termos procedido, em Encontro Nacional dedicado aos problemas da saúde, a uma detalhada avaliação concreta da situação nas várias regiões do país. Em relação às listas de espera estais recordados que a Assembleia da República aprovou no ano passado o projecto de lei que o PCP apresentou sobre a matéria e que, em primeira linha, impõe a mobilização dos recursos do SNS para a eliminação deste verdadeiro flagelo. E que impõe igualmente ao Ministério da Saúde, de dois em dois meses, a prestação pública de contas sobre o andamento da concretização deste objectivo. Só há poucos dias e depois de múltiplas insistências que fizemos é que foi fornecida uma primeira informação ao país. Porque há elementos dessa informação que carecem de discussão mais pormenorizada e de cabal esclarecimento, o Grupo Parlamentar do PCP irá solicitar a presença da Ministra da Saúde na Comissão parlamentar respectiva com vista a confirmar, ou não, que a execução do programa das listas de espera carece efectivamente de um longo prazo de quási quatro anos, e que o recurso a meios exteriores ao SNS a que o Governo pretende recorrer é exclusivamente determinado pelo esgotamento da capacidade existente nos serviços públicos. Em relação à política do medicamento o PCP tem apresentada no Parlamento uma vasta e fundamentada proposta legislativa que, a ser adoptada, está demonstrado que traria evidentes e imediatos benefícios para os utentes e apresentaria também vantagens para o erário público. No seu próprio programa o Governo avançou igualmente com algumas promessas. Mas de concreto nada foi feito. É oportuno sublinhar criticamente que a primeira vez que o novo presidente do Infarmed prestou declarações públicas foi para defender o chamado preço único europeu dos medicamentos (que acarretaria só por si e para inteiro benefício das multinacionais de medicamentos um acréscimo de despesa - aos utentes e ao Estado - da ordem dos 30%) e que a alteração do regime de comparticipações dos medicamentos representaria também e adicionalmente o seu encarecimento para a grande maioria dos utentes. As carências actuais e futuras de recursos humanos na área da saúde constitui, reconhecidamente, uma das questões mais graves que se colocam aos serviços públicos. Por iniciativa do PCP, a Assembleia da República aprovou uma resolução que reconhece a necessidade de aumento de formandos nas áreas da saúde e que defende a concretização de um Plano Estratégico com esse objectivo. Reconhecemos que cerca de cinco anos, que é quantos o PS leva de Governo, não teriam sido suficientes para resolver totalmente esta questão. Mas o país poderia já estar muito mais adiantado. Isto significa que se tem perdido muito tempo, e que não se têm mobilizado todos os meios que poderiam ter sido mobilizados, nem em tempo útil, para a sua resolução. Se esta situação não tiver uma rápida evolução positiva o PCP tenciona voltar a abordar este assunto na Assembleia da República e tomar aí iniciativas em correspondência com a sua gravidade e importância No Ministério da Saúde regressou-se também à nefanda política de nomeações por critérios puramente partidários, exactamente como acontecia no tempo do PSD e que o PS então - justamente - criticava. E a nosso ver são particularmente condenáveis situações de promiscuidade de interesses de alguns nomeados com interesses privados que actuam na área da saúde. O Ministério da Saúde também não forneceu ao país a informação objectiva e rigorosa sobre o défice do SNS que o PCP reclamou há poucos meses quando foi debatido na Assembleia da República o orçamento suplementar. Por essa razão continuam a ser desconhecidas - o que é muito lamentável - as causas desse défice, se ele tem a ver com práticas governamentais de sub-orçamentação ou se o problema é atribuível a má gestão. Sendo que neste último caso não pode deixar de ser apresentada a desagregação da despesa pública e a indicação das rubricas responsáveis pelo disparo da despesa e os interesses que terão sido beneficiados por ela. Neste domínio das contas há fundados receios de que a última operação de reforço financeiro do SNS, em vez de ter sido utilizada - pelos menos parcialmente - para apoiar a reorganização e a modernização do sistema público de saúde, tenha sido completamente absorvida pelos principais credores do sistema. Além disso não podemos deixar de alertar em relação a informações segundo as quais haverá restrições financeiras em unidades hospitalares que estão a fazer perigar níveis mínimos de aprovisionamento e de segurança e, noutros casos, de constituição de défices ocultos, e de reclamar a urgente intervenção do Ministério no conhecimento rigoroso e no controlo destas situações. Um outro aspecto que importa destacar na situação existente na área da saúde, e que decorre do balanço que realizámos, diz respeito à situação que se observa no Ministério de clara paralisia no que respeita à concretização de medidas legislativas aprovadas durante o mandato da anterior responsável pelo sector e que tinham em vista avançar com o processo de reforma do Serviço Nacional de Saúde. Se durante algum tempo essa paralisia ainda pôde ser atribuída a um excesso de centralismo que se observava no Ministério e a algum desconhecimento dos problemas do sector, ela surge agora e cada vez mais como preparatória do regresso das velhas políticas neoliberais, de natureza privatizadora, que foram defendidas durante a vigência dos governos do PSD. É o caso, nomeadamente, da política de redução do Estado a um papel exclusivamente financiador, deixando aos grupos privados a exploração da prestação de cuidados de saúde. A mudança de protagonistas verificada há oito meses no Ministério da Saúde surge assim, cada vez mais, não como uma simples rotação de pessoal político na área governamental, mas como um pretexto para descontinuar e interromper o rumo político (apesar de incerto e tímido) que vinha sendo anteriormente seguido na área da saúde. Daqui queremos deixar ao Governo um aviso muito claro: se em relação às novas e importantes unidades hospitalares cuja construção está prevista na região de Lisboa a decisão for a da sua entrega aos privados, com o Estado reduzido a uma generosa função financiadora; se em relação à gestão privada do hospital Amadora - Sintra, cujos resultados são motivo de legítima insatisfação pública, o Ministério da Saúde não aproveitar o final do contrato celebrado por Cavaco Silva, previsto para o final do presente ano, para lhe pôr termo, e para reconduzir plenamente essa unidade ao Serviço Nacional de Saúde; - então o Ministério da Saúde e o Governo estarão a assumir perante o país uma pesada responsabilidade. E ver-se-ão inevitavelmente confrontados com a resistência e o protesto democrático dos utentes e dos profissionais de saúde contra o que não poderá deixar de ser considerado como uma política de destruição do Serviço Nacional de Saúde. 3. O PCP tem recusado com firmeza um caminho que mantenha ou acentue a divisão dos portugueses, do ponto de vista da garantia efectiva do seu direito à saúde, em cidadãos de primeira e de segunda. Por isso defendemos um Serviço Nacional de Saúde reorganizado e modernizado, regressado à filosofia democrática e humanista que a Constituição consagra . Manifestamo-nos contra a divisão dos utentes entre os que têm capacidade económica (ou capacidade para se endividarem) para acederem à prestação de cuidados de saúde de qualidade e os restantes portugueses, a grande maioria, que não tendo essa capacidade económica, os sectores neoliberais querem condenar a terem acesso apenas a um sistema de mínimos de saúde, com cuidados de saúde e outras prestações de nível residual. Entre as questões a que o PCP presta e continuará a prestar uma acrescida atenção, sublinhamos:
- A efectiva concretização do programa de erradicação das listas de espera;
- A resolução do problema da carência de recursos humanos;
- A efectiva melhoria da oferta de cuidados de saúde primários em todo o país e a sua boa articulação com os cuidados secundários;
- As profundas alterações que sustentamos no domínio da política do medicamento;
- Um novo modelo de gestão democrática para as unidades de saúde e a adopção de um plano de separação do público e do privado;
- O reforço da consideração dos problemas da saúde na óptica do utente, numa visão cruzada com as perspectivas dos restantes intervenientes no sector.
4. No quadro do agravamento dos problemas do Serviço Nacional de Saúde e em que foi travado o processo - que havia sido iniciado na legislatura anterior - embora contraditório da sua reforma, o que está a observar-se actualmente é a recuperação de posições e de iniciativa por parte dos sectores neoliberais com o objectivo de levarem por diante uma verdadeira contra-reforma na área da saúde. Fazer frente a esta situação, defender a efectiva aplicação das medidas legislativas em vigor e que foram aprovadas durante o mandato da anterior responsável do Ministério da Saúde, dinamizar as diversas linhas de intervenção social e política em defesa do SNS e de forma a que este assegure a todos a prestação de cuidados de saúde da mais elevada qualidade, constitui por isso a grande linha de intervenção na qual os comunistas concentram os seus esforços e para a qual apelam à participação convergente por parte de socialistas e de outros democratas defensores do serviço público de saúde.