No início da terceira fase de preparação do XX Congresso do PCP, que se realiza em Almada nos primeiros dias de Dezembro, o Avante! entrevistou o Secretário-Geral do Partido, Jerónimo de Sousa, sobre muitos dos temas presentes nas Teses – Projecto de Resolução Política. O resultado foi uma longa conversa na qual se abordou o Partido, o País, a União Europeia e o mundo, a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos e o combate dos comunistas portugueses pela Democracia Avançada, o socialismo e o comunismo.
Todos os congressos são diferentes, pelo momento em que se realizam e pelas questões a que têm que responder. Em que medida é que a actual situação política se reflectirá no XX Congresso?
Na primeira fase de preparação do Congresso verificou-se na reflexão e na contribuição dos militantes do Partido uma atenção particular à nova fase da vida política nacional e é natural que também nesta fase de discussão das Teses/Projecto de Resolução Política, bem como no próprio Congresso, a questão surja novamente com relevância.
Como compatibilizar a valorização (ainda que relativa) do que foi possível alcançar através da actual solução política com a afirmação da política patriótica e de esquerda que, como se aponta nas Teses, esta solução está muito longe de representar?
Queria começar por fazer um sublinhado para um elemento que é indispensável ter presente na discussão e avaliação da situação política, que é o conteúdo da Posição Conjunta do PS e do PCP, que demonstra o importante papel do PCP na solução política resultante das eleições legislativas de 4 de Outubro e da nova correlação de forças na Assembleia da República e comprovou a possibilidade de afastar o PSD e o CDS do governo. Em segundo lugar, não se perdeu a oportunidade de repor direitos e rendimentos usurpados pelo governo PSD-CDS e, em terceiro, a Posição Conjuntaéa afirmação clara de que, perante um governo do PS, com o programa do PS, cada partido mantinha a sua independência e autonomia. O PCP não abdicou da sua proposta de uma política alternativa patriótica e de esquerda nem do seu compromisso primeiro e principal, que é com os trabalhadores e com o povo.
É preciso que se tenha presente que não há um governo de esquerda nem das esquerdas e não há nenhum acordo de incidência parlamentar. Há, sim, uma posição conjunta que define o grau de convergência e o nível de compromisso.
A dada altura afirma-se que «é fundamental evitar que a política do governo PSD-CDS regresse, seja pelas mãos destes partidos ou do PS». Existe este risco? Como pode o PCP, em coerência com os seus princípios, impedir o regresso da política de exploração e empobrecimento?
Não há factores mais determinantes para impedir o regresso à política de exploração e empobrecimento do que a luta dos trabalhadores, a convergência de democratas e patriotas e o reforço do PCP nos planos político, social e eleitoral. O Governo do PS, embora de forma limitada e insuficiente, tem assumido o compromisso de repor direitos e rendimentos, o que não deve ser desvalorizado. Estamos a falar de questões como a recuperação de salários, a reposição de feriados, as 35 horas na Administração Pública, a reversão de privatizações que estavam em curso e políticas educativas, onde se releva a garantia da gratuitidade dos manuais escolares no primeiro ano do primeiro ciclo, resultante de uma proposta do nosso Partido.
É um conjunto de questões que, gostaria de relembrar, constituíam objectivos de vastos sectores de trabalhadores portugueses e das próprias populações, atingidos nos seus rendimentos e direitos, que consideravam que era importante derrotar e afastar o governo PSD-CDS e simultaneamente dar resposta a estes anseios e a estas aspirações.
Quer isso dizer que o PS alterou a sua natureza?
Mesmo com hesitações e contradições, o PS acabou por contribuir para se abrir uma nova fase da vida política nacional, mas não alterou a natureza da sua política e das suas opções programáticas características da política de direita, expressas nas conhecidas orientações estratégicas de subordinação ao processo de integração capitalista da União Europeia e aos interesses do capital monopolista. Mas sendo tudo isto verdade, é também uma evidência que os círculos de decisão da União Europeia e do capital não gostam da solução política actual e por isso vão continuar a pressionar e a chantagear, com a conivência do PSD e do CDS. Inevitavelmente, vão acentuar-se as contradições no seio do próprio PS, com um desfecho imprevisível.
Nas últimas semanas têm sido conhecidos dados e indicadores relativos à situação económica do País e à medida que se prepara o Orçamento do Estado para 2017 têm subido de tom a chantagem e a ingerência externas. Como é que o Partido se situa neste quadro político complexo?
Consideramos decisiva a continuação da reposição de direitos e rendimentos e pensamos que uma inversão dessa política teria efeitos profundamente negativos, e reacções já não só da parte do PCP mas também de amplos sectores de trabalhadores, que continuam a ter expectativas de que o aprofundamento da linha de reposição de direitos e rendimentos se vá manter. Mas a União Europeia tem vindo a fazer pressão e a exercer chantagem sobre o Governo português, colocando a tónica no défice, no que foi logo seguida pelo FMI, que faz ameaças focadas precisamente nas questões que tratam da reposição de direitos e rendimentos.
Refere a competitividade, mas do ponto de vista patronal, visando o aumento da exploração, a desregulação das leis laborais e a redução dos salários, ao mesmo tempo que aponta à questão do aumento das pensões e reformas. No fundo, não têm grandes preocupações económicas, mas apenas a perspectiva classista visando pressionar o Governo do PS a uma linha de cedência em relação particularmente aos direitos dos trabalhadores nos planos individual e colectivo.
Mas as opções do PS são também um problema, certo?
Sim, esse é um problema de fundo, o facto de o Partido Socialista achar que é possível, com a «leitura inteligente» dos tratados, instrumentos e regras impostas pela União Europeia, encontrar soluções para os problemas do País. O que a vida mostra é precisamente o contrário. Vejamos por exemplo a questão da dívida, que o PCP entende ser fundamental renegociar. Os dados da execução orçamental publicados recentemente demonstram que não há grandes alterações em termos de receita e de despesa, mas depois há uma fatia de leão – milhares de milhões de euros – para pagar o serviço da dívida. Estas verbas seriam decisivas para aumentar, por exemplo, o investimento público orientado para o crescimento económico. Esta é uma contradição que está colocada.
E não ficamos só pela dívida...
Sim, há também as consequências do Tratado Orçamental e da política do euro, que constituem constrangimentos objectivos a que Portugal encontre respostas necessárias a esse mesmo desenvolvimento, ao crescimento económico, ao aumento do emprego, à aposta na produção nacional. O período que se segue, até à aprovação do Orçamento do Estado, certamente que trará novos episódios... Mas também aqui quero lembrar a Posição Conjunta do PS e do PCP, em que assumimos o compromisso de examinar a proposta de Orçamento do Estado, sem, é evidente, decidir do sentido de voto sem conhecer os conteúdos.
A Política Patriótica e de Esquerda «é não só necessária como possível», diz-se no capítulo 2 das Teses, e no seguinte assume-se que a sua construção é um «processo complexo e eventualmente prolongado». Quais as suas grandes dimensões e como se poderá concretizar?
A pergunta estabelece, e bem, uma ligação entre a política alternativa e a alternativa política, ou seja, entre a política alternativa e um governo capaz de a concretizar. Nas Teses analisa-se o que significaram décadas de política de direita, com o aprofundamento do retrocesso económico, social e democrático e a nova fase da vida política nacional aí está para dar mais razão ao PCP, que tem afirmado a necessidade de uma inadiável ruptura com esse rumo imposto ao País.
Estávamos a falar anteriormente de como, no actual quadro político, são claras as limitações para dar resposta decisiva aos problemas nacionais decorrentes dos constrangimentos externos e internos. A ruptura que propomos exige a determinação e a acção incessante das forças políticas que lhe queiram dar corpo, o alargamento da frente social de luta, onde a classe operária tem um papel decisivo, a participação massiva de todas as classes e camadas antimonopolistas, a partir dos seus problemas e anseios concretos, e o aprofundamento do diálogo com democratas e patriotas sem filiação partidária.
Ou seja, é um processo que vai mais para além dos partidos...
Nós não vemos a política alternativa a vencer tendo apenas em conta os partidos políticos. Do nosso ponto de vista, este processo tem que ser mais alargado. Daí que esse diálogo com democratas e patriotas, com todos aqueles que tenham designadamente na Constituição da República e no seu projecto referência e ponto de partida, nos pareça um elemento de grande valor e importância. Um diálogo com clareza de propósitos e respeito pelas diferenças, visando a superação de preconceitos e de qualquer ambição hegemónica. Vemos a construção da alternativa como um processo complexo e eventualmente prolongado, com avanços e recuos, mas também com desenvolvimento súbitos, em sentido positivo ou negativo.
Salvar a Europa implica derrotar a UE
A evolução da União Europeia é analisada com profundidade nasTeses. Numa passagem, afirma-se que os últimos quatro anos demonstraram «ainda com maior clareza a natureza de classe da UE». Queres explicar?
Neste período acentuou-se um processo que é ditado pelos interesses e necessidades do grande capital na fase imperialista. Afirmou-se um espaço e instrumentos de domínio dos grandes monopólios e transnacionais europeias, concentrou-se o poder nas grandes potências e aprofundou-se os pilares do neoliberalismo e do militarismo e, mesmo com todas as contradições, do federalismo. Os tratados, regras e mecanismos da UE sufocam e amarram países como Portugal, que esses centros de decisão consideram periféricos. O aprofundamento dos três pilares da UE desencadeou uma sucessão de crises da União Europeia, das suas políticas, das suas estruturas e das suas orientações, em si mesmo expressão da crise estrutural do capitalismo.
O que está hoje em debate é a possibilidade de reconfiguração ou até a desintegração, já não apenas da zona euro, como também da própria União Europeia. O caso do Reino Unido, e da vitória no referendo da saída da UE, é paradigmático. Ao contrário do que repete a propaganda oficial, «Mais União Europeia» não significa «mais Europa», muito pelo contrário. O aprofundamento do processo de integração capitalista surge como um dos principais factores da regressão social, com desemprego e pobreza em massa, e o regresso da guerra, do terrorismo, do racismo, da xenofobia, dos nacionalismos e do fascismo, que começa a ser um perigo real.
Sempre que se fala em crise e em UE o Partido refere a «crise na e da UE», ou seja, a crise já não está só nos países da UE mas é uma crise da própria UE. Quais as implicações desta realidade?
Se pudesse fazer uma síntese, diria que a crise na e da União Europeia demonstra que mudanças de fundo não são possíveis de operar num quadro de uma «reforma» da UE, seja lá o que isso for, perante a sua inamovível matriz política e ideológica e particularmente a sua natureza de classe. Do nosso ponto de vista, «salvar a Europa» implica precisamente derrotar a UE e os interesses que ela promove e protege.
Nos últimos anos, o euro esteve no centro do debate político, em Portugal como um pouco por toda a União Europeia. Confirmaram-se as posições do PCP?
As Teses são percorridas pela confirmação de que o euro é um projecto político da União Europeia que serve claramente os objectivos de intensificação da exploração e domínio económico decorrentes da natureza e evolução do processo de integração capitalista. A realidade comprova que o euro não foi nenhum «escudo protector» contra a crise, foi antes, em si mesmo, um factor de crise económica e financeira. Descendo à terra, isso é demonstrado pela expressão brutal de 130 milhões de pobres e de cerca de 30 milhões de desempregados.
Neste período, o euro não resolveu nenhuma das contradições que lhe estão subjacentes, antes as agravou. O exemplo da Grécia confirma que não há «reforma democrática» ou «leituras inteligentes» que alterem a natureza do euro e da União Económica e Monetária. Países como Portugal são encurralados por não terem moeda própria nem um banco central emissor e prestamista de último recurso que possa assistir ao Estado.
Nas Teses afirma-se também que hoje a questão já não é entre sair ou ficar no euro, mas a de romper com a submissão ao euro. O que mudou em relação há quatro anos?
Nestes quatro anos o que se alterou foi a consciência de muitos portugueses que, não dominando o conhecimento das regras e mecanismos que estão associados ao euro e à União Económica e Monetária, apreendem hoje melhor o posicionamento do PCP quanto à necessidade de nos libertarmos da submissão ao euro como condição para o desenvolvimento económico e a soberania nacional. Há uns anos, dizer isto seria quase uma blasfémia, mas hoje são muitos e muitos os portugueses que, não sendo do Partido, reconhecem que há um problema em que o euro não é resposta, antes pelo contrário, constitui um factor de bloqueio ao crescimento e ao desenvolvimento económicos. A mesma moeda para países tão diferentes, com graus de desenvolvimento económico tão diferenciados, com realidades totalmente opostas, inevitavelmente teria este resultado.
A crise que actualmente se vive na Alemanha não pode deixar de ser tida em conta em qualquer conversa cujo assunto seja a União Europeia. O que pode acontecer se aquela bolha rebentar?
Há especialistas que, com rigor, adiantam a possibilidade de vir a ocorrer uma nova crise com consequências ainda mais graves do que a anterior. O caso da Alemanha é um exemplo extremo dessa possibilidade real da ocorrência de um processo de implosão do próprio euro devido às consequências que ele está a ter para as economias da zona euro. Existe esse problema na Alemanha, com todo o significado que tem, mas num país como o nosso essas consequências serão ainda mais dramáticas.
O PCP contrapõe à União Europeia «novas formas de cooperação na Europa». Que formas são estas?
Nas Teses, que partem da realidade concreta e da correlação de forças actualmente existente nos países da UE, adianta-se a necessidade de construção de novas fórmulas de cooperação entre os países da Europa, sendo que os processos de integração não são neutros do ponto de vista de classe. São necessárias rupturas democráticas e progressistas no plano nacional, mas também internacional, que tenham como objectivo a edificação de um novo quadro político e institucional e uma cooperação económica de solidariedade, paz e amizade entre os povos e entre estados soberanos e iguais em direitos.
Que alterações teria que haver nos países europeus para que essas fórmulas fossem possíveis?
Implica a derrota do processo de integração capitalista, que só será possível com a conjugação de factores convergentes como o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos, a evolução da consciência política sobre a natureza de classe da União Europeia, a afirmação soberana do direito ao desenvolvimento dos estados europeus, a rejeição de imposições, a alteração da correlação de forças política e institucional nos estados-membros, ou pelo menos na maioria deles, e a articulação e cooperação das forças progressistas e de esquerda, com destaque para os comunistas, visando a ruptura com o processo de integração capitalista. Temos a ideia de que a União Europeia não é reformável e a realidade objectiva que estamos a viver dá-nos razão.
Resistir é já vencer!
Na avaliação que fazemos da situação internacional, continuamos a referir a coexistência de «perigos e potencialidades». Relativamente ao último congresso, como se desenvolveu esta relação dialéctica?
De uma forma sintética, gostaria de começar por dar uma nota que considero importante: o valor e a grande qualidade da análise feita no XIX Congresso sobre a evolução do sistema capitalista no aprofundamento da sua crise estrutural.
A crise do capitalismo é global, extensível a todo o planeta e é lá no centro imperialista que se situa o problema. Reconhecendo a crise do capitalismo, não podemos no entanto ter a ilusão de que o capitalismo ficou a lamber as suas feridas. Pelo contrário, procurou responder à sua própria crise com uma ofensiva perigosa de carácter intervencionista, belicista, imperialista e a nossa preocupação é que a escalada possa conduzir a uma generalização de conflitos militares com desenvolvimentos e desfechos que, sendo imprevisíveis, podem ser profundamente inquietantes.
Em relação à pergunta em concreto, podemos dizer que apesar das tendências em sentido variado, em que recuos coexistem com processos de avanço progressista, o que se conclui da luta dos trabalhadores e dos povos em termos globais é uma contínua e tenaz resistência que assume uma grande importância. As nossas Teses reafirmam no essencial o que temos dito: resistir é já vencer! Num contexto com tantos perigos e tantas ameaças, a luta de resistência que muitos povos travam é de valorizar.
Mas as nossas Teses afirmam também que independentemente dos factores objectivos é necessário criar as condições subjectivas, e aqui sublinho o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores e dos povos, o reforço dos partidos comunistas e revolucionários, o alargamento da frente anti-imperialista. Essas condições podem não estar reunidas em muitos países em que a relação de forças é profundamente desfavorável aos trabalhadores e às forças revolucionárias e progressistas.
A relação de forças varia de país para país...
Daí esta contradição: apesar destes perigos imensos e da sua acentuação – o caso da América Latina é paradigmático – temos simultaneamente a luta de resistência travada por milhões de seres humanos em diversos pontos do planeta. Há factores objectivos em desenvolvimento que podem conduzir à superação do capitalismo, mas as condições subjectivas ainda não estão reunidas. Há aqui um processo que tem de ser desenvolvido a partir do nacional para o internacional. As nossas Teses referem que é do terreno nacional, mobilizando os trabalhadores e o povo para a defesa dos seus interesses e direitos, que irradia depois a dimensão internacionalista da nossa própria luta; não nos fixamos apenas na nossa pátria, embora seja o terreno prioritário da nossa acção e da nossa intervenção, para também darmos cumprimento à dimensão internacionalista do nosso Partido.
E cada vitória, cada conquista é sempre mais um estímulo à luta dos povos...
Precisamente. A propósito, cabe dizer que o Partido tem vindo a reforçar o seu prestígio internacional. Muitos partidos comunistas e forças progressistas vêm ter connosco procurando perceber, conhecer a realidade do nosso País, conhecer melhor o Partido, como aliás se verifica na Festa do Avante!. As inúmeras delegações que recebemos não vêm só ver a Festa, vêm para conhecer melhor o Partido que faz aquela Festa.
Os perigos da guerra e do fascismo surgem neste capítulo com particular incidência. Existe um real perigo de ascenso do fascismo no mundo e particularmente na Europa?
Estamos a viver um tempo em que se agudiza a luta de classes, em que se intensifica a ofensiva ideológica em vários domínios, tentando ocultar a natureza do capitalismo e a alternativa de emancipação social do ideal comunista. É neste quadro que se fomenta o obscurantismo, valores antidemocráticos e reaccionários, em particular na Europa como referiste. As políticas de intensificação da exploração e de empobrecimento, o desemprego, a precariedade, a opressão, designadamente a opressão nacional, a estigmatização que hoje é feita aos imigrantes, são campo fértil para a propagação da ideologia xenófoba e racista das forças de extrema-direita e grupos de cariz fascista.
O adubo é espalhado pelos círculos mais reaccionários do imperialismo recorrendo aos poderosos meios de que dispõe, designadamente a nível ideológico, no plano da comunicação social. A questão é esta: o fascismo não nasce por geração espontânea; há sectores do capital que o alimentam. Sem querer generalizar, a verdade é que é o próprio capital que está interessado no surgimento destas forças obscurantistas.
A evolução da situação internacional, diz-se nas Teses, confirma algumas das principais teses do marxismo-leninismo. Queres explicitar?
As leis que regem o capitalismo na sua fase imperialista põem em evidência, nomeadamente, a lei da baixa tendencial da taxa de lucro; a financeirização da economia; a lei da pauperização relativa ou até mesmo absoluta; o aumento do exército de reserva de mão-de-obra; a lei do desenvolvimento desigual; a agudização das contradições imperialistas e a acentuação do carácter parasitário, decadente, do capitalismo. Daí esta afirmação de confirmação das teses do marxismo-leninismo num quadro em que o capitalismo revela as suas contradições e a própria evolução da crise.
As nossas Teses relevam a contradição entre o trabalho e o capital, a contradição entre o carácter social da produção e a sua apropriação privada, a contradição entre os avanços fascinantes da Ciência e da Técnica que poderiam resolver grandes problemas da humanidade e que são apropriados pelo capital. Estes são apenas alguns exemplos das contradições que convergem para o estreitamento da base social de apoio ao capitalismo.
Reforçar a organização é tarefa permanente
A necessidade de reforçar o Partido, que perpassa todo o documento, e em particular o capítulo IV, é uma preocupação permanente. Que balanço será apresentado ao Congresso pelo Comité Central?
Num quadro em que há a necessidade permanente de fazer e refazer a organização, é preciso ter sempre em conta a realidade concreta em que trabalhamos e lutamos. O Partido tem um rico património de experiências de organização, pelo que não é preciso descobrir a pólvora mas sim concretizar as medidas e orientações que estão definidas. A organização tem a ver com o Partido que temos e com o Partido que somos: um partido marxista-leninista cuja organização está fundamentalmente direccionada para os principais destinatários da nossa acção, da nossa luta e do nosso projecto.
Pode dizer-se que muitas das medidas apontadas nas Teses já vêm de anteriores congressos. É verdade, mas a verdade é que também não deixou de ter validade a acção prioritária do reforço da organização do Partido nas empresas e nos locais de trabalho. É um facto que encontramos dificuldades, pois a realidade social é totalmente diferente da que existia há alguns anos. Falamos muito em precariedade, em centenas de milhares de trabalhadores com vínculos precários, com limitação de direitos individuais e colectivos, desde o direito de sindicalização ao direito à greve, etc., etc... Que fazer? Desistir desses trabalhadores? Não!
Estamos a fazer um esforço para direccionar o nosso trabalho de organização para junto desses trabalhadores e a experiência que temos deixa-nos por vezes surpreendidos pelo grau de aceitação e percepção que revelam do papel do Partido na defesa dos seus interesses e direitos.
O recrutamento e os quadros são outras prioridades apontadas...
No anterior congresso lançámos uma campanha de recrutamento e as Teses agora em discussão propõem uma nova campanha. Isto não é novidade, mas é crucial para o nosso Partido. A questão da política de quadros é uma questão fundamental, pois deles depende muita da acção do nosso Partido. Faz parte da nossa vida ter em conta a actualidade e a validade desta orientação de trazer, de formar e responsabilizar mais quadros do Partido para o trabalho de organização, é uma linha estratégica. Nós precisamos de mais quadros intermédios, de quadros que agarrem tarefas, que assumam responsabilidades para dinamizar o trabalho de organização.
Outra ideia que importa ter presente: o reforço do Partido faz-se lá onde se dá o conflito de classes, onde se trava a luta e se destacam os lutadores, se libertam energias e evolui a própria consciência de classe. É certamente um trabalho de grande exigência, sempre inacabado, mas profundamente realizador e naturalmente sempre aquém do que gostaríamos de alcançar. Há partidos comunistas que perante as dificuldades do trabalho de organização nas empresas e locais de trabalho desistiram. Encontraram uma solução mais fácil, abandonando esta frente e fixando a organização nos locais de residência. Nós também aprendemos com os outros, e a verdade é que essa opção foi profundamente negativa para muitos partidos comunistas.
Creio que é importante perceber que esta questão da organização não é uma tarefa momentânea. O reforço da organização do Partido é uma tarefa permanente. Persistir, persistir sempre na acção, na intervenção, na organização do Partido junto dos destinatários principais da nossa acção e da nossa luta é um elemento decisivo. Onde agarramos a tarefa com força, conseguimos resultados; onde tivermos dificuldades em encontrar quadros capazes de ir para esse combate, as dificuldades subsistem.
As Teses dizem, e isso tem sido alvo de alguma especulação, que embora se tenha avançado no recrutamento houve uma redução do número de efectivos. Como se explica isto?
Em primeiro lugar, creio que é importante lembrar que desencadeámos, a partir de 2003, uma campanha de contactos visando a actualização de dados. Tratou-se de uma acção de grande importância porque clarificou com realismo o número de militantes do Partido, que estavam considerados em número mas que por razões muito diversas – morte, emigração, afastamento... – não estavam ligados à sua organização. Esse processo continua, pois persistem dezenas de milhares de militantes do Partido que ainda não foram contactados. Temos a convicção de que muitos estão em condições de reintegrar as fileiras do Partido, mas não podemos contabilizá-los até ao esclarecimento da sua situação.
Embora conscientes das dificuldades que temos, o facto de termos conseguido nestes quatro anos mais de cinco mil novos militantes, com a particularidade de cerca de 70 por cento terem menos de 50 anos, é um resultado que nos dá confiança, mostrando a real possibilidade que existe de o Partido conseguir novos membros e de os integrar no trabalho partidário.
De qualquer modo, no processo de actualização de dados temos de ter em conta a campanha de contactos, que continua. O objectivo é o apuramento de todas as situações, para com verdade podermos dizer quantos militantes somos, quantos militantes temos.
As medidas prioritárias para o reforço são, no essencial, as mesmas desde há muitos anos. Quer isto dizer que não se avançou tanto quanto seria desejável e possível, ou há outra explicação?
Nós temos a convicção de que existem reais possibilidades de reforço da organização do Partido, de recrutamento, de surgimento e formação de novos quadros. Se formos capazes de intensificar os nossos esforços, destacando quadros para este trabalho, estamos em condições de no XX Congresso mostrar insatisfação, naturalmente, mas também os avanços registados. Isto não é um slogan, é uma afirmação consciente de que o Partido, por razões da vida, da situação política, da sua acção e intervenção, das suas propostas, do seu prestígio, está em condições de alargar o número de militantes, a sua influência política e social, e até mesmo eleitoral. Seja a discutir o que for – eleições, luta – a organização do Partido tem de estar presente. O que aqui está em causa é a necessidade de encontrar respostas para o presente e de garantir o futuro do Partido. Esta é a grande questão que está colocada.
A realização do Congresso, em si, pode ser um contributo para o reforço do Partido?
O Congresso não é só o que se passa nos três dias em que se realiza. Todo o processo de preparação e de reflexão que existiu na primeira fase recebeu muitas contribuições, algumas aparentemente modestas mas de grande valor. A forma como discutimos as Teses é também uma marca da diferença do nosso Partido. Não temos a tese ou a moção do chefe que os militantes subscrevem, não sujeitas a alterações dos congressistas ou militantes; o que temos é um trabalho de envolvimento do colectivo partidário, com a sua contribuição para aprofundar, melhorar as Teses – Projecto de Resolução Política.
Há quem se surpreenda com o resultado das votações que existem nos nossos congressos; sucede é que isso não é resultado de um acontecimento momentâneo, antes resulta de um processo de envolvimento, de discussão e participação dos militantes que culmina no próprio congresso. Por isso a resposta à pergunta é que as diferentes fases de preparação do congresso são um elemento para reforçar o Partido, reforçar a sua unidade e a sua coesão.
É um momento aglutinador...
Exacto. O sentimento que se tem é que as preocupações, as dúvidas, esta ou aquela opinião diferente têm sempre subjacentes a preocupação saudável de como contribuir para ter um Partido mais forte. Este é o sentimento geral que existe nas intervenções dos militantes.
Estando a falar nisto, não podemos deixar de colocar a questão, que tanto tem animado certa comunicação social, relativamente à criação do cargo de secretário-geral adjunto. O que tens a dizer sobre isso?
Eu ainda tenho a capacidade de me surpreender com a imaginação fértil da comunicação social. Um jornal dito de referência «manda o barro à parede»; um segundo jornal pega; um terceiro vai mais longe; e um quarto dá por adquirida essa ideia... O que tenho a dizer ao Avante! é que tal «notícia» não tem nenhum fundamento.
Este grande furo afinal saiu furado...
É verdade. Nunca tal esteve em cima da mesa.
É no entanto legítimo admitir que o aparecimento dessa falsa questão não seja inocente. Quando o Partido diz que «os trabalhadores, o povo e o País» precisam de um PCP mais forte, isso leva-nos para uma questão de fundo: em que medida o reforço do Partido influi na situação do País?
O capital não tem dúvidas nesta matéria: o partido que mais teme é o PCP, pela sua natureza, pelo seu projecto, pelos seus objectivos. Um partido que tem na sua própria natureza e identidade uma dimensão de classe; que tem uma profunda ligação às massas; que tem uma forma diferente de estar na política, com os seus militantes e os seus eleitos; que está sempre na primeira linha da luta por reivindicações e anseios justos; que não vive da comunicação social, pois embora não abdique de aí participar confia mais nas próprias forças. Respondendo à pergunta, somos um partido organizado, um partido de luta. O capital não tem medo da luta, tem medo é da luta organizada. Por isso não temos outra alternativa a não ser reforçar o Partido, a sua organização e a sua intervenção.
Actualidade do Programa do PCP
Voltando à preparação do XX Congresso: O Comité Central decidiu não colocar à discussão o Programa do Partido. Porquê?
A decisão foi tomada, fundamentalmente, tendo em conta a avaliação que o CC fez das alterações que se verificaram no XIX Congresso, e da conclusão de que o Programa continua a ter uma grande actualidade, assim como os Estatutos, não havendo por isso nenhuma razão de fundo que justificasse alterá-los. A defesa que fazemos de uma política patriótica e de esquerda integra-se bem no Programa de Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no Futuro de Portugal. Temos um Programa que procura enquadrar a actual etapa histórica que estamos a viver, mas mantém o objectivo supremo de uma sociedade nova, do socialismo e do comunismo. Se relermos o nosso Programa, e é importante relê-lo, encontramos a justificação para a decisão de não o alterar.
Como decorreu a primeira fase de preparação do Congresso? Que balanço fazes da participação dos militantes nessa fase? Que importância tem esta discussão na formação ideológica dos militantes e na unidade do Partido?
Não há balanço numérico, mas há balanço qualitativo. A questão da nova situação política e a actual fase da política nacional, como já referi, concentrou muitas atenções e opiniões, havendo no essencial acordo e compreensão, a par da preocupação. A questão do Partido, nas suas diversas dimensões, esteve também muito presente nas discussões: organização, fundos, independência financeira, preocupações relativamente à divulgação e venda do Avante!. E também as grandes questões internacionais centraram as atenções, naturalmente, como a actual crise do capitalismo, bem como preocupações relativamente aos países que se afirmam na via da construção do socialismo, mas manifestando simultaneamente a compreensão do papel que alguns tiveram, com todas as diferenças e opinião crítica que temos em relação ao seu funcionamento e às suas concepções, para impedir a ordem única do imperialismo, a sua hegemonia, em importantes pontos do planeta. Estes foram os temas essenciais em debate.
Na discussão é importante não só haver concordância mas também contribuição. As preocupações transmitidas pelos militantes são muito importantes para a reflexão colectiva.
Publicado no Jornal Avante!