Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

Romper com a política a que nos querem amarrar durante décadas

Debate sobre as prioridades da Presidência italiana do Conselho da União Europeia, debate referente ao relatório anual do Governo sobre a participação de Portugal na União Europeia relativo ao ano de 2013 e debate preparatório do próximo Conselho Europeu, a realizar nos dias 23 e 24 de outubro, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia
Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Quer na sua intervenção inicial, quer nas respostas às questões que lhe foram colocadas na primeira parte, o Sr. Secretário de Estado gastou todo o tempo e não fez uma única referência a qualquer iniciativa da União Europeia e do Governo português que desse resposta aos problemas gravíssimos que os portugueses e muitos povos europeus vivem, fruto das opções políticas da União Europeia. Não há uma única referência a essas medidas para colmatar esses problemas.
Sr. Secretário de Estado, na sua intervenção inicial, relativa à próxima reunião do Conselho Europeu, falou das questões da energia. Mas, tal como na sua intervenção, a agenda também não faz qualquer referência às questões económicas. Bem percebemos por que é que a agenda não aborda as questões económicas: é que a crise veio para ficar e quem a provocou é também quem está a governar as instâncias da União Europeia e os governos dos países que a seguem.
Sr. Secretário de Estado, num quadro de aprofundamento da degradação das condições económicas da vida de muitos milhões de cidadãos europeus e num quadro de instabilidade económica, reconhecido, aliás, pelo FMI, era importante que estas questões fossem debatidas.
Sr. Secretário de Estado, a questão que lhe colocamos é a de saber qual é a diligência que o Governo português vai fazer no sentido de essas questões serem abordadas, qual é a perspetiva que o Governo tem sobre esta ausência de questões tão importantes e relevantes para a vida dos portugueses.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus,
Deixo-lhe uma nota prévia: não é aos Deputados do Partido Comunista Português que o Sr. Secretário de Estado e o Governo têm de pedir responsabilidades. O Governo tem de explicar aos portugueses, relativamente às questões da renegociação da dívida, qual foi a sua posição e o voto que teve na ONU aquando da aprovação de uma resolução sobre a renegociação da dívida. Não é ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português que têm de pedir responsabilidades!
O Partido Comunista Português, desde 2011, tem colocado essa questão na agenda e tem exigido tal porque só assim é que conseguiremos sair deste clima de garrote e de aperto com o qual têm obrigado os portugueses a viver.
Voltando ao debate, há três questões que hoje estão em análise: o programa de prioridades da Presidência italiana da União Europeia, a participação portuguesa na União Europeia em 2013 e agenda da próxima reunião do Conselho Europeu, que ocorrerá já nos dias 23 e 24 de outubro.
Debrucemo-nos, então, em cada um dos temas em discussão.
O programa de prioridades apresentado pela Presidência italiana da União Europeia é abundante em referências ao crescimento económico, à promoção do emprego e às questões sociais. Contudo, isso não passa de retórica vazia de conteúdo, já que o tratado orçamental e os demais instrumentos de submissão à política neoliberal inviabilizam qualquer possibilidade de crescimento económico, de criação de emprego e de melhoria das condições de vida dos povos, em particular nos países de economias mais débeis, como é o caso de Portugal.
Esta retórica não consegue, todavia, esconder a natureza e as consequências da política neoliberal imposta pela direita na construção da União Europeia, bem como a sua responsabilidade pela imposição de medidas draconianas de exploração e empobrecimento aos Estados-membros e particularmente a Portugal.
Não podemos deixar de destacar o facto de a Presidência italiana da União Europeia se comprometer com a conclusão das negociações do tratado transatlântico entre a União Europeia e os Estados Unidos da América, o qual tem como objetivo, embora não assumido, proteger e aumentar os lucros dos monopólios e das transnacionais, ao mesmo tempo que desvaloriza a força de trabalho e comprime as funções sociais do Estado.
No decurso deste debate, ficaram claras as opções do PS, do PSD e do CDS quanto ao caminho da Presidência italiana, que estão obviamente em linha com o rumo neoliberal e de abdicação dos interesses nacionais que estes partidos sempre favoreceram no processo de construção da União Europeia.
Sobre o programa da participação portuguesa durante o ano de 2013, a realidade de todos os dias desmente, de forma categórica, a brutal ideia de que os partidos que suportam o Governo e o Executivo não se cansam de afirmar, a de que o País está melhor.
Ao longo de 2013 e como, aliás, desde o início da governação, o Executivo teve sempre uma postura de total submissão aos ditames do diretório europeu e das grandes potências europeias, particularmente da Alemanha, e de abdicação dos interesses nacionais.
O Governo, em matéria económica e financeira, acompanhou, aplicou e prosseguiu as políticas e as medidas decididas pelo diretório europeu, pela troica internacional — BCE, UE e FMI —, assim como continuou as medidas do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Por força da aplicação do pacto de agressão assinado pelo PS, PSD e CDS, Portugal é hoje um País mais desigual, mais injusto, mais dependente e menos soberano.
Por força da aplicação do pacto de agressão, o País encontra-se numa situação de catástrofe social por via do exponencial aumento do desemprego e do número de portugueses que vivem na pobreza.
Temos hoje, em Portugal, fruto da aplicação do pacto de agressão, mais de dois milhões de portugueses a viverem na pobreza. Temos hoje, em Portugal, mais de metade dos desempregados a não quererem receber qualquer prestação de apoio social. Temos hoje, em Portugal, 300 portugueses que, por dia, abandonam o País por aqui não encontrarem futuro.
Esta é uma realidade que tende a perpetuar-se por via da aplicação do tratado orçamental e dos outros instrumentos de submissão à política neoliberal, como bem o demonstra o Orçamento do Estado, que foi apresentado nesta semana.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português face às instâncias europeias também se fez notar na área das relações internacionais. O Governo prosseguiu e intensificou as relações, no quadro da União Europeia, com os Estados Unidos da América, nomeadamente na celebração de acordos de livre comércio e, particularmente, do Acordo de Parceria Transatlântica.
Os acordos de livre comércio servem os interesses do capital, mas terão consequências gravosas para os trabalhadores e para a soberania nacional, constituindo-se como mais um instrumento de agressão aos povos.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português às orientações e à política da União Europeia também esteve patente na área das pescas e da Política Agrícola Comum. O Governo português primou pela total ausência na defesa dos interesses dos agricultores e dos pescadores portugueses.
A postura de submissão e de abdicação dos interesses nacionais do Governo português face às instâncias europeias também se fez notar quando decidiu, a pretexto de uma pretensa violação dos auxílios de Estado, encerrar e desmantelar a única empresa portuguesa de construção naval — os Estaleiros Navais de Viana do Castelo —, despedindo a totalidade dos seus trabalhadores e entregando os terrenos e os equipamentos a um grande grupo económico.
Nunca, ao longo destes anos que leva de governação, o Executivo levantou a voz na União Europeia em defesa de Portugal, dos interesses de Portugal e do povo português.
No que respeita à reunião do Conselho Europeu, os portugueses só podem esperar a continuação da política de empobrecimento e de exploração e, da parte do Governo português, a completa e total submissão aos ditames do diretório europeu e de abdicação dos interesses nacionais.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
O que os portugueses e os povos europeus precisam é de uma rutura e de uma mudança de política no País e na Europa!
Uma rutura que tem obrigatoriamente que passar pela rejeição do caminho de abdicação e submissão nacional que os sucessivos Governos e, particularmente, o atual têm assumido na relação com as instâncias europeias, de retrocesso económico e social, de liquidação de conquistas e direitos políticos, da soberania nacional e de eternização das políticas de empobrecimento na linha do pacto da troica e pela adoção de políticas que permitam a recuperação da soberania nacional e a necessidade de libertar o País do garrote da dívida, do espartilho da soberania que a União Económica e Monetária representa e do tratado orçamental.
Os portugueses sabem que a rutura e a mudança são possíveis e estão ao seu alcance, mas para isso não basta mudar de protagonistas para que tudo fique na mesma; é preciso uma mudança que rompa com a política a que nos querem amarrar durante décadas e também pela necessidade de romper com este rumo de afundamento.

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