Projecto de Lei N.º 348/XII-2ª

Revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano

Revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano

Prosseguindo o seu ataque aos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, o Governo procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

Atendendo ao seu conteúdo e objetivos, a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro, é uma verdadeira Lei dos Despejos, da qual resulta a negação do direito à habitação, o despejo sumário de milhares e milhares de famílias das suas habitações, o despejo de centenas de coletividades e o encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais, especialmente aqueles localizados nos bairros antigos das cidades e vilas portuguesas.

A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, é um indisfarçável instrumento concebido pelo Governo e pela maioria parlamentar que o suporta para servir os interesses dos senhorios e a atividade especulativa do capital financeiro no mercado imobiliário, constituindo um fator adicional de instabilidade social, que se traduzirá no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias e no aumento significativo de casos de exclusão extrema. Para o Governo, a preocupação não é a concretização do direito à habitação e a elevação do nível de vida dos portugueses, mas sim servir os grandes interesses ligados aos mercados imobiliários.

No novo regime jurídico de arrendamento urbano, imposto pelo Governo PSD/CDS, os mecanismos de atualização faseada e controlada do valor das rendas foi substituído por uma pseudo negociação entre inquilino e senhorio, que atribui a este último um poder desmesurado para aumentar livremente o valor das rendas, assim como para expulsar o inquilino da sua habitação de forma rápida e expedita – através de um novo procedimento especial de despejo –, caso este não consiga fazer face ao novo valor da renda.

A aplicação deste novo regime jurídico do arrendamento urbano conduz a aumentos significativos dos valores das rendas, especialmente daquelas respeitantes aos contratos de arrendamento anteriores a 1990. Efetivamente, logo após a entrada em vigor deste novo regime jurídico, no passado dia 12 de novembro, apesar da inexistência de alguns instrumentos de regulamentação, muitos senhorios apressaram-se a comunicar aos inquilinos a sua intenção de proceder a aumentos substanciais das rendas, em alguns casos para valores verdadeiramente incomportáveis.

A propaganda governamental tem-se esforçado por fazer passar a ideia que os inquilinos mais idosos, com deficiência ou economicamente carenciados estão protegidos no atual regime jurídico de arrendamento urbano, quer no que diz respeito à possibilidade de despejo, quer quanto ao aumento substancial de rendas. Na realidade, num quadro de agravamento das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, de redução dos salários e pensões, de aumento brutal da carga fiscal e de diminuição de apoios sociais, o aumento das rendas, embora limitado superiormente a uma percentagem do rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar, será mesmo assim incomportável para muitos inquilinos idosos, deficientes ou economicamente carenciados. É pois previsível que se venham a verificar situações de atraso no pagamento das rendas ou mesmo de incapacidade de pagamento, circunstância que permitirá aos senhorios proceder de imediato ao despejo dos seus inquilinos. Acresce ainda que a limitação dos valores máximos das rendas para os inquilinos idosos, deficientes ou carenciados apenas vigorará durante um período de cinco anos, após os quais se concluirá o processo de transição para o regime de renda livre. Assim, na melhor das hipóteses, o despejo dos inquilinos mais fragilizados será adiado por cinco anos.

O Governo incluiu na Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, uma vaga referência a uma possível resposta social para os inquilinos mais idosos ou economicamente carenciados, a concretizar através de um subsídio de renda, da disponibilização de habitação social ou do mercado social de arrendamento, que seriam definidos em diploma próprio. Desde o primeiro momento, o PCP denunciou a ausência de qualquer preocupação social do Governo no processo de revisão do regime jurídico do arrendamento urbano. A vaga referência a uma eventual resposta social constituiu apenas uma tentativa de contrariar a profunda contestação à sua proposta de lei de arrendamento urbano, proveniente de vários setores da sociedade, nomeadamente no que diz respeito às duras consequências sociais. A justeza da posição do PCP foi confirmada com a publicação do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de dezembro, onde, mais uma vez, o Governo adia a resposta social para as calendas gregas.

Após a entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de outubro, no passado dia 12 de novembro, e na sequência das comunicações dos senhorios referentes à atualização das rendas, os arrendatários, cujo rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, tentaram obter junto dos serviços de finanças competentes o documento comprovativo do RABC, indispensável para poderem impedir que os seus contratos ficassem imediatamente sujeitos ao novo regime de renda livre e para garantir que as novas rendas não ultrapassarão 1/15 do valor do locado ou uma percentagem do RABC. Contudo, os serviços de finanças não puderam emitir estas declarações visto que o Governo ainda não havia definido o RABC em diploma próprio, nem havia estabelecido o regime transitório para a determinação do RABC durante o ano de 2012. Tal circunstância causou natural consternação dos arrendatários, os quais, dispondo apenas de 30 dias para responder à comunicação do senhorio, recearam não poder invocar os seus baixos rendimentos para limitar os valores máximos das rendas exigidas pelos senhorios. Acresce ainda que os sucessivos “esclarecimentos” da Ministra Assunção Cristas, prestados através da comunicação social, apenas aumentaram a confusão, contribuindo para aprofundar o sentimento de insegurança dos arrendatários.

É verdadeiramente inadmissível que o Governo não tenha, no tempo próprio, definido o RABC e estabelecido o regime transitório para a determinação do RABC durante o ano de 2012. Na audição da Comissão Parlamentar do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local, no passado mês de dezembro, a Ministra Assunção Cristas afirmou não ter sido possível definir o RABC e estabelecer o regime transitório mais cedo. Tal afirmação não passa de uma inadmissível desculpa de quem negligenciou as suas responsabilidades, mostrando uma chocante insensibilidade para com a situação de muitos milhares de inquilinos economicamente carenciados. Efetivamente, o RABC e o regime transitório podiam ter sido definidos na própria Lei n.º 31/2012, ou em diploma próprio logo após a publicação desta lei em Diário da República no dia 14 de agosto. Contudo, o que se veio a verificar, por inqualificável incúria do Governo, foi que o Decreto-Lei n.º 266-C/2012, que determina o RABC, estabelece o regime de atribuição de subsídio de renda e regula os elementos do contrato de arrendamento urbano e os requisitos a que obedece a sua celebração, apenas foi aprovado em Conselho de Ministros no dia 8 de novembro e publicado em Diário da República no dia 31 de dezembro de 2012, já depois da entrada em vigor da nova lei do arrendamento urbano.

Além do arrendamento para fins habitacionais, também o pequeno comércio tradicional, que hoje dá vida aos bairros antigos das nossas cidades e vilas, é profundamente afetado pela aplicação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. Ignorando as especificidades do setor do pequeno comércio e serviços, o regime jurídico de arrendamento imposto pelo Governo agrava as condições em que se desenvolve o exercício da sua atividade, penalizando gravemente os arrendatários comerciais. De acordo com as associações representativas do setor, a aplicação do novo regime jurídico levará ao encerramento, nos centros urbanos, de cerca de 80% das empresas de comércio tradicional, e lançará no desemprego mais de 150.000 trabalhadores.

Também aqui, a propaganda do Governo pretende fazer crer que os pequenos estabelecimentos comerciais e de serviços estão protegidos. Na realidade, apesar da existência de um período transitório de cinco anos para as denominadas microentidades – em que os valores das rendas não podem ultrapassar um determinado montante indexado ao valor patrimonial tributário do locado –, da aplicação da lei resulta um aumento de renda incomportável para muitos estabelecimentos. Mesmo que consigam sobreviver ao período transitório, muitos destes pequenos estabelecimentos comerciais terão que encerrar as suas portas, quando, ao fim de cinco anos, ficarem sujeitos ao regime de renda livre.

As opções do Governo PSD/CDS relativamente ao arrendamento urbano merecem, da parte do PCP, a mais veemente rejeição. Confiar a questão do arrendamento urbano a mercados totalmente liberalizados, como o Governo pretende, só agravará ainda mais os problemas neste setor. Para o PCP é necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades na condução das políticas de arrendamento urbano e reabilitação urbana, de modo que, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa, todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto e âmbito

1 – A presente lei revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, altera o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, repristinando as normas por esta revogadas.
2 – São, consequentemente, revogados o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, que procede à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo, bem como o Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de agosto, que procede à adaptação à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, dos Decretos-Lei n.º 158/2006 e n.º 160/2006, ambos de 8 de agosto.

Artigo 2º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 27 de fevereiro de 2013

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