Projecto de Lei N.º 620/XII/3.ª

Revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano,...

Revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano,...

...e suspende a atualização de renda dos diversos tipos de arrendamento, prevista na Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua versão originária, bem como a correção extraordinária das rendas previstas na Lei n.º 46/85, de 20 de setembro

Prosseguindo o seu ataque aos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, o Governo procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

Atendendo ao seu conteúdo e objetivos, a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro, é uma verdadeira Lei dos Despejos, da qual resulta a negação do direito à habitação, o despejo sumário de milhares e milhares de famílias das suas habitações, o despejo de centenas de coletividades e o encerramento de inúmeras micro, pequenas e médias empresas, estabelecimentos dos mais diversos sectores, do comércio e serviços à restauração, da indústria à hotelaria.

A Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, é um indisfarçável instrumento concebido pelo Governo e pela maioria parlamentar que o suporta para servir os interesses dos senhorios e a atividade especulativa do capital financeiro no mercado imobiliário, constituindo um fator adicional de instabilidade social, que se traduzirá no avolumar das carências e dificuldades de centenas de milhares de famílias e no aumento significativo de casos de exclusão extrema. Para o Governo, a preocupação não é a concretização do direito à habitação e a elevação do nível de vida dos portugueses, mas sim servir os grandes interesses ligados aos mercados imobiliários.

No novo regime jurídico de arrendamento urbano, imposto pelo Governo PSD/CDS, os mecanismos de atualização faseada e controlada do valor das rendas foi substituído por uma pseudo negociação entre inquilino e senhorio, que atribui a este último um poder desmesurado para aumentar livremente o valor das rendas, assim como para expulsar o inquilino da sua habitação de forma rápida e expedita – através de um novo procedimento especial de despejo –, caso este não consiga fazer face ao novo valor da renda.

A aplicação deste novo regime jurídico do arrendamento urbano conduz a aumentos significativos dos valores das rendas, especialmente daquelas respeitantes aos contratos de arrendamento anteriores a 1990. Efetivamente, logo após a entrada em vigor deste novo regime jurídico, apesar da inexistência de alguns instrumentos de regulamentação, muitos senhorios apressaram-se a comunicar aos inquilinos a sua intenção de proceder a aumentos substanciais das rendas, em alguns casos para valores verdadeiramente incomportáveis.

A propaganda governamental tem-se esforçado por fazer passar a ideia que os inquilinos mais idosos, com deficiência ou economicamente carenciados estão protegidos no atual regime jurídico de arrendamento urbano, quer no que diz respeito à possibilidade de despejo, quer quanto ao aumento substancial de rendas. Na realidade, num quadro de agravamento das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses, de redução dos salários e pensões, de aumento brutal da carga fiscal e de diminuição de apoios sociais, o aumento das rendas, embora limitado superiormente a uma percentagem do rendimento anual bruto corrigido do agregado familiar, será mesmo assim incomportável para muitos inquilinos idosos, deficientes ou economicamente carenciados.

Além do arrendamento para fins habitacionais, também as atividades económicas, que hoje dão vida às nossas cidades e vilas, são profundamente afetados pela aplicação da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que veio tratar de forma igual o que é manifestamente diferente: arrendamento habitacional e arrendamento para a atividade económica (vulgo comercial). Ignorando as especificidades em causa, o regime jurídico de arrendamento imposto pelo Governo veio penalizar e ameaçar estas empresas, agravando profundamente as condições em que se desenvolve o exercício da sua atividade.

Também aqui, a propaganda do Governo pretendia fazer crer que os pequenos estabelecimentos estão protegidos. Na realidade, apesar da existência de um período transitório de cinco anos para as denominadas microentidades – em que os valores das rendas não podem ultrapassar um determinado montante indexado ao valor patrimonial tributário do locado –, da aplicação da lei resulta um aumento de renda incomportável para muitos estabelecimentos. Mesmo que consigam sobreviver ao período transitório, muitos destes pequenos estabelecimentos comerciais terão que encerrar as suas portas, quando, ao fim de cinco anos, ficarem sujeitos ao regime de renda livre.

Entretanto, coloca-se o aumento brutal do valor das rendas que se tornarão cada vez mais incomportáveis, o que na atual conjuntura vai afetar ainda mais negativamente a sustentabilidade de milhares de MPME, sendo que a muitas empresas só lhe restará o caminho da insolvência. Importa referir que, sendo o limite de aumento das micro empresas de 1/15 (valor que é determinado após avaliação patrimonial a efetuar nos termos do CIMI), nestes casos os valores dos aumentos são difíceis de ser quantificados à partida – sendo que no caso das pequenas e médias empresas não há limite.

Com a aplicação desta lei, os proprietários dos estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços, que constituem uma parte muito significativa do universo de MPME, enfrentam atualmente uma ameaça de enorme gravidade, no que respeita à manutenção e existência dos seus negócios, com a consequente extinção de milhares de postos de trabalho e o inerente aumento de desemprego.

Neste sentido, nomeadamente, os cafés, pastelarias, padarias, mercearias, cafetarias, hotéis, residenciais, hostels, restaurantes, bares, discotecas, ginásios, clínicas, sapatarias, pronto-a-vestir, entre muitos outros em espaço arrendado, estão completamente à mercê da total discricionariedade dos respetivos proprietários dos imóveis, os quais poderão exigir, sem qualquer contrapartida, a saída dos imóveis, no prazo máximo de três meses.

Acresce o facto de não ser considerado na lei em vigor o investimento efetuado nas instalações para o exercício da atividade económica, quer seja na indústria, no comércio ou nos serviços (no regime de transição, o arrendatário só tem direito à indemnização se denunciar o contrato e a ser ressarcido das benfeitorias que licitamente tenham sido feitas). Por outro lado, não podemos ignorar a necessidade de tempo útil para o retorno do investimento nas atividades económicas (que normalmente é feito a longo prazo e que em larga medida e na maioria dos casos não é passível de deslocalização), desde logo o investimento que decorre das obrigações legais inerentes às consequentes obras exigidas, por exemplo no âmbito da higiene, saúde e segurança no trabalho, alvarás, etc..

A aplicação da Lei dos Despejos já provocou efeitos, confirmando os alertas que quer o PCP quer as estruturas representativas de inquilinos e de empresários sublinharam desde o início. Desde a entrada em vigor da lei atual, verificaram-se 5017 pedidos de despejo por parte do senhorio (correspondendo grosso modo dois terços a arrendamento habitacional e um terço a arrendamento não habitacional). Desses pedidos, 2436 já tiveram correspondente decisão e, desses, 1630 deram origem a título de desocupação, o que corresponde a mais de 60% do total dos processos concluídos. Esta situação, bem como o volume de processos pendentes, ilustram bem a injustiça de uma lei que, particularmente em momentos como o atual – em que a crise económica se abate sobre os portugueses com um peso tanto maior quanto menor for o seu poder económico – deveria salvaguardar em primeiro lugar o direito à habitação.

As opções do Governo PSD/CDS relativamente ao arrendamento urbano merecem, da parte do PCP, a mais veemente rejeição. Confiar a questão do arrendamento urbano a mercados totalmente liberalizados, como o Governo pretende, só agravará ainda mais os problemas neste setor. Para o PCP é necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades na condução das políticas de arrendamento urbano e reabilitação urbana, de modo que, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa, todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto e âmbito

1 – A presente lei revoga a Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, que procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, altera o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, repristinando as normas por esta revogadas.
2 – São, consequentemente, revogados o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, que procede à instalação e à definição das regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo, bem como o Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de agosto, que procede à adaptação à Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, dos Decretos-Lei n.º 158/2006 e n.º 160/2006, ambos de 8 de agosto.
3 – Pela presente lei fica suspensa a atualização anual de renda dos diversos tipos de arrendamento, prevista no artigo 24.º, bem como a atualização da renda ao abrigo do regime constante dos artigos 30.º a 56.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação originária.
4 – Pela presente lei fica suspensa, igualmente, a correção extraordinária das rendas prevista no artigo 11.º da Lei n.º 46/85, de 20 de setembro, que determina que as rendas dos prédios arrendados para habitação em data anterior a 1980 podem ser objeto de correção extraordinária durante a vigência do contrato.
5 – Ficam suspensas quaisquer outras atualizações de renda, independentemente do fim a que o arrendamento se destine, constantes de outros diplomas legais.

Artigo 2.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 12 de junho de 2014.

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