Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Revoga a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso

(projeto de lei n.º 747/XII/4.ª)
Procede à quarta alteração à Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, que aprova as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas
(proposta de lei n.º 265/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O atraso nos pagamentos do Estado é um problema gravíssimo que afeta negativamente a vida de milhares de cidadãos, de empresas e de entidades sem fins lucrativos.
É uma evidência inquestionável que este problema tem a sua origem na política de subfinanciamento crónico das entidades públicas, agravada nos últimos anos com a aplicação dos PEC e do programa da troica. As entidades públicas, sem as dotações orçamentais necessárias para cobrir todas as despesas decorrentes das respetivas funções e competências constitucionais e legais, são colocadas na indesejável situação de não conseguirem fazer face a todos os compromissos assumidos, atrasando-se nos seus pagamentos.
O Governo, ignorando deliberadamente esta realidade, envereda pelo caminho da imposição de constrangimentos burocráticos e administrativos à execução da despesa orçamental e à solução de compromissos financeiros por parte das entidades públicas. Esta opção do Governo conduz, tal como o PCP tem vindo a alertar insistentemente, ao estrangulamento funcional das entidades públicas e à degradação da sua capacidade de prestarem os serviços públicos que lhes estão atribuídos, comprometendo as funções do Estado e, particularmente, as suas funções sociais.
Este é, exatamente, o objetivo pretendido pelo Governo: reconfigurar o Estado, visando o favorecimento dos grandes interesses privados que, desde há muito tempo, procuram apoderar-se dos serviços prestados pela Administração Pública, transformando-os em chorudos negócios.
Particularmente afetadas têm sido as autarquias locais. A aplicação da lei dos compromissos criou inúmeros problemas no quotidiano dos municípios, tornando a gestão menos ágil e flexível e colocando mesmo em causa a sua capacidade de resolução dos problemas das populações.
Também o setor da saúde se defronta com sérios constrangimentos provocados pela lei dos compromissos, tendo muito administradores hospitalares assumido que a aplicação desta Lei não é compatível com a missão dos hospitais.
Perante a contestação generalizada, o Governo vem hoje propor um conjunto de alterações à lei dos compromissos, tentando desesperadamente prolongar a vida de uma lei que nunca deveria ter visto a luz do dia. Mas continua a ignorar a raiz do problema: o subfinanciamento crónicos dos serviços do Estado. Enquanto este problema não for resolvido, a imposição dos procedimentos estabelecidos na lei dos compromissos tem como consequência e como objetivo não confessado pelo Governo o estrangulamento funcional das entidades públicas e a degradação dos serviços por elas prestados.
Impõe-se, pois, a revogação imediata da lei dos compromissos, libertando as entidades públicas de uma legislação asfixiante que as impede de cumprir cabalmente as atribuições que lhes estão cometidas por lei.
É este o objetivo do projeto de lei apresentado hoje pelo PCP em alternativa à proposta do Governo. Um projeto de lei que defende os serviços públicos e as funções sociais do Estado, afirmando que a solução do gravíssimo problema dos pagamentos em atraso passa, obrigatoriamente, pelo financiamento adequado das entidades públicas e não pelo seu estrangulamento, como pretende o Governo.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Sr. Deputado do PS veio aqui dizer que a lei dos compromissos é uma trapalhada do Governo. Não é assim, Sr. Deputado. Não é uma trapalhada, é uma opção deliberada deste Governo e da maioria que o suporta, de estrangulamento financeiro e funcional das entidades públicas, uma opção que visa abrir caminho à entrega aos interesses privados, aos grandes interesses privados, dos serviços prestados pela Administração Pública.
O que os senhores querem com a lei dos compromissos é transformar serviços públicos em negócios privados.
O Sr. Secretário de Estado veio aqui, mais uma vez, atribuir a origem do fenómeno dos pagamentos em atraso a uma mera aplicação deficiente de procedimento, registo e controlo de compromissos. É falso, Sr. Secretário de Estado! A origem dos pagamentos em atraso é o subfinanciamento crónico das entidades públicas, que as impede de cumprir as funções que lhes estão atribuídas por lei.
E temos de ver o que significa, em concreto, a aplicação da lei dos compromissos. Vou dar apenas um exemplo: num hospital do Algarve, em consequência da aplicação desta lei, acabaram-se as fraldas para os doentes e foram substituídas por toalhas envoltas em sacos de lixo.
São estas as consequências da aplicação da lei dos compromissos.
Por isso, dizemos: é necessário revogar esta lei! É necessário libertar as entidades públicas desta lei asfixiante. É necessário fazer isso para defender os serviços públicos e as funções sociais do Estado.

  • Administração Pública
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções