A 14 de Outubro de 2010, o PCP apresentou um Projeto de Lei com vista à revogação do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, e, assim, repondo critérios mais justos na atribuição dos apoios sociais.
Esta iniciativa do PCP consubstanciava uma resposta à decisão do anterior Governo PS que, com a aprovação deste Decreto-Lei, veio impedir milhares de portugueses de aceder às prestações sociais não contributivas, designadamente:
1. Abono de família;
2. Complemento solidário para idosos;
3. Prestações por encargos familiares;
4. Rendimento social de inserção;
5. Subsídio social de desemprego;
6. Subsídios sociais de maternidade e paternidade;
7. Apoios no âmbito da ação social escolar do ensino básico e secundário;
8. Comparticipação de medicamentos e pagamento de taxas moderadoras;
9. Pagamento de prestação de alimentos mo âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores;
10. Comparticipações da segurança social aos utentes das unidades de reabilitação e manutenção;
11. Apoios sociais à habitação e todos os apoios sociais e subsídios atribuídos pela administração central do Estado.
À data afirmámos que “o Governo do PS (…) enveredou por um caminho de restrição no acesso às prestações sociais do regime não contributivo”, argumentando sobre a proposta do PCP que “estas alterações estabelecem critérios de maior justiça na atribuição das prestações sociais”.
Na verdade, a aplicação do Decreto-Lei n.º70/2010 teve o objetivo deliberado de restringir e impedir o acesso a apoios sociais, desresponsabilizando o Estado dos mecanismos de proteção social essenciais face ao crescimento das diversas expressões de carência económica e social, bem como de novas dimensões da pobreza e de exclusão social que resultam do aprofundamento da política de direita.
As alterações decorrentes daquele diploma incidiram em 4 aspetos fundamentais:
1- O alargamento dos rendimentos a considerar, passando a ser contabilizados, além dos salários, outros rendimentos, incluindo em espécie, designadamente os apoios à habitação, à habitação social, bolsas de estudo e formação.
2- O alargamento do conceito de agregado familiar, que passou a abranger pais, filhos, avós, netos, bisavós, tios, sobrinhos e primos, tanto do beneficiário como do cônjuge, e o alargamento do conceito de “economia comum”.
3- A sujeição de todas as prestações à verificação de condição de recursos, ficando, assim, excluídos de aceder a estas prestações ou apoios os requerentes e respetivos agregados que tenham um valor patrimonial mobiliário, com a habitação própria e permanente, superior a 240 vezes o valor do IAS (aproximadamente 100 mil euros em valores atuais).
4- A alteração do regime de capitação de rendimentos, que de forma artificial elevar o rendimento per capita dos membros do agregado familiar, tendo como único objetivo impedir o acesso a importantes prestações sociais.
A aplicação destes “filtros” para o acesso aos apoios sociais teve impactos gravíssimos na vida de muitos milhares de portugueses.
Só relativamente ao abono de família, o Decreto-Lei n.º 70/2010 conjugado com o Decreto-Lei n.º 116/2010, de 22 de Outubro, eliminou o aumento extraordinário de 25% do abono de família nos 1.ºe 2.º escalões e eliminou a atribuição do abono aos 4.º e 5.º escalões de rendimento.
À data, cerca de 650 mil crianças e jovens perderam o abono de família, cerca de 1 milhão e 75 mil beneficiários sofreram um corte de 25% e mais de 13 000 crianças e jovens perderam a bonificação por deficiência do abono de família. Isto significa que os efeitos destas decisões, tão injustas quanto inaceitáveis, atingiram mais de 80% dos beneficiários do abono de família, que perderam ou sofreram cortes naquela prestação social.
O anterior Governo PS é responsável pela criação deste “filtro inaceitável” de acesso às prestações sociais, mas o atual Governo PSD/CDS-PP é igualmente responsável pela sua manutenção e agravamento.
Depois de publicado o Decreto-Lei n.º 70/2010 e, já com o atual Governo PSD/CDS-PP em funções, foi publicado o Decreto-lei n.º 133/2012, de 16 de junho que altera para pior as prestações por morte, nomeadamente o pagamento do subsídio por morte; o Rendimento Social de Inserção, com novos e mais gravosos requisitos que visam impedir o acesso a esta prestação social e, entre outras medidas, reduz o montante do subsídio por doença.
Posteriormente, ainda não satisfeito com os cortes nas prestações sociais, este Governo de desgraça nacional publica o Decreto-Lei n.º 13/2013, de 25 de janeiro, que entre outras medidas altera para pior o subsídio por morte e as despesas por funeral, limitando os seus valores, o complemento por dependência do 1.º grau, o Rendimento Social de Inserção, reduzindo o seu valor; o Complemento Solidário para idosos, diminuindo o valor de referência e assim impedir o acesso a idosos que precisam deste apoio e por fim limita a 600 euros o valor do complemento por conjugue a cargo.
Assim, não são de estranhar os dados da própria Segurança Social que dão conta de sucessivas diminuições quer no valor quer no número de beneficiários de diversas prestações sociais não obstante a pobreza estar a aumentar e significativamente.
De Agosto de 2010 a Janeiro de 2012, mais de 620 mil crianças perderam o abono de família , e mais de 30 mil famílias perderam o acesso ao Rendimento Social de Inserção.
O quadro abaixo evidencia a redução do número de beneficiários das prestações sociais entre Maio de 2011 e Dezembro de 2013.
Prestação Social Mai.2011 Dez. 2011 Mai.2012 Dez. 2012 Mai.2013 Nov.2013 Dez. 2013
Subsidio Social de Desemprego 28.073 26.949 32.841 28.673 24.160 18.789 19.529
Rendimento Social de Inserção 326.858 316.949 334.511 280.917 266.736 234.929 231.949
Abono de família 1.191.198 1.219.919 1.197.692 1.189.554 1.198.134 1.161.186 1.170.786
Os dados recentes divulgados pelo INE - Inquérito às condições de vida e rendimentos dos portugueses referentes ao ano de 2012 – demonstram que a pobreza no nosso país tem vindo a agravar-se em paralelo com o agravamento da desigualdade na distribuição da riqueza.
De acordo com o INE, o risco de pobreza aumentou significativamente em 2012 atingindo o valor mais elevado desde 2005: 18,7% da população, cerca de 2 milhões de pessoas. Contudo, se o efeito do abaixamento generalizado dos rendimentos dos portugueses for corrigido, então concluímos que estão efetivamente em risco de pobreza 24,7% da população, ou seja, cerca de 2 milhões e 600 mil pessoas.
Entre 2011 e 2012, o Governo PSD/CDS-PP atirou mais de 500 mil pessoas para a pobreza, sendo que 40,2% dos desempregados e 10,5% dos empregados estão em situação de pobreza e o risco de pobreza entre os menores de 18 anos é de 24,4%.
Os dados do INE referem que, em 2013, 25,5% da população sofria de privação material e10,9% sofria mesmo de privação material severa.
A redução drástica do número de beneficiários e dos montantes das prestações sociais é inseparável da estratégia em curso de destruição das funções sociais do Estado, seguida por sucessivos governos e agravada pelo atual Governo PSD/CDS-PP.
Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com rendimentos mais baixos, mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna clara a necessidade efetiva de reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social.
Depois de trinta e seis anos de política de direita, vinte e oito anos de aprofundamento do processo de integração capitalista da União Europeia e três anos de aplicação do Pacto da Troika, subscrito por PS, PSD e CDS-PP, a devastação económica e social do país é inaceitável.
O empobrecimento de largas camadas da população, de agravamento da pobreza e da exclusão social é parte integrante do projeto político executado por este Governo PSD/CDS-PP, com o apoio do PS, de concentração da riqueza. Em 2013 os principais grupos económicos registaram lucros escandalosos: EDP 1005 milhões de euros; GALP 310 milhões de euros; SONAE 319 milhões de euros; Grupo Jerónimo Martins 382 milhões de euros; Portucel 210 milhões de euros; BES 517 milhões de euros.
A conceção de que “o Estado não pode suprir todas as necessidades” e de que “não tem meios para resolver todos os problemas” é utilizada para a responsabilização individual dos cidadãos e desresponsabilização do Estado nas suas tarefas fundamentais.
Para o PCP a solidariedade, enquanto expressão coletiva de uma sociedade democrática, expressa-se no cumprimento da Constituição e dos direitos democráticos.
Um verdadeiro caminho de combate à pobreza em Portugal impõe a rejeição do Pacto da Troika e a derrota desta política de empobrecimento e agravamento da exploração.
A luta contra a pobreza e a exclusão social só é possível através de uma estratégia conjugada de medidas de prevenção, combate e erradicação dos fatores e causas que geram e alimentam o fenómeno da pobreza.
O combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral de desenvolvimento económico, valorização do trabalho, aumento dos salários e das pensões, maior justiça na distribuição da riqueza, elevação das condições de vida do povo.
Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à revogação dos Decretos-Lei n.º 70/2010, n.º 133/2012 e 13/2013, repristinando as normas por estes revogadas ou alteradas, com vista à reposição de critérios mais justos de acesso às prestações e apoios sociais.
Artigo 2.º
Alterações legislativas
1- A presente Lei procede à revogação:
a) Do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho;
b) Do Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de junho;
c) Do Decreto-Lei 13/2013, de 25 de janeiro.
2- Esta lei procede ainda à repristinação das normas por estes revogadas, designadamente:
a) Do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio;
b) Da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio;
c) Do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de agosto;
d) Do Decreto-Lei n.º 283/2003, de 8 de novembro;
e) Do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril;
f) Do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro;
g) Do Decreto-Lei n.º 265/99, de 14 de julho;
h) Do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro;
i) Do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março;
j) Da Portaria 257/2012, de 27 de agosto;
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua aplicação.
Assembleia da República, em 28 de março de 2014