Preâmbulo
A situação social vivida em Portugal por milhares de pessoas tem vindo a agravar-se, ano após ano, em consequência directa das políticas economicistas de ataque e violação de direitos consagrados na Constituição por parte dos vários Governos que têm tomado opções de cada vez maior penalização de quem menos pode e menos tem.
PS, PSD e CDS-PP têm sido os protagonistas de um ataque brutal aos direitos sociais, ao seu desmantelamento e à substituição destes direitos, de cariz fundamental, por uma visão assistencialista e caritativa, prosseguindo num inaceitável caminho de descapitalização da Segurança Social, com vista à sua privatização.
De acto legislativo em acto legislativo, PS, PSD e CDS-PP têm vindo a destruir o carácter universal, público e solidário da Segurança Social, atacando prestações sociais importantíssimas para o desenvolvimento integral dos indivíduos e das famílias, aniquilando aquele que é o papel do Estado no cumprimento das suas funções sociais de apoio à maternidade, paternidade, juventude, aos idosos, às pessoas com deficiência e no combate à pobreza e exclusão social.
Com efeito, após um percurso de ataque continuado ao sistema público de segurança social, de afunilamento das prestações sociais restringindo o acesso a estas, o Governo PS publicou o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, desferindo um rude golpe às mais fundamentais prestações sociais: abono de família, bonificação por deficiência, rendimento social de inserção (revogando mesmo a majoração desta às pessoas com deficiência física ou mental profunda ou doença crónica, bem como o apoio a pessoas com 65 anos ou mais que se encontrem em situação de dependência), subsídio social de maternidade e paternidade, bolsas de estudo, subsídio social de desemprego, entre tantos outros.
Este Decreto-Lei teve efeitos tão injustos quanto inaceitáveis na medida em que atacou os mais pobres dos pobres, e retirou apoios e direitos sociais à generalidade dos cidadãos.
A título exemplificativo, o abono de família que abrangia 1.830.522 crianças e jovens em 2010, em Maio de 2011 passou a abranger 1.147.163 crianças e jovens. Isto é, 683.359 crianças e jovens ficaram sem abono de família, além dos milhares que viram a sua prestação reduzida e as majorações tão propagandeadas, revogadas. Para além disto, e pela ligação directa à atribuição do escalão A ou B da acção social escolar no ensino básico e secundário, os efeitos foram igualmente injustos: de acordo com dados do Ministério da Educação no ano lectivo 2010/2011 menos 17.958 alunos receberam apoio para manuais e material escolar, alimentação e transporte. No ensino superior, mais de 11.000 estudantes perderam o acesso à bolsa de estudo e mais de 12.000 viram o seu valor reduzido.
Já quanto aos titulares da bonificação por deficiência, que era 82.892 em 2010, passaram a 67.378, um corte a 15.514 pessoas com deficiência.
O rendimento social de inserção registou um corte de 69.682 beneficiários desde Agosto de 2010 (data de entrada em vigor do diploma) até Maio de 2011, sendo actualmente 327.258 o número de beneficiários com uma prestação mensal média de €89,14, e não valores de centenas de euros como erroneamente a direita pretende fazer acreditar.
Quanto ao subsídio social de desemprego, registou-se o corte mais significativo, obrigando trabalhadores que esgotaram o tempo de atribuição a viver sem qualquer rendimento. Numa altura em que o desemprego é galopante, em Agosto de 2010 recebiam subsídio de desemprego inicial e subsequente, 97.428 pessoas. Em Maio de 2011 são apenas 54.246 pessoas a receberem estas prestações, registando-se um corte de 44,4%, correspondente a menos 43.182 pessoas que perderam esta prestação.
No Orçamento da Segurança Social de 2011, estão orçamentados para subsídio de desemprego este ano menos 156 milhões euros do que em 2010; para abono família menos 218 milhões de euros; e para RSI menos 120 milhões €; portanto, ao todo menos 494 milhões de euros. E como tudo isto já não fosse suficiente umas das medidas anunciadas no novo PEC são precisamente a “Revisão das condições de atribuição do subsídio de desemprego” e a “Redução adicional da despesa com prestações sociais e aumento das contribuições sociais”. É evidente que tal medida, se for implementada, lançará muitas mais famílias para a miséria. O risco de pobreza já existente aumentará substancialmente quanto mais diminuírem as transferências sociais.
Aliás, tem sido esta a tendência nos últimos anos, de redução das transferências sociais do regime não contributivo, para garantir um patamar mínimo de dignidade às famílias, aos socialmente excluídos, aos desempregados, aos que estão em situação de doença ou invalidez.
Este diploma, ao alterar os requisitos para a verificação da condição de recursos, incluindo rendimentos que anteriormente não eram contabilizados, veio vedar o acesso de milhares de pessoas a um conjunto significativo de prestações sociais.
«O Decreto-lei n.º 70/2010 altera o conceito de agregado familiar, alargando-o, bem como altera a capitação do rendimento de cada membro do agregado familiar, deixando cada um de contar como um e passar a haver uma tabela. Aqui há uma clara penalização das famílias com mais filhos pois esses irão apenas contar como 0,5 e não o 1 que contabilizavam antes na fórmula de cálculo. (…) Outro aspecto negativo a destacar deste Decreto-Lei é o facto dos pensionistas passarem a ser obrigados a declarar o seu património para terem acesso à comparticipação dos medicamentos.», afirmava o CDS-PP na sua Apreciação Parlamentar n.º 54/XI a este Decreto-Lei.
A verdade é que o diploma não foi corrigido, e face aos compromissos assumidos pelo PS, PSD e CDS-PP se presume que as dificuldades serão ainda maiores para as famílias portuguesas.
Apesar de no programa do Governo se afirmar que «Portugal vive hoje uma crise social. A essa crise o Governo quer responder com um Programa de Emergência Social, centrado nas pessoas com maiores carências, com uma atenção essencial aos mais idosos, aos que perderam o seu posto de trabalho, aos mais carenciados, às crianças em dificuldades, aos emigrantes e que não ignore as pessoas com deficiência. Ninguém será deixado para trás. O valor incomensurável da dignidade da pessoa humana obriga a que haja uma preocupação com o auxílio aos mais vulneráveis e uma justa repartição dos custos e sacrifícios associados à superação da crise e ao próprio projecto de mudança orientadora da política do Governo.», as medidas apontadas vão no sentido da acentuação do carácter assistencialista e de uma filosofia de maior exclusão social das pessoas com menores rendimentos. Isto porque reiteradamente o Governo PSD/CDS-PP tem vindo a assumir uma postura caritativa de «auxílio» a quem necessita e não do cumprimento dos direitos previstos na Constituição da República Portuguesa.
De acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, cujo resumo foi publicado pelo INE a 11 de Julho de 2011, a população em risco de pobreza em 2010 terá atingido 22,5% dos indivíduos residentes em Portugal, que vivem em situação de privação material, sendo mais atingidos os agregados constituídos por um adulto que vive sozinho, por um adulto que vive sozinho com pelo menos uma criança dependente e com adultos com três ou mais crianças.
A proporção de indivíduos em risco de pobreza ou exclusão social (em situação de privação material severa) era de 25,3% em 2010 face a 24,9% no ano anterior.
A privação material afere-se pelo recurso a 9 indicadores: a incapacidade de assegurar o pagamento imediato de uma despesa próxima do valor mensal da linha de pobreza (fixado em 60% da mediana do rendimento por adulto); a incapacidade de suportar uma semana de férias por ano, fora de casa; atraso motivado por dificuldades económicas no pagamento de prestações relativas a rendas, prestações de crédito, despesas correntes da residência principal ou outras despesas não relacionadas com a residência principal; a incapacidade de ter uma refeição de carne ou peixe de pelo menos 2 em 2 dias; incapacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida; incapacidade económica de possuir máquina de lavar roupa; incapacidade económica de possuir telefone fixo ou telemóvel; incapacidade económica de possuir um automóvel. A privação material severa corresponde à verificação de pelo menos 4 destes 9 indicadores.
Ora, e tendo em conta que o Governo PSD/CDS-PP assume que entendem «que as preocupações das famílias são transversais e estão presentes em todas as áreas da governação. Por isso, qualquer iniciativa que seja aprovada em Conselho de Ministros requer a prévia aposição do “visto familiar”, ou seja, um avaliação quanto ao impacto que tem sobre a vida familiar e o estimulo à natalidade.», entendemos que quer a alteração do conceito de agregado familiar, aumentando o número de membros do 2º para o 3º grau, quer a alteração da fórmula de cálculo com base nos rendimentos do agregado que altera artificialmente o rendimento per capita das famílias, trazem novas e maiores restrições no acesso a prestações que garantem o mínimo de dignidade e independência, e são, ainda assim insuficientes.
De igual forma, a determinação de rendimentos como os apoios em espécie, como os apoios ao nível da habitação social, como rendimentos financeiros dos beneficiários é profundamente injusto e inaceitável. A atribuição de apoios em espécie, de habitação social é ela mesma o reconhecimento da pobreza extrema e a concretização de direitos fundamentais de todos os cidadãos, não podendo ser considerados rendimentos mas direitos.
Assim, o PCP defende a revogação urgente deste Decreto-Lei, repondo os requisitos de verificação de recursos anteriormente existentes em relação a cada prestação social, sem prejuízo de ulteriores alterações.
Não há desenvolvimento económico e social enquanto estas políticas de PS, PSD e CDS insistirem na cobrança da crise a quem menos pode e menos tem. O PCP entende que a revogação urgente deste diploma e a reversão destas políticas de cortes sociais aos trabalhadores, desempregados, pensionistas, crianças e jovens é uma questão urgente de emergência social.
Nos termos legais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Objecto e âmbito
A presente Lei revoga o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, repristinando as normas por este revogadas.
Artigo 2º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.
Assembleia da República, em 3 de Agosto de 2011