Intervenção de

Revisão do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário e as condições da sua realização

 

Determina as condições da revisão do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário e as condições da sua realização

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Estamos hoje, finalmente, perante a possibilidade real e decisiva de iniciar o caminho da pacificação das escolas, da sua valorização e da dignificação da profissão docente. Momento decisivo que só surge como resultado de uma luta persistente dos professores portugueses e pela intervenção do PCP, ao decidir apresentar no primeiro dia de trabalhos parlamentares o projecto de lei que pode, de facto, resolver os problemas mais agudos que hoje são sentidos nas escolas.

A política do anterior governo, marcada pela prepotência e arrogância, mas também por um profundo ataque às características mais fundamentais da Lei de Bases do Sistema Educativo, teve impactos brutais na qualidade do ensino, no ambiente escolar e até, mais directamente, na vida dos professores. Professores que, convocados pela necessidade de levantar uma escola para todos os portugueses depois da revolução democrática de Abril e que, na verdade, a edificaram com o seu próprio esforço e empenho, foram confrontados agora com uma política de afronta, de humilhação e de desvalorização.

Desde o primeiro dia, o PCP demonstrou a sua solidariedade para com a luta desses professores, pois essa é também a luta pela defesa da escola pública, democrática e de qualidade.

Por mais do que uma vez, o PCP trouxe a esta Assembleia, na passada legislatura, propostas para solucionar os impasses negociais e os problemas gerados nas escolas, sempre numa perspectiva construtiva. No entanto, a barreira da maioria absoluta do PS funcionou sempre como um objectivo impedimento para a solução dos problemas que ela própria contribuía para gerar.

O PCP apresentou 70 propostas de alteração ao Estatuto da Carreira Docente, todas rejeitadas pelo PS; o PCP apresentou um projecto de lei de autonomia e gestão da escola para aprofundar a experiência democrática, rejeitado pelo PS; o PCP apresentou, por mais do que uma vez, propostas para a suspensão e renegociação do modelo de avaliação, sempre liminarmente rejeitadas pelo PS.

Estamos, porém, agora numa situação significativamente diferente, e ninguém esquece o contributo que a luta dos professores deu para que a correlação de forças não repetisse a anterior.

Não esquecemos a importância e a dimensão da luta dos professores, as suas gigantescas manifestações em Lisboa, as suas acções de luta por todo o País, a coragem de muitos milhares que civicamente se recusaram a aceitar um regime de avaliação e um Estatuto da Carreira Docente que visam apenas a degradação da condição de professor e da escola pública. Foi uma justa luta em defesa de importantes direitos profissionais, mas, sobretudo, em defesa da escola pública, que em tantos aspectos depende precisamente desses mesmos direitos.

Certamente que essa onda de indignação e de protesto também contribuiu para que o PS perdesse a maioria absoluta de que usou e abusou no passado para a rejeição de sucessivas iniciativas, designadamente do PCP. Foi certamente a perda da maioria absoluta que obrigou o Governo a abrir um processo de negociação com os professores, vendo-se impedido de rejeitar liminarmente todas as reivindicações e propostas, como acontecia no passado.

A questão que está hoje em cima da mesa é a de saber qual é o enquadramento para essas negociações: se é uma negociação limpa e livre de condicionantes ou se, pelo contrário, é feita debaixo da imposição de um regime injusto que continua em vigor, como uma ameaça latente sobre os professores.

Nesse sentido, entendemos que a cessação de vigência do actual regime de avaliação é um imperativo político para garantir uma negociação que não esteja condicionada pela possibilidade de continuação do modelo actual.

O projecto de lei que o PCP hoje apresenta  (projecto de lei n.o 2/XI (1.ª) é o que se exige que esta Assembleia da República aprove, pois é o que assegura a realização de uma real negociação, num espaço que permita o diálogo por via da suspensão dos procedimentos, os quais, contra o que o PS hoje tentará fazer crer, continuam a desenrolar-se nas escolas.

Aliás, apesar de o Governo tentar minimizar o seu prejuízo político e esconder a óbvia derrota, encenando um recuo antes mesmo de a Assembleia da República se pronunciar e decidir, a verdade é que nada garante efectivamente que as escolas possam respirar e parar os procedimentos.

A aprovação do projecto de lei do PCP resolve, no plano tão imediato quanto possível, as questões mais candentes que se colocam nas escolas.

É a esta Assembleia que cabe hoje resolver o problema. Agora que tem na mão a possibilidade de o fazer não pode remeter para o Governo a solução dos problemas que ele próprio criou. A esta Assembleia cabe garantir que a negociação em curso incidirá sobre aspectos políticos essenciais e não apenas sobre pormenores técnicos ou burocráticos do modelo de avaliação, que incidirá, nomeadamente, sobre a divisão da carreira docente, sobre a imposição de quotas e a necessária nulidade de todos os efeitos do primeiro ciclo avaliativo, garantindo que nenhum professor, repito, nenhum professor pague as consequências dos erros do Governo.

É o projecto de lei do PCP que dá cabal resposta à urgente necessidade de suspensão. E para os que questionam esta necessidade, apelamos a que olhem para os agrupamentos e para as escolas que, neste preciso momento em que falamos, têm em curso processos de agendamento ou calendarização; a que olhem para as escolas que, neste preciso momento em que falamos, têm o processo de avaliação em curso, mesmo aquelas em que mais de 75% dos seus professores não entregaram os objectivos individuais.

A decisão que hoje o PCP desafia esta Assembleia a tomar é da maior importância e da maior urgência. Por isso mesmo, o PCP anunciou já a sua intenção de avocar para Plenário da Assembleia da República a discussão e votação na especialidade e a votação final global do projecto de lei, no sentido de atalhar a um processo moroso processual, permitindo a resolução célere e imediata do grande problema que hoje soterra as escolas em burocracia, num ambiente tenso e denso, de desconfiança e de competição interna que minam e corroem o sucesso das tarefas do sistema educativo.

Essa avocação, porém, não deixará espaço a manobras ou a enganos.

Quem estiver pela suspensão do actual modelo de avaliação votará favoravelmente o projecto de lei do PCP sem meias tintas.

O PCP não aceita que o debate transparente dê lugar a conversas de bastidores, a acordos feitos em gabinetes às escondidas ou que se limite a criar vagas recomendações ao Governo, que serão ou não cumpridas da forma que ao Governo mais apetecer.

Por isso mesmo, o PCP estará disponível para todas as convergências possíveis de construir entre todos os partidos, incluindo o PS, desde que partamos do pressuposto da suspensão do actual modelo.

Tudo o menos será ficar aquém das possibilidades que hoje se nos colocam.

Todos os grupos parlamentares, com a excepção do PS, votaram favoravelmente estes preceitos - e alguns propuseram-nos mesmo - na anterior legislatura. E tendo em conta que nada se alterou significativamente, nada pode justificar que não votem favoravelmente agora.

A quem puder ter dúvidas quanto à necessidade de suspensão, desde já, dizemos: nada nos garante que a vontade de negociação do Governo seja real. Pelo contrário, ao longo dos últimos anos assistimos às mais rocambolescas encenações e fingimentos por parte do anterior governo. Dizemos também que a abertura destas negociações por parte do Governo não garante por si só um desfecho positivo.

Da parte do PCP, tudo continuaremos a fazer para dar o mais firme combate a esta política retrógrada, que concebe a escola como uma empresa, o estudante como um objecto e o professor como um operador de máquinas. Tudo faremos para travar a mais vasta ofensiva que o governo do PS dirigiu contra os pilares fundamentais da escola pública, desde o Estatuto do Estudante ao regime de administração e gestão, no sentido de trazer novamente a democracia às escolas. Tudo faremos para que sejam cumpridos os nossos compromissos em defesa dos trabalhadores e dos professores, não só por serem também eles trabalhadores mas porque deles depende a educação dos filhos de todos os trabalhadores portugueses.

Atacar os direitos dos professores é mais do que atacar um interesse circunscrito, é atacar o próprio sistema educativo. E atacar o sistema educativo é atacar a base da formação e da educação do povo português. Contra esse ataque, ao lado dos estudantes, dos trabalhadores em geral e dos professores, sabem que se encontrará sempre o Partido Comunista Português.

 (...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Paula Barros,

De facto, é lamentável que o PS esteja mais acompanhado - percebemos essas palavras de carinho, dirigidas ao PSD, depois deste prestável apoio, desse braço estendido que, afinal, o PSD veio demonstrar nesta Assembleia.

Esperemos que ainda se vá a tempo de fazer o PSD ponderar a sua posição, não só sobre o seu projecto de resolução mas sobre a sua posição perante os outros.

Infelizmente, não podemos apelar a essa ponderação por parte do PS, depois de ouvir esta intervenção da Sr.ª Deputada Paula Barros, porque aquilo que veio fazer foi aquele exercício - lamentável, aliás - de persistir na cassette, na propaganda de que tudo está bem nas escolas, de que as escolas hoje são uma maravilha, de que estão melhor, de que os professores vivem harmoniosamente, de que tudo está tratado nas escolas e que, aliás, isso é devido a um esforço titânico deste Governo. A Sr.ª Deputada disse mesmo que tem orgulho nas asneiras que este Governo fez, nas trapalhadas, na degradação do ambiente que se vive, hoje, nas escolas.

Sabemos bem o sorriso de desdém com que falam os Deputados do PS quando se fala dos direitos dos professores.

Conhecemos bem esses sorrisos de desdém, porque não perdoam aos professores o impacto que a luta dos professores teve nessa derrota eleitoral e na perda da vossa maioria absoluta.

A Sr.ª Deputada persiste, uma vez mais, numa outra propaganda que este Governo tem vindo a tentar impor, que é: «Avaliação só há esta, não há outra! E quem está contra esta, está contra toda a avaliação!» - e esta é uma manobra, além de rasteira, sem qualquer fundamento. É porque aquilo por que os professores estão, de facto, a lutar é pelo direito a serem avaliados, pelo direito à avaliação de desempenho, mas de uma verdadeira avaliação de desempenho e não de uma seriação injusta para a limitação da sua progressão na carreira.

O que os professores querem é ser avaliados justamente pelo seu desempenho e não  hierarquizados para que o Governo possa «poupar uns trocos» na sua progressão de carreira.

Sr.ª Deputada, «premiar o mérito» quando há quotas reservadas para professores titulares que obtêm automaticamente um «muito bom» e um «excelente»?! «Premiar o mérito» quando os directores são avaliados por avaliação curricular feita «por carimbo» do director regional de educação na dependência directa do seu Ministério da Educação?!

Belo mérito que este Governo decidiu premiar, Sr.ª Deputada!

A questão que aqui se coloca hoje, quer o PSD tente fugir-lhe quer não - e o PS sabe bem qual é a questão -, é a de saber se vamos ou não suspender o segundo ciclo avaliativo, que é o que está em curso e os senhores sabem muito bem que é esse que está em curso! E o que está em causa é se, ao suspendermos este ciclo, vamos permitir que a negociação sindical e a negociação com o Governo decorram num ambiente limpo e respirável ou se continuam a desenrolar-se sob a espada que o Governo tem apontado aos professores - uma espada de chantagem, porque enquanto a negociação dura corre aquilo que o Governo quer, assim impedindo que as negociações se realizem num espaço neutro e «se joguem no quintal» do Governo.

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