Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Revisão constitucional

Criticas às propostas constantes do projecto de revisão constitucional anunciado pelo PSD, numa altura em que é a necessário garantir a estabilidade governativa

Sr. Presidente, Sr. Ministro Jorge Lacão:

Ouvi-lo, a si, falar de revisão constitucional é o mesmo que «ouvir falar de corda em casa de enforcado».

Bem nos lembramos do desastroso acordo de revisão constitucional de que V. Ex.ª foi o principal responsável no Partido Socialista, que custou, nessa altura, a demissão e a renúncia ao mandato do, então, Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e que lhe custou, a si, a liderança do Grupo Parlamentar do PS.

E essa Revisão Constitucional de 1997, entre outras malfeitorias, «deu de bandeja» aos partidos da direita os instrumentos constitucionais para inviabilizarem o processo de regionalização do País sabe-se lá até quando!

É que, Sr. Ministro Jorge Lacão, nós sabemos como começam os processos de revisão constitucional, começam, normalmente, pela mão do PSD, mas também temos sabido como eles têm acabado: com o PSD a pedir tudo para conseguir muito e com o Partido Socialista a ceder muito, dizendo sempre que não cedeu em tudo!

Essa é a nossa experiência, Sr. Ministro Jorge Lacão, e é a nossa preocupação.

Registamos para memória futura do processo de revisão constitucional o que aqui nos disse em defesa do Estado social, em defesa dos valores constitucionais que enformam o nosso Estado social, registamos o que aqui acaba de dizer em nome do Partido Socialista. Mas também nos lembramos de o Presidente do PSD, ontem mesmo, na conferência de imprensa em que apresentou o projecto de revisão constitucional, ter dito que o Partido Socialista não precisava de estar preocupado, que esta não era uma proposta contra o Partido Socialista e que o Partido Socialista, mesmo com estas propostas do PSD, poderia prosseguir a sua política.

Percebemos isso, percebemos isso!

Efectivamente, estas divergências — esta vozearia, como já foi dito — entre o PS e o PSD, em matéria de revisão constitucional, escondem efectivamente, as reais convergências entre ambos os partidos, em matéria de políticas sociais.

Este projecto de revisão constitucional do PSD é conveniente para ambos, porque permite simular divergências virtuais para esconder aquelas que são as convergências reais entre ambos os partidos.

Porque, Sr. Ministro Jorge Lacão, como é que pode dizer que este Governo do Partido Socialista defende o Estado social quando é responsável pelo encerramento de 700 escolas, depois de ter encerrado mais de 3000 escolas na legislatura anterior?!

Como é que pode dizer que defende o Estado social quando precisamente corta nas prestações sociais às camadas sociais mais desfavorecidas?!
Como é que pode dizer que defende o Estado social quando o Governo do Partido Socialista ultrapassou pela direita aquele que era o Código do Trabalho de Bagão Félix?!

E como é que dizer pode que defende o Estado social num País onde há trabalhadores que são despedidos por sms?!

Sr. Ministro Jorge Lacão, quer dizer-nos como um Governo que consente numa situação destas que pode afirmar defender o Estado social?!

Como é que é possível um Governo que reduz uma comparticipação nos medicamentos que vai precisamente afectar as camadas sociais mais desfavorecidas dizer que defende o Estado social?!

Um Governo que é responsável por o aumento das desigualdades sociais reconhecido por todos, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres são cada vez e são cada vez mais pobres e onde se acentua o fosso entre os mais ricos e os mais pobres?!

Sr. Ministro Jorge Lacão, o discurso do Partido Socialista em defesa do Estado social é um discurso muito bonito. Mas o que é preciso reconhecer é que, na política levada a cabo pelo Governo do Partido Socialista, não há um único resquício de defesa do Estado social, e é isso que, efectivamente, tem de ser dito.

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