Projecto de Resolução N.º 1169/XII/4.ª

Reversão dos Acordos Estabelecidos entre o Governo e a União das Misericórdias Portuguesas para a Transferência dos Hospitais de Anadia, Fafe e Serpa para as Misericórdias

Reversão dos Acordos Estabelecidos entre o Governo e a União das Misericórdias Portuguesas para a Transferência dos Hospitais de Anadia, Fafe e Serpa para as Misericórdias

I

O Governo PSD/ CDS-PP tem, ao longo destes três anos, procedido à reorganização da rede hospitalar. Uma reorganização da rede hospitalar não para melhorar a prestação de cuidados hospitalares aos utentes mas assente numa matriz economicista. A intenção é clara, pretende reduzir e concentrar serviços, para reduzir despesa.

A par deste processo de reorganização hospitalar, o executivo tem levado a cabo uma progressiva e expressiva transferência da prestação de cuidados de saúde do setor público para o setor privado. Esta transferência tem ganho corpo, quer por via da consolidação das Parcerias Público Privadas já existentes, quer por via da criação de duas novas PPP (Centro de Reabilitação do Sul, e do Hospital Lisboa Oriental), tal como está plasmado no Orçamento do Estado para 2015, quer, ainda, por via da transferência de montantes avultados, através dos pagamentos da ADSE e de outros subsistemas de saúde, para os grandes grupos económicos do setor da saúde.

Os processos de reorganização da rede hospitalar e da transferência da prestação dos cuidados de saúde do setor público para o setor privado inserem-se numa estratégia global do atual e de anteriores governos tendente a esvaziar e desmantelar o Serviço Nacional de Saúde saído da Revolução de Abril de 1974.
Concorre, também, para o desmantelamento do SNS o Decreto – Lei nº 138/2013, de 9 de outubro, que “estabelece o regime de devolução dos hospitais das misericórdias (…) que foram integrados em 1974 no setor público e que atualmente estão geridos por estabelecimentos ou serviços do Serviço Nacional de Saúde.”

A materialização desta forma de desmantelamento consumou-se com a assinatura do acordo, no dia 14 de novembro, entre o Governo e a União das Misericórdias Portuguesas para a transferência dos Hospitais de Anadia, Fafe e Serpa. Estes são os primeiros a serem transferidos, mas, podem seguir-se outros. Recorde-se que, mesmo antes da publicação da legislação que regula o processo de devolução, já se falava da transferência de 15 hospitais, de entre os quais, o Hospital de Santo António no Porto, do Montijo, da Régua, da Póvoa de Varzim, da Vila do Conde, de Barcelos, de Vila Nova de Famalicão, de Valongo, de Cantanhede, e os agora devolvido Anadia, Fafe, Anadia e Serpa.
II
Os hospitais de Anadia, Serpa e Fafe, entre outros, passaram para a gestão pública, por um processo de “nacionalização” após o 25 de Abril, sob o primado da criação de um serviço público de saúde universal e com cobertura nacional, ficando o Estado a pagar rendas às respetivas Misericórdias. A integração dos hospitais centrais e distritais administrados pelas Misericórdias foi oficializado por via do Decreto- Lei nº 704/74, de 7 de dezembro. Tendo, ao longo dos anos, o referido decreto sofrido alterações.

Quando, em 1974, se procedeu à integração destes hospitais nos serviços hospitalares oficiais, muitas das instalações encontravam-se em elevado estado de degradação e com equipamentos obsoletos, o que obrigou o Estado a proceder a requalificações, ampliações e a adquirir equipamentos tecnologicamente mais avançados para providenciar a prestação de cuidados de saúde de qualidade. Tais intervenções implicaram um investimento público de largos milhões, suportado por dinheiros públicos, para benefício da saúde dos utentes.
Por opções políticas e ideológicas de sucessivos governos, o Serviço Nacional de Saúde tem sido alvo de permanentes investidas tendentes a fragilizá-lo e desmantelá-lo como resposta universal, geral e gratuita. É, assim neste contexto, que se insere este processo de devolução destes três hospitais para as misericórdias.

De acordo com a consulta do sítio eletrónico do Hospital José Luciano de Castro, em Anadia, esta unidade de saúde beneficiou, entre 1992 e 2002, de um conjunto muito significativo de obras de beneficiação e de remodelação que abarcaram todos os serviços e valências. Como é afirmado e reconhecido “as sucessivas obras vieram melhorar as instalações no sentido de garantir uma maior comodidade e privacidade do doente, bem como melhorar as condições de trabalho para os profissionais que aqui desenvolvem as suas actividades.” É, ainda, mencionado que “as beneficiações das estruturas arquitectónicas foram acompanhadas pelo melhoramento do nível técnico dos equipamento e apetrechamento técnico dos trabalhadores, permitindo também uma relação mais humanizada e de maior segurança e satisfação, tanto dos doentes como dos trabalhadores.”

Pese embora todos estes investimentos, o Hospital da Anadia foi sujeito a um processo de esvaziamento na prestação de cuidados de saúde. Processo que se iniciou em 2008 com o encerramento do serviço de urgência e a reconversão do serviço de Medicina numa unidade de convalescença integrando a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

Presentemente, e, ainda, de acordo com a informação do sítio eletrónico, o Hospital José Luciano de Castro presta cuidados de saúde ao nível do ambulatório, bloco operatório, consulta externa, hospital de dia, cirurgia, unidade de convalescença e unidade de cuidados paliativos. Mas, podia, ter mais respostas e mais serviços fosse esse o entendimento do atual do Governo.

O encerramento de serviços e valências causou e continua a causar sérias perturbações às populações, as quais são obrigadas a percorrer vários quilómetros para ter uma consulta de urgência. O concelho de Anadia só tem serviço de urgência que é prestado pelo centro de saúde local, o qual funciona até às 24 horas. Situações de urgência que ocorram para lá das 24 horas e até às 8 horas do dia seguinte terão que ser encaminhadas para a Mealhada e, as situações mais complexas para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra que fica a 30 quilómetros de Anadia.

Apesar de sucessivas perdas de serviços, o Hospital de Anadia presta, graças ao profissionalismo dos seus profissionais, um excelente serviço de proximidade.

O Hospital de S. José, em Fafe, presta cuidados, diretamente, às populações dos concelhos de Fafe, Celorico de Basto e Cabeceiras de Basto.

O Hospital de Fafe, que a população e os seus representantes têm vindo a defender, tem sido vítima de um esvaziamento paulatino e não viu construída uma nova unidade, conforme prometido e acertado com a Câmara Municipal que, inclusivamente, disponibilizou um terreno que o Ministério da Saúde aprovou.

O Hospital de S. José começou a ser esvaziado de serviços e valências com a decisão tomada, pelo então governo PS, de encerramento do serviço de urgência geral transferindo-o para o Hospital Nossa Senhora de Oliveira em Guimarães e com a criação de um serviço de urgência básico. Após este encerramento seguiram-se várias tentativas de fecho de outros serviços, nomeadamente o de ortopedia.

A integração no Centro Hospitalar do Alto Ave, em 2007, foi feita com o pretexto de garantir uma gestão integrada e mais eficiente mas o que sucedeu foi a redução contínua de valências e a degradação da resposta na prestação de cuidados de saúde. Em 2008 houve nova tentativa, por parte do Governo PS, de encerrar as urgências, o que motivou uma petição popular debatida na AR. Nos últimos meses, por duas vezes, o hospital encerrou o serviço de cirurgia e de urgência por falta de profissionais, naquilo que é a evidência do desinvestimento por parte do atual Governo.

Acresce que o serviço de Urgências do Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães está já sobrelotado, com problemas de resposta que têm sido assinalados até por deputados da maioria que apoia o Governo. Altino Bessa chegou mesmo a qualificar, em 2010, a situação de “degradante”.

Segundo o sítio eletrónico do Centro Hospitalar do Alto Ave, o Hospital de Fafe com uma capacidade para 100 camas, possui as valências de medicina interna, medicina física e de reabilitação, patologia clínica e imagiologia e hemodiálise. Possui, ainda, serviço de internamento, cirurgia de ambulatório, consulta externa e unidade de convalescença.

Processo idêntico aos que atrás descrevemos sucedeu com o Hospital de S. Paulo, em Serpa. Assim, de acordo com a informação enviada pelo Governo, em maio de 2012, ao pedido de informação da Comissão Parlamentar da Saúde no âmbito da elaboração do relatório sobre a Petição nº 71/XII/1ª e às diversas perguntas que o Grupo Parlamentar do PCP colocou, o processo de esvaziamento iniciou-se em 2008 com o encerramento das consultas de cirurgia e ortopedia. Em 2009, por altura da constituição da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.E, o Hospital de S. Paulo dispunha de serviço de internamento nas valências clínicas de medicina e cirurgia, bloco operatório. Depois da integração na ULS do Baixo Alentejo, o Hospital de Serpa perdeu estas valências, sendo que o processo culminou, em outubro de 2011, com o fecho do serviço de laboratório e análises clínicas.

O processo de esvaziamento do Hospital de Serpa não se restringe às datas e aos factos acima evocados. Após o encerramento do internamento de cirurgia, este foi reconvertido em internamento de medicina, mas a partir de 2007, o internamento de medicina foi transformado para dar lugar à Unidade de Convalescença.
De momento, o hospital de Serpa dispõe apenas de dois serviços de internamento, a Unidade de Convalescença (criada em 2007) e a Unidade de Cuidados Paliativos (constituída em 2009). Dispõe, ainda, de uma Unidade de Fisioterapia que funciona em articulação com o hospital mas em edifício da Unidade Local de Saúde e não da Misericórdia. No edifício do Hospital de Serpa funciona o Serviço de Atendimento Permanente em articulação com o Centro de Saúde, sendo que aguarda, desde a publicação do Despacho n.º 5414/2008 do Ministério da Saúde e que “Define e classifica os serviços de urgência que constituem os pontos da rede de referenciação urgência/emergência”, pela instalação de um Serviço de Urgência Básica.

Os diferentes Governos sustentam que o processo de desmantelamento do Hospital de Serpa e, especialmente do bloco operatório, se deveu ao não cumprimento de requisitos de ordem técnica e à falta de profissionais de saúde, mormente, de médicos. Se houvesse vontade política e, se a opção fosse de manter e preservar o Serviço Nacional de Saúde e a resposta em Serpa, o que os sucessivos Governos e, particularmente o atual, teriam feito era providenciar a correção das insuficiências técnicas, requalificar o bloco operatório e contratar os médicos em falta. Mas não foi esse o entendimento dos governos, pois estes factos foram aproveitados para desqualificar e encerrar serviços e valências e, desta feita prejudicar a prestação de cuidados de saúde e penalizaras populações servidas por este hospital.

De acordo com informações que nos chegaram, nomeadamente no caso de Fafe e Serpa, o processo de transferência implica o reforço de serviços e valências que atualmente não são prestadas por estas unidades hospitalares.

O PCP entende que, caso isso ocorra, este reforço de serviços só pode ser entendido como o processo de valorização dos serviços prestados pelos privados, uma vez que a história, quer do Hospital de Fafe, quer do Hospital de Serpa tem, ao longo dos anos e dos sucessivos governos, sido marcada pelo esvaziamento de serviços e valências, como já o demonstramos.
Outra questão importante envolvida neste processo de devolução dos hospitais às misericórdias refere-se aos profissionais de saúde que exercem nos hospitais de Anadia, Fafe e Serpa. Não está clara a garantia de que os profissionais têm os seus direitos sociais e laborais salvaguardados.

Neste processo de devolução, o Governo está a transferir equipamentos que durante anos foram alvos de investimentos públicos e que agora deixam de fazer parte do património público, o que não constitui uma forma de salvaguarda daquilo que é de todos nós.

Por fim, não podemos deixar de mencionar que todo este processo foi feito nas costas das populações, dos utentes e dos profissionais.

III
Entende o PCP que, na prática, o processo de devolução dos hospitais para as misericórdias constituiu um processo de privatização encapotado, na medida em que deixam de ser geridos por uma entidade exclusivamente pública, para serem geridos por entidades privadas, pese embora sejam de solidariedade social.

Entende, igualmente, o PCP que a decisão concretizada de transferência dos hospitais de Anadia, Fafe e Serpa para as misericórdias ocorre num momento em que está clara alguma incapacidade para lidar com um problema grave de saúde pública, pelo que o que se justificava era anunciar um conjunto de medidas de reforço da capacidade do SNS e não medidas que o visam fragilizar ainda mais. Isto é, num momento em que deveria estar a ser reforçada a resposta do Serviço Nacional de Saúde mediante a contratação de profissionais em falta, de mais investimento em equipamentos e meios materiais para prestar cuidados de saúde de qualidade, o que assistimos é exatamente ao inverso, ou seja, o Governo aposta fortemente no desinvestimento, desmantelamento e na destruição do SNS.

Apesar de toda a propaganda e mistificação do Governo sobre a melhoria da prestação de cuidados de saúde de proximidade, não está claro que este processo não crie ainda mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde para as populações, assim como não estão garantidos os postos de trabalho e os direitos dos trabalhadores.

O direito à saúde só é garantido na íntegra a todos os utentes, quando é assumido diretamente por estabelecimentos públicos de saúde integrados no SNS.

No nosso entendimento só a gestão pública dos hospitais integrados no SNS cumpre os princípios constitucionais, nomeadamente, a universalidade e a qualidade dos cuidados de saúde, independentemente das condições sociais e económicas dos utentes. Neste sentido o PCP propõe que estes hospitais se mantenham sob gestão pública, integrados no SNS, para assegurar o direito à saúde para todos os utentes.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1. Revogue os acordos estabelecidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 138/2013, de 9 de outubro, nomeadamente, os já celebrados com a União das Misericórdias Portuguesas relativos aos Hospitais de Anadia, Fafe e Serpa.

2. Proceda, no prazo máximo de 30 dias, à identificação das condições necessárias à manutenção dos serviços e valências dos hospitais de Anadia, de Fafe e de Serpa no SNS.

3. Mantenha sob gestão pública e integrados no SNS os hospitais, cujo edificado é da propriedade das Misericórdias.

4. Que os hospitais mantenham todas as valências que atualmente asseguram e eventualmente possam vir a ser reforçadas face às necessidades da prestação de cuidados de saúde às populações.

Palácio de São Bento, em 4 de dezembro de 2014

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Saúde
  • Assembleia da República