Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"O responsável pela desestabilização e o conflito na TAP é o governo"

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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Há pouco, ao ouvi-lo falar da dívida, eu, que ando aqui há mais de 30 anos, julgava que já tinha ouvido tudo, que já tinha assistido a todos os exercícios de retórica, de demonstração que 2 + 2 não são 4. Mas, ao ouvir a sua acusação fundada de que o Partido Socialista, durante o seu Governo, tornou a dívida insustentável, fiquei abismado. Mas, entretanto, a dívida, com o seu Governo, aumentou, o serviço da dívida aumentou. É caso para dizer: «Diz o roto ao nu, por que não te vestes tu!». Mas enfim…!
Há uma questão que gostava de lhe colocar. Disse-lhe, há pouco, que não era verdade que estava proibido de recapitalizar a TAP. O Sr. Primeiro-Ministro nunca perguntou à União Europeia, nunca procurou saber. Os Deputados comunistas ao Parlamento Europeu quiseram saber e a resposta foi clara.
Em primeiro lugar, o Governo não contactou a União Europeia para essa questão.
Em segundo lugar, informou que, no processo de recapitalização das empresas dos países da União Europeia, em 15 anos foram despachados 11 processos de recapitalização.
Dou-lhe só quatro exemplos, para registar: a Alitalia recebeu 766 milhões de euros; a Malev recebeu 145 milhões; na Polónia, a LOT recebeu 200 milhões; e por aí adiante.
Sr. Primeiro-Ministro, gostaria de colocar esta questão: se a União Europeia nos impuser que não podemos recapitalizar a TAP, somos obrigados a fazê-lo? É o mesmo que se ela nos impuser que nos atiremos da ponte sobre o Tejo abaixo. Somos obrigados a fazê-lo?! Por razões da nossa soberania, da nossa afirmação soberana como país, não temos o direito de salvar, de recapitalizar uma empresa fundamental para a nossa economia?!
Mas, em relação à questão da TAP e àquilo que disse, Sr. Primeiro-Ministro, assuma. Quem é o responsável pela desestabilização e pelo conflito é o Governo, no momento em que anunciou a privatização da TAP.
Este é um problema de fundo que se coloca.
Por isso mesmo, não venha com a greve dos pilotos, independentemente do juízo crítico que podemos, e devemos, fazer em relação a alguns dos objetivos que animam essa greve. Mas, se acabasse a greve, o senhor abdicaria da privatização? Claro que não! E aqui está a questão de fundo. É que os trabalhadores têm experiência do que aconteceu a outras empresas de bandeira aqui, na União Europeia, em que os grandes grupos económicos afundaram essas mesmas empresas, deixando atrás de si um rasto de desemprego e de miséria. E a experiência dos outros ensina-nos. Esta preocupação dos trabalhadores da TAP é legítima e fundada!
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, o problema de fundo é esta fúria privatizadora. Há quem lhe chame «fanatismo ideológico», mas não é bem, considero que é mais por opção política de fundo. Foi a ANA, foram os CTT, foi a PT, foi o resto da EDP, agora querem a água, querem os resíduos sólidos, querem os transportes, querem a privatização até, imaginem, do Oceanário. Mas por que carga de água o Oceanário?! Não me diga que é por causa de 1 milhão de euros de lucro que deu, Sr. Primeiro-Ministro?!
Para terminar, Sr. Primeiro-Ministro, qualquer dia ainda vamos ver uma placa na Torre dos Clérigos ou na Torre de Belém a dizer «Vende-se!» Assina: o Governo PSD/CDS-PP.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Foi pena não ter citado o exemplo da privatização da Iberia e todas as consequências de despedimento, de encerramento, por uma chamada «falsa reestruturação». Nós defendemos, de facto, a recapitalização numa perspetiva de desenvolvimento da própria empresa. Aliás, vamos apresentar aqui, na Assembleia da República, uma iniciativa nesse sentido, porque continuamos a considerar que o País precisa da TAP pública, nacionalizada, uma empresa de bandeira que sirva os interesses nacionais.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, queria colocar-lhe uma questão. Tenho dito, sistematicamente, que este Governo é um governo de dois pesos e duas medidas. A verdade é que, em relação aos poderosos, há sempre dinheiro disponível. Ainda recentemente, em termos de isenção, de perdão de impostos e de emolumentos, deu ao Novo Banco 85 milhões de euros. Explique porquê, Sr. Primeiro-Ministro. Então, aqui já não há dificuldades? Então, por que é que não há dinheiro para devolver os salários aos trabalhadores, para devolver o que foi roubado nas reformas e nas pensões? Então, isso não dá dois pesos e duas medidas?
Por isso mesmo, por os senhores não terem a dimensão da política desgraçada que estão a fazer, permita-me que lhe fale de uma exposição que acabámos de receber no grupo parlamentar, uma exposição assinada por 56 secretários e secretárias, imagine!, dos membros do Governo — e não vou mostrar-lhe a lista para não haver nenhuma retaliação.
De qualquer forma, queria dizer-lhe que, quando se chega a este ponto, Sr. Primeiro-Ministro, é não ter a dimensão do isolamento social e da derrota que vão sofrer, tendo em conta esta política que estão a realizar, atingindo sempre os mesmos, os do costume: quem trabalha, ou quem trabalhou, mantendo intocável e reforçando o poder dos poderosos.
É por isso, Sr. Primeiro-Ministro, que consideramos que este Governo, porque tem os dias contados,…
O teor da exposição? São trabalhadores e trabalhadoras que foram profundamente discriminados, porque lhes garantiram que o corte no salário era temporário e, afinal, continuam com o corte e continuam a ser discriminados em relação a outros setores. Quer esta informação? Objetivamente, é isso que diz a exposição.
De qualquer forma, Sr. Primeiro-Ministro, quando, ouvindo as suas bancadas e ouvindo o seu discurso, não percebe a realidade em que se move, isso é terrível. Sabe porquê? É que, um dia, quando perceber, vai ser responsabilizado, mesmo já não sendo Primeiro-Ministro, por aquilo que está a fazer com as privatizações, por aquilo que está a fazer aos direitos de quem trabalha, por aquilo que está a fazer aos salários, às reformas e às pensões, por aquilo que está a fazer ao nosso País. Não pense que, com o fim do seu mandato, se livra dessa desresponsabilização, porque os senhores estão a tentar impedir que Portugal tenha futuro.

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