O regime de contratação e ingresso na carreira dos professores do ensino básico e ensino secundário é realizado de acordo com as normas previstas no Estatuto da Carreira Docente (ECD) e no regime de recrutamento e mobilidade de pessoal docente dos ensinos básicos e secundário.
As vagas nas escolas são supridas com professores que estão na carreira e professores contratados anualmente (durante décadas), através dos diversos mecanismos previstos naquela legislação. Estas vagas são estabelecidas em horários que, quer nos professores de carreira quer nos professores contratados, podem ser em horários completos e incompletos.
Dispõe o número 1 do artigo 76.º do ECD que “o pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço” e que “o horário semanal dos docentes integra uma componente letiva e uma componente não letiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho”. Dispõe ainda o número 3 que, no horário de trabalho docente, é obrigatoriamente registada a totalidade das horas correspondentes à duração da respetiva prestação semanal de trabalho, com exceção da componente não letiva destinada a trabalho individual e da participação em reuniões de natureza pedagógica.
Já o artigo 77.º refere que a “componente letiva do pessoal docente da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico é de 25 horas semanais”, sendo que a componente letiva do pessoal docente nos restantes ciclos e níveis de ensino incluindo a educação especial, é de 22 horas semanais. A componente letiva corresponde ao número de horas lecionadas pelo docente e abrange todo o trabalho com a turma ou grupo de alunos durante o período de lecionação da disciplina ou área curricular não disciplinar. É assim que se estrutura o horário docente, nomeadamente, o do professor contratado.
Quanto ao professor contratado, o seu horário corresponde ao número de horas a que a vaga se compunha, que pode ser variável.
Importa ainda esclarecer que se considera componente não letiva a realização de trabalho a nível individual e a prestação de trabalho a nível do estabelecimento de educação ou de ensino. Diz o número 2 do artigo 82.º do ECD que “o trabalho a nível individual pode compreender, para além da preparação das aulas e da avaliação do processo ensino-aprendizagem, a elaboração de estudos e trabalhos de investigação de natureza pedagógica ou cientifico-pedagógica”. Enquanto o “trabalho a nível do estabelecimento de educação ou de ensino deve ser desenvolvido sobre a orientação das respetivas estruturas pedagógicas intermédias com o objetivo de contribuir para a realização do projeto educativo da escola”.
São já muitos os anos erradamente contabilizados pelos serviços de segurança social aos professores contratados em horário incompleto, quer pela incorreta informação por parte dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas do horário do professor e dos dias de serviço, quer pelo facto de se considerar que o docente é contratado a tempo parcial e, assim sendo, contabilizado o tempo de trabalho para aqueles docentes de acordo com o previsto nos números 3 e 4 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, que procede à regulamentação do código dos regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
Naquele Decreto Regulamentar é referido que “nos casos em que a atividade corresponda a um mínimo de seis horas de trabalho diário e se reporte a todos os dias do mês, o tempo declarado corresponde a 30 dias”. Já nas “situações de trabalho a tempo parcial (…), é declarado um dia de trabalho por cada conjunto de seis horas”. Nos casos “em que o número de horas de trabalho excedente de múltiplos de seis, for igual a três ou inferior é declarado meio dia de trabalho e, nos restantes casos, mais um dia, com o limite máximo de 30 dias por mês. “
O primeiro problema surge quando os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas não consideram, para efeitos de declaração de tempo de trabalho, a componente não letiva prestada pelo professor, mas apenas a componente letiva, o que além de não respeitar o previsto na lei, já que o horário docente é composto pelas duas componentes como já foi explanado, leva a uma redução efetiva do número de horas declaradas e assim menos dias contabilizados.
De referir que o PCP já defendeu por diversas vezes a clarificação dos conteúdos a integrar nas componentes letiva e não letiva. Esta indefinição contribui, em muito, para gerar abusos de interpretação e, por essa via, aumentar a injustiça e o desgaste destes trabalhadores. Apresentámos neste sentido, o Projeto de Resolução n.º 873/XIII que defendia, através de regulamentação, uma clarificação do que deverá ser integrado na componente letiva e na componente não letiva, seja de estabelecimento ou individual dos horários dos docentes, respeitando o previsto no Estatuto da Carreira Docente, que foi aprovado, embora com o voto contra do PS.
Acresce a isto a consideração dos agrupamentos de escolas que os docentes contratados são contratados a tempo parcial, e não a termo resolutivo, e não transmitem aos serviços de segurança social os 30 dias de trabalho dos docentes. Ora, a noção de trabalho a tempo parcial surge regulamentada nos artigos 150.º a 157.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de dezembro, e de modo algum aos contratos dos docentes em horário incompletos pode ser aplicada a noção de trabalho a tempo parcial, dado que o artigo do 150.º da mesma lei prevê que “o trabalho a tempo parcial pode ser prestado apenas em alguns dias por semana, por mês ou por anos, devendo o número de dias de trabalho ser estabelecido por acordo”. O serviço docente não resulta de um acordo entre as partes, nomeadamente o docente e o diretor. O docente é contratado por 30 dias, e segundo um determinado horário. Assim, em caso algum se pode aplicar o previsto nos números 2 e 4 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro.
Importa ainda referir que, num contrato de trabalho para um horário incompleto, a remuneração é inferior à de um contrato com maior número de horas de trabalho, sendo assim também proporcionais os descontos para a fins de proteção social, em valor, mas não em dias de trabalho.
O segundo problema surge, e a questão já terá sido levantada pela Provedoria da Justiça, com o facto de que a fórmula de cálculo constante nos números 2 e 4 do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, tem como pressuposto uma duração semanal a tempo completo de 40 horas semanais. Assim, e “quando aplicada a um trabalhador vinculado a tempo parcial (e sendo de 40 horas o período normal de trabalho semanal praticado a tempo completo em situação comparável), a fórmula revela-se justa e proporcionada. Assim, a um trabalhador a meio tempo, ou seja, que pratique um período semanal de trabalho correspondente a 50% do desempenhado a tempo completo, são apurados 15 dias de trabalho”. Contudo, “quando a duração de trabalho semanal a tempo completo corresponda a 35 horas, o trabalhador a meio tempo vê declarados menos de 15 dias de trabalho, isto é, período inferior a metade do declarado a tempo completo.” O mesmo sucederá com qualquer outra situação a tempo parcial. Há desta forma uma “diferenciação de tratamento baseada na duração semanal do período de trabalho a tempo completo comparável, sendo o regime mais favorável se este período for de 40 horas do que se corresponder a 35 horas.”
A valorização do trabalho e dos trabalhadores é um eixo essencial de uma política alternativa, objeto e condição do desenvolvimento e do progresso social e foi nesse sentido que o PCP, reafirmando como eixo fundamental de uma política patriótica e de esquerda a valorização do trabalho e dos trabalhadores, dando corpo ao seu compromisso para com a luta dos trabalhadores e elevação das suas condições de vida, propôs a reposição do período normal de trabalho para as 35 horas semanais para os trabalhadores em funções públicas. Assim, para o PCP, torna-se assim necessária a correção ou a criação de mecanismos que levem a que estes docentes não sejam prejudicados pelo facto de a fórmula de cálculo do tempo de trabalho não seja adequada para calcular horários semanais de 35 horas.
De salientar ainda que a contabilização de todo o tempo de trabalho é fator essencial no acesso a prestações sociais, nomeadamente por via da formação dos respetivos prazos de garantia, e no montante de tais prestações. O facto de aos professores estar apenas a ser contabilizado a componente letiva, como fossem contratados a tempo parcial, leva a que muitos docentes não acedam às mais diversas prestações sociais, tal como o subsídio de desemprego, devido ao não cumprimento do prazo de garantia.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:
1 – Informe os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas que o tempo de trabalho a declarar aos serviços de segurança social não poderá ser contabilizado de acordo com o previsto no artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, nomeadamente ao facto de aos professores não se aplicar a contratação tempo parcial como definido na Lei n.º 7/2009, de 12 de dezembro;
2 – Considere, para efeitos de cálculo de tempos de trabalho para a segurança social, a componente letiva e a componente não letiva dos docentes a tempo parcial, ou seja, com horário incompleto;
3 – Tome todas as medidas necessárias, incluindo, se necessário, a alteração ao Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, no sentido de adequar a fórmula para que respeite os horários semanais de 35 horas, eliminando assim a diferenciação de tratamento entre trabalhadores cujo tempo de trabalho seja de 35 horas ou de 40 horas;
4 – Proceda a todas as diligências necessárias para corrigir os prejuízos causados aos docentes que viram o seu tempo de serviço erroneamente contabilizado por não ser considerada a componente não letiva e/ou por aplicação do artigo 16.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro.
Assembleia da República, 18 de julho de 2018