O V Congresso do PCP aprovou os primeiros Estatutos na clandestinidade e reconheceu o direito dos povos das ex-colónias à autodeterminação e independência.
A década de 50 foi particularmente dura para o PCP, que se viu privado de alguns dos seus mais destacados dirigentes, desde logo os quatro membros do Secretariado eleito na sequência do IV Congresso, em 1946: Álvaro Cunhal esteve preso entre 1949 e 1960 (quando se evadiu de Peniche); Militão Ribeiro, preso com Álvaro Cunhal, foi assassinado na Penitenciária de Lisboa poucos meses depois; Manuel Guedes foi preso em Maio de 1952 e só saiu da prisão em 1965; e José Gregório, gravemente doente, encontrava-se já em tratamento na Checoslováquia (onde acabaria por morrer) aquando da realização do V Congresso.
A própria situação interna do País alterou-se profundamente entre o IV e o V congressos do PCP. O primeiro teve lugar num momento favorável às forças da democracia, do progresso e do socialismo, decorrentes da derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial e do prestígio com que saíram do conflito a URSS e os partidos comunistas e operários. Esse factor, associado ao impetuoso reforço do PCP e dos movimentos de unidade antifascista, obrigaram a ditadura a recuar.
A partir do final da década, a situação era já profundamente diferente. O fascismo português tinha já sido «recuperado» pelos EUA, que – no quadro da Guerra Friaque impunha aos povos do mundo – colocou Portugal na NATO, favorecendo a sua recomposição interna. A divisão das forças democráticas que a nova situação internacional favorecia (e que o fascismo procurou, com algum êxito, socavar) permitiu à ditadura concentrar a repressão no PCP e restringir o campo de acção da oposição.
Méritos históricos
O V Congresso, realizado em Setembro de 1957, «ficou assinalado – refere Álvaro Cunhal – pela aprovação dos Estatutos do Partido, os primeiros Estatutos do Partido aprovados na clandestinidade. Isto significou um esforço de normalização, o estabelecimento de normas, de regras, regras conhecidas e respeitadas de funcionamento do Partido, que anteriormente eram definidas com certo primitivismo. […]. O V Congresso teve o mérito de traduzir os princípios em normas estatutárias. Outro importante momento dos trabalhos do V Congresso foi, também pela primeira vez, em 1957, portanto numa data um pouco antes do desenvolvimento da luta de libertação dos povos das colónias portuguesas, a declaração do reconhecimento aos povos das colónias portuguesas do direito à imediata autodeterminação e independência […]» (Duas Intervenções numa Reunião de Quadros, Edições Avante!, p. 29).
No V Congresso discutiu-se a fundo o problema colonial e afirmou-se a exigência de «completa e imediata» independência das colónias portuguesas, assumindo-se ainda a disposição do Partido em apoiar a formação de organizações capazes de travar a luta pela emancipação nacional e social dos povos africanos sujeitos ao colonialismo português. Pouco tempo depois, em Fevereiro de 1961, dava-se o levantamento armado em Angola, sob a direcção do MPLA, que o PCP apoia. Em Julho do ano seguinte, Agostinho Neto, presidente do MPLA, sai de Portugal e junta-se aos combatentes angolanos, com o apoio e envolvimento directo da direcção do PCP.
Em Fevereiro de 1961, o Avante! noticia: «o povo de Angola inicia a luta armada pela sua independência.»
Questão fundamental
No relatório «Sobre o Problema das Colónias», apresentado no V Congresso, Jaime Serra sustenta a proposta de «reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias portuguesas de África à imediata e completa independência» na premissa – que se revelou justa – de que estariam já então criadas as condições para que esses povos conquistassem a liberdade independentemente das modificações que se pudessem operar na situação política de Portugal. Em 1965, no VI Congresso, o reconhecimento do direito à independência das colónias passa a figurar no Programa do PCP aí aprovado como um dos objectivos fundamentais da Revolução Democrática e Nacional.
O PCP já se tinha pronunciado sobre o problema colonial antes do V Congresso: logo nos primeiros anos de existência do Partido, denunciou a repressão que se abatia então sobre são-tomenses e angolanos; no III Congresso, em 1943, afirmou o direito dos povos das colónias a «constituírem-se em estados independentes»; no IV Congresso defendeu a «ajuda fraterna do povo português aos povos das colónias» através da «criação de núcleos partidários nas colónias portuguesas», tendo como objectivo principal a «organização dos povos indígenas e a sua movimentação na defesa dos seus interesses».
O V Congresso foi também o primeiro a receber saudações de outros partidos comunistas e operários, reflectindo a ligação efectiva ao Movimento Comunista Internacional após o restabelecimento das relações em 1947.
Vias e lutas
O V Congresso ficou também marcado pela «solução pacífica do problema político português», como orientação estratégica para o derrubamento da ditadura fascista, posição que viria a ser caracterizada como desvio de direita, por se afastar do caminho traçado no IV Congresso para o derrubamento do fascismo – a via do levantamento nacional – e preconizar uma transição pacífica decorrente duma suposta auto-desagregação do regime.
Apesar desta orientação, e das suas consequências, que se fariam sentir sobretudo a médio prazo, o V Congresso expressou a vitalidade e influência do PCP e não deixou de ter efeitos positivos no papel decisivo que o Partido assumiu na candidatura presidencial de Arlindo Vicente (e depois na de Humberto Delgado) e nas lutas de massas contra a burla eleitoral – duas das maiores batalhas contra o fascismo.
Apesar dos golpes, dos recuos e também dos erros, o PCP continuou – antes e depois do V Congresso – a ser a vanguarda da luta dos trabalhadores e do povo.
Publicado no Jornal Avante!