Exposição de Motivos
A travessia fluvial do Rio Sado, entre Setúbal e Troia, tem uma importância indesmentível para as populações da região de Setúbal. Ao longo dos anos, uma situação de flagrante injustiça que tem vindo a penalizar estas populações é a política de autêntica negação de serviço público e de verdadeira inacessibilidade neste serviço.
Por esse mesmo motivo, têm sido sistematicamente afirmadas a exigência e a reivindicação, de plena justiça, de que este serviço de transporte fluvial seja novamente colocado ao serviço da população e não do interesse dos grupos económicos – e que seja efetivamente um fator de ligação e de acesso e não uma barreira de separação entre as margens.
O transporte público fluvial de passageiros e de veículos ligeiros e pesados de mercadorias no rio Sado encontra-se, desde 2005, concessionado pela APSS – Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra à Atlantic Ferries, Tráfego Local, Fluvial e Marítimo, SA, empresa do Grupo SONAE, que, entretanto, vendeu em 2025 a sua posição à Arrow Global.
Esta concessão de serviço público, contrariamente ao propalado objeto para que foi constituída – melhorar a mobilidade de pessoas bens e mercadorias entre margens – tem, desde o seu início, funcionado como um entrave à livre circulação e acesso das populações e à atividade económica na margem sul do rio Sado, em particular à zona das praias, onde predominam os interesses das atividades turísticas.
Estamos perante uma concessão que contrariamente ao objeto para que foi constituída – melhorar a mobilidade entre as duas margens – tem, desde o seu início, funcionado como um elemento limitador à livre circulação e acesso das populações e atividade económica entre as duas margens do rio Sado, em particular para quem trabalha na Península de Troia e no acesso à zona das praias, onde predominam os interesses das atividades turísticas, de entre outros grupos económicos, a SONAE detém os seus próprios interesses.
Elemento central para o desenvolvimento desta opção tem sido o constante aumento dos preços verificado no serviço transporte fluvial entre as duas margens. Como se pode verificar pelos preços praticados por esta empresa em que um bilhete passageiro simples 4,90 euros pelo bilhete no Catamarã, entre Setúbal e Troia, enquanto o preço para viagem análoga na Transtejo e Soflusa (TT/SL) custa 2,85 euros. O passe mensal custa na Atlantic Ferries 99,30 euros, ao passo que na TT/SL é válido o passe Navegante Metropolitano (que é aliás válido, não só para essas ligações fluviais, mas para todos os operadores de transportes da AML). A isto acresce a não existência de passes para idosos, ou não serem isentas as crianças até 12 anos, ou não existirem tarifas especiais para jovens.
Elemento ainda mais elucidativo da inaceitável situação que se verifica é que o programa “Incentiva+TP”, que veio suceder ao PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária, não tenha tido qualquer incidência nesta concessão e que o operador tenha ainda acabado com diversos títulos sociais anteriormente existentes para crianças e idosos.
Subjacente a esta proposta e esta reivindicação está também, não apenas um evidente propósito de justiça social e de qualidade de vida para as populações da região, mas desde logo o objetivo de proteção do ambiente e de conservação da natureza.
A defesa e a proteção da natureza são parte integrante da estratégia de desenvolvimento integrado que o PCP propõe para o distrito de Setúbal e para o País. No distrito de Setúbal, e nomeadamente na área envolvente do Parque Natural da Serra da Arrábida, há um vastíssimo património natural que importa proteger e conservar. A riqueza da região, o significado e importância dos seus valores e características únicas também mostram que é necessária uma intervenção do Estado, na fiscalização, regularização e renaturalização.
É assim urgente a inclusão da travessia fluvial entre Setúbal e Troia no passe social, assim como a reversão da concessão e a integração numa empresa pública, proposta que o PCP mais uma vez apresenta. Esta questão é da maior importância no que toca à coesão territorial, para promover o transporte público e a mobilidade das populações, mas também é determinante para assegurar o alívio da carga de visitação sobre as praias da Arrábida que se aproxima do incomportável.
Os problemas verificados com esta concessão ao longo do período da sua vigência são muitos e têm todos a mesma natureza, a contradição entre os propósitos e objetivos da detentora da concessão e o serviço público de transporte fluvial que lhe foi concessionado e que deve ser prestado as populações, são razões bastantes para que no imediato seja integrado no passe, e que no futuro esta concessão seja resgatada e passe a ser integrada num operador público.
Importa por isso que o Governo tome as medidas necessárias para que este serviço publico de transporte fluvial passe a estar integrado nos sistemas de passe social intermodal em vigor, nos termos adequados para garantir a acessibilidade das populações a este serviço.
Importa sublinhar alguns dos aspetos em que fica claro que é do interesse do Estado Português recuperar a posse desta concessão. Por um lado, ao nível do tarifário não foi acautelado no contrato de concessão o interesse público, ao deixar ao livre-arbítrio do concessionário quer tipo de títulos existentes, quer a fixação dos seus preços. Por outro lado, ao nível dos horários e frequências do serviço publico prestado às populações, o contrato não estabelece critérios rigorosos para a definição quer da amplitude horária do serviço, quer das frequências do serviço.
Recusar este caminho que propomos é prejudicar o ambiente, a qualidade de vida das populações e o funcionamento da economia nacional, é uma clara submissão aos interesses dos grupos económicos.
É indispensável uma rutura com a situação atual para permitir uma maior e melhor mobilidade, dando um forte contributo para a redução de emissões de carbono, poupanças de divisas e menor peso na balança de importação de combustíveis fósseis, com ganhos evidentes nas condições de vida das populações e na atividade económica.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve recomendar ao Governo que:
- Considere a concessão existente entre a APSS – Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra e a Atlantic Ferries, Tráfego Local, Fluvial e Marítimo, SA, empresa de transporte fluvial entre as margens do rio Sado, prejudicial para os utentes, os trabalhadores e o país.
- Resgate o contrato de concessão, por ausência de cumprimento do objeto contratual – melhorar a mobilidade das pessoas e bens entre margens do rio Sado, o que traria enormes benefícios para a Área Metropolitana de Lisboa e para o país, e que se proceda à sua integração do serviço na empresa do Sector Empresarial do Estado – TTSL – Transtejo Soflusa, S.A. – que opera na área Metropolitana de Lisboa.
- Assegure aos utentes o acesso imediato ao regime em vigor no Programa de Incentivo ao Transporte Público Coletivo de Passageiros “Incentiva+TP”, previsto no Decreto-Lei n.º 21/2024, de 19 de março, integrando o serviço público de transporte fluvial no rio Sado no passe social intermodal em funcionamento em toda a Área Metropolitana de Lisboa – Navegante e no passe regional em vigor no Alentejo Litoral.
- Integre os trabalhadores desta empresa, na empresa do Sector Empresarial do Estado que ficar com a concessão, sendo-lhes aplicada a Contratação Coletiva em vigor nas respetivas empresas com respeito pela antiguidade e direitos adquiridos.