Apreciação parlamentar do Decreto-lei n.º 73/2009, de 31 de Março, que «Aprova o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional e revoga o Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho»
(publicado no Diário da República n.º 63, I Série de 31 de Março)
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1.O solo agrícola é um bem fundamental, escasso, finito, apenas reprodutível e renovável no tempo dos milhares de anos, base indispensável da produção agro-alimentar, da sobrevivência da vida humana e também de todos os ecossistemas. Assim, necessita de ser preservado e reservado, salvo casos absolutamente excepcionais, para a sua função primordial: a produção agro-alimentar.
Apesar do Regime de Reserva Agrícola Nacional, criado em 1982 e revisto em 1989 (Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho) regulando a alteração para uso não agrícola de solos classificados para a actividade agrícola, o País foi sendo confrontado com uma significativa destruição de solos agrícolas, mesmo de primeira qualidade. Apesar da escassez nacional desse bem precioso, a generalidade de outros usos, mesmo quando havia alternativas, foi prevalecendo. A especulação imobiliária teve naturalmente um papel relevante nesses processos.
A título de exemplo, segundo um Relatório da Agência Europeia de Ambiente (2005) quase dois por cento de solos agrícolas do Algarve foram convertidos em superfícies artificiais entre 1990 e 2000, uma das maiores percentagens a nível europeu, alteração motivada pelo desenvolvimento do turismo.
Estas pressões sobre os solos agrícolas são fortemente potenciadas por políticas agrícolas responsáveis pela drástica e rápida redução da área agrícola aproveitada e explorada, com sustentabilidade económica e ambiental, pelo empobrecimento e desertificação do mundo rural, e o consequente e brutal agravamento do défice agro-alimentar. De 1989 a 2005 reduziu-se a Superfície Agrícola Utilizada em 8%. Nos últimos 7 anos desapareceram 92 mil explorações agrícolas e houve uma diminuição de 30% da população agrícola familiar.
O sobressalto nacional e mundial com a subida dos preços de bens agro-alimentares no primeiro semestre de 2008, deveria ter levado o poder político a uma rápida e consequente reflexão sobre o gravíssimo problema da destruição de solos agrícolas no País, base essencial do que deve ser um objectivo estratégico nacional: a soberania alimentar. O Governo PS, não tirou qualquer ilação, como demonstra com a publicação do Decreto-Lei n.º 73/2009 de 31 de Março que revê de cabo a rabo o regime jurídico da RAN.
2. O Decreto-Lei n.º 73/2009 concretiza um conjunto de alterações que vão viabilizar e facilitar uma mais célere destruição de solo agrícola, com outros usos, que deveriam apenas ser considerados em situações de extrema excepcionalidade e inexistência efectiva de alternativas de outros solos. O Decreto-Lei transforma em rotina simplificada o que deveria ser excepção: a alteração do uso de solo agrícola. Nomeadamente:
-permitindo a exclusão da RAN de áreas destinadas a actividades económicas, equipamentos, infra-estruturas e habitação por alterações e revisões de planos municipais de ordenamento do território, sem necessidade de qualquer supervisão/ratificação governamental;
-permitindo a incondicional florestação de solos agrícolas, através do subterfúgio legislativo da inclusão da "actividade florestal como integrante da actividade agrícola";
-estabelecendo uma simplificação de procedimentos, onde se destaca, num quadro de carência de meios técnicos e recursos humanos dos serviços, uma significativa redução de prazos (de 90 para 25 dias) e a admissão do deferimento tácito, no caso de incumprimento de prazos.
Se no contexto de legislação mais restritiva e limitadora pelo conteúdo e procedimentos, no caso o Decreto-Lei n.º 196/89 de 14 de Junho, se assistiu a uma evidente permissividade na redução da área de solo agrícola, é fácil prever o que acontecerá com o novo regime jurídico aprovado pelo Governo. Em vez de uma revisão que reforçasse a defesa dos solos agrícolas, o Governo avança com um Simplex para uma mais rápida desanexação, transformação e destruição dos solos agrícolas.
Acrescente-se como argumento para recusar tal legislação, o facto de um diploma com a natureza e tão fundas implicações no território, ambiente, agricultura, e na própria soberania nacional, ter sido elaborado sem qualquer audição de entidades como o CES (Conselho Económico e Social) e o CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), as associações ambientalistas (pese a RAN dizer respeito à Rede Fundamental de Conservação da Natureza) e os representantes dos que deveriam ter sido os primeiros interlocutores do Governo, os agricultores portugueses, através das suas confederações. Apenas foi ouvida, segundo o Preâmbulo do Decreto-Lei, a Associação Nacional dos Municípios.
3.Sendo clara a necessidade de uma revisão das normas estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 196/89 de 14 de Junho, e mesmo de aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação e valoração de interesses conflituantes, no escrutínio de interesses públicos diversos e quantas vezes contraditórios, tal só deveria acontecer após um balanço profundo da situação dos solos agrícolas nacionais, resultados da aplicação da legislação agora revogada e um debate público e nacional, alargado e crítico, que permitisse melhorar o instrumento fundamental de ordenamento do território, que é a RAN.
O Grupo Parlamentar do PCP e o Grupo Parlamentar do PEV:
Considerando que enquanto recurso de todos os portugueses, os solos com aptidão agrícola deverão continuar a ser reservados e a estar disponíveis para a actividade agrícola, na verdadeira acepção do conceito;
Considerando que só em situações absolutamente excepcionais, com a total ausência de alternativas e a relevância do interesse público, deve ser permitida a alteração do uso de solos agrícolas;
Considerando que o Decreto-Lei n.º 73/2009 de 31 de Março não cumpre tais desideratos, antes acelerará a delapidação desse recurso público e nacional, e insubstituível.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da república portuguesa e ainda do artigo 199.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP e do Grupo Parlamentar do PEV, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 73/2009 de 31 de Março, que «Aprova o Regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional e revoga o Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho», publicado Diário da República n.º 63, I Série de 31 de Março.
Assembleia da República, em 30 de Abril de 2009