Estavamos a 5 de Abril de 2011, e o PCP apresentava pela primeira vez ao país uma proposta de renegociação da dívida pública. Portugal tinha então já sofrido o impacto de longos meses de imposição dos chamados PEC's por parte do PS, registavam-se crescentes dificuldades no financiamento externo e a dívida pública encontrava-se em progressão galopante, representando na altura 96% do PIB. Dias depois, dar-se-ia o pedido formal de intervenção externa a partir do governo PS/Sócrates com o apoio do PSD e CDS, bem como do inevitável Presidente da República. Nesses dias conturbados, e que precederam a crise política que levaria à demissão do governo e à convocação de eleições antecipadas, entre as várias vozes que ecoaram, destacou-se o papel da banca e do grande capital financeiro com Ricardo Salgado, Fernando Ulrich e outros, a ditarem a sua lei de forma peremptória, renegociação da dívida não, intervenção externa da troika sim! Foi o suficiente para que os partidos da política de direita nem pestanegassem, impondo um verdadeiro Pacto de Agressão contra o povo e o país. De então para cá, a história é por demais conhecida, com o rasto de sofrimento e sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo português e pesadas consequências para o país.
Quatro anos volvidos, depois de uma política que aprofundou de forma brutal a exploração e empobrecimento do nosso povo, não só a situação do país é pior, mas também a dívida pública – em nome da qual se chamou a troika - é substancialmente maior, tendo crescido cerca de 51 mil milhões de euros, representando no final de 2014, nada mais nada menos, do que 128% do PIB.
É uma evidencia camaradas, que o país teria sido poupado a muitos sacrifícios e sofrimento, se a proposta do PCP de renegociação da dívida tivesse sido adoptada na altura. Mas o país pode perder ainda mais, se se mantiver amarrado a uma dívida e a um serviço da dívida, que impede o seu desenvolvimento e crescimento económicos, a criação de emprego e investimento público, que limita a afirmação de um Portugal livre e soberano.
Muito tem sido dito e escrito sobre as razões deste tão grande endividamento do país. A tese que mais amplamente tem sido difundida por parte do grande capital e das grandes potenciais, procura responsabilizar o povo português, os seus direitos e condições de vida, os serviços e empresas públicas, os salários, as reformas e pensões da população e a própria Constituição da República por esta dramática realidade. A ideia de um povo que andou a “viver acima das suas possibilidades” gastando mais do que aquilo que podia. A ideia de um país com fracos recursos que não tem meios para garantir direitos como o da saúde, da educação ou da habitação. A ideia de uma nação que em vez de trabalhar, prefere andar de mão estendida perante a Alemanha e outras potencias, entregando-se à preguiça típica dos povos do sul da Europa. A ideia de que quem defende a renegociação da dívida, não honra os seus compromissos e quer a política do calote (como aliás dizia Sócrates na altura). Todo este arsenal ideológico visava e visa, não só branquear a política de direita, responsabilizar o povo pelo endividamento, justificar toda a política de austeridade que tem vindo a ser imposta ao país e barrar o caminho à legítima e necessária renegociação da dívida.
Aqui chegados, é importante voltar esclarecer, como há muito vem denunciando o PCP que as causas e razões do endividamento público, são inseparáveis e têm a sua raiz primeira na política de destruição do aparelho produtivo levando a que quanto menos se produza mais se deva. Uma dívida que cresceu também por conta dos gigantescos apoios públicos dados à banca em situações tão diversas como as do BPN, ou agora com o BES, transformando dívida privada de então naquilo que é agora dívida pública. Mas também, uma dívida que resulta dos milhares de milhões de euros cedidos ao grande capital nos apoios, benefícios e contemporizações fiscais e que levam a que, de grosso modo, as grandes empresas e fortunas, passem quase ao lado do pagamento de impostos em Portugal. E é preciso não esquecer também a lógica especulativa estimulada pela União Europeia e pelo BCE que continua a emprestar dinheiro aos bancos a taxas de juro próximas do zero para que estes tomem depois dívida pública a taxas que já chegaram a atingir os 7 e 8%.
Se há razão para que PS, PSD e CDS rejeitem, contra todas as evidencias, a renegociação da dívida, tal deve-se tão só a uma opção de classe de favorecimento do grande capital e dos proveitos e lucros que a condição subalterna do nosso país lhes proporciona. Na verdade com estas dívidas, pública e externa de grande dimensão, ganham os setores exportadores dos principais países europeus, ganham os banqueiros, ganham os especuladores, ganham os grandes grupos económicos e financeiros, ganha o grande capital nacional e transnacional; perdem no entanto os trabalhadores, os reformados e o povo português, que têm vindo a pagar com os cortes nos salários, nas reformas e nas pensões, nas prestações sociais, nos rendimentos, na saúde, na educação, na ciência e cultura e nos serviços públicos; perdem a economia nacional e o País, com a entrega ao desbarato de recursos, patrimónios e empresas estratégicas, com a degradação do investimento, da capacidade instalada, da produção e da atividade económica, com a recessão e a estagnação económicas, com a destruição de postos de trabalho e de milhares de pequenas e médias empresas.
Perdem e vão continuar a perder se entretanto o país continuar amarrado à dívida. No decurso deste ano, só para o pagamento de juros da dívida serão mobilizados mais de 8 mil e 900 milhões de euros. 8 mil e 900 milhões de euros. Um valor que é superior àquele que está orçamentado para a esmagadora maioria dos ministérios do Estado português. Só neste ano Portugal pagará em juros 13 vezes mais do que aquilo que está orçamentado para o Ministério do ambiente; 11 vezes mais do que o está orçamentado para o ministério da cultura; 7 vezes mais do que aquilo que está orçamentado para o ministério da agricultura; 6 vezes mais do que aquilo que está orçamentado para o ministério da justiça; ou 4 vezes mais do que aquilo que está orçamentado para os ministérios da administração interna ou para a defesa. Na verdade, o serviço da dívida pública portuguesa representará em termos de despesa orçamental, mais do que 5% da riqueza produzida no país e que vai parar por inteiro às mãos dos especuladores e da banca.
E sem renegociação da dívida, as perspectivas não são melhores. Até ao ano de 2020 os encargos com a dívida ascenderão a 60 mil milhões de euros, três vezes mais do que os fundos disponibilizados pelo actual quadro comunitário de apoio, confirmando assim, que Portugal é hoje um contribuinte líquido das grandes potências no plano da União Europeia. Na verdade, sem renegociação da dívida aquilo que espera ao povo português é a austeridade perpétua. É o definhamento e o declínio nacional, tal como alerta este nosso encontro.
É preciso romper com esta situação. Não há, nem haverá nenhuma alternativa política que queira de facto devolver ao povo português o direito a uma vida digna, que não passe pela exigência da renegociação da dívida. Qualquer política que se apresente como alternativa ao rumo de desastre nacional que está a ser imposto ao povo português não pode, nem poderá passar ao lado deste constrangimento, que tem aliás outras duas faces e que são a necessidade de estudar e preparar o país para a libertação da submissão ao Euro, bem como a recuperação do controlo público sobre a banca.
Como é do vosso conhecimento o PS afasta-se por sua própria decisão deste objectivo. Refugia-se na semântica para não assumir qualquer compromisso que ponha em causa os interesses do grande capital. Com António José Seguro tínhamos a “austeridade inteligente”, com António Costa temos a “leitura inteligente” do Tratado Orçamental. Mas se é tudo uma questão de inteligência, então o PS que explique ao povo português como, e em que condições é que pensa repor salários, defender os serviços públicos e os apoios sociais, estimular o crescimento económico e a criação de emprego, sem tocar no serviço da dívida? Não há naturalmente nenhuma resposta inteligente para uma armadilha que quer tomar o nosso povo por parvo. A questão não está na inteligência, mas nas opções de classe, na coragem de assumir de forma patriótica a defesa dos interesses nacionais, na determinação em fazer frente, sejam quais forem as dificuldades, às pressões, às chantagens e ingerências que venham elas do PSI 20, de Bruxelas ou de Berlim.
Trata-se de um objectivo exigente e difícil, mas não impossível. O PCP não só não está sozinho nesta luta, como se alargou neste período, a consciência por parte de muitos sectores, organizações e personalidades democráticas quanto à insustentabilidade da situação actual e a urgência da renegociação da dívida. Um percurso que não está isento de dificuldades, mas que assume de forma clara, o direito soberano do povo português ao desenvolvimento, um direito que é inseparável da ruptura com a política de direita e os instrumentos e mecanismos impostos pela União Europeia. Um percurso, procura também promover, no plano internacional, a articulação e convergência com outros povos que também estão confrontados com medidas de agressão às suas condições de vida e que levou o PCP a apresentar recentemente a proposta da realização de uma conferência inter-governamental sobre esta matéria. Um percurso que toma partido pelos direitos dos trabalhadores, pelos salários, reformas e pensões que estão a ser roubados, pelas empresas e sectores estratégicos nacionais, pelos serviços públicos, pelas actuais e futuras gerações e o seu inalienável direito a uma vida digna e a um Portugal com futuro.
A necessária renegociação da dívida pública e externa deve ser feita para proteger Portugal da usura dos que lucraram com elas e não para acautelar os seus interesses. Deve ser assumida como uma iniciativa do Estado português com o objectivo de assegurar o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável e garantir um serviço da dívida que se coadune com o crescimento económico e a promoção do investimento e do emprego.
Uma renegociação que é um eixo central da política patriótica e de esquerda que propomos ao país e que deve garantir para a dívida direita do Estado, em particular a correspondente ao empréstimo da troica, uma redução dos montantes não inferior a 50%, que, em conjunto com a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de pagamento, assegure uma redução de, pelo menos, 75% dos seus encargos anuais. Recusar a renegociação da dívida ou fazê-la mais tarde, em benefício dos credores, significa amarrar o País a uma dívida impagável.
A renegociação da dívida significa o propósito e a iniciativa de negociar a dívida com os credores, mas para o PCP, significa ao mesmo tempo, assumir tomar todas as medidas indispensáveis à concretização dos objectivos que visa, independentemente das opções que os credores assumam. Este não é nem será um caminho fácil, isento de pressões, ameaças e chantagens. Mas é seguramente um caminho que, pela força do povo, será concretizado mais cedo do que tarde.