Projecto de Resolução N.º 1061/XII/3ª

Rejeita o Documento de Estratégia Orçamental apresentado pelo Governo e determina a renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes

Rejeita o Documento de Estratégia Orçamental apresentado pelo Governo e determina a renegociação da dívida nos seus prazos, juros e montantes

No seguimento dos sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento, apresentados pelo PS e apoiados em grande medida por PSD e CDS, e do Memorando de Entendimento que originou o Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, que constituiu um verdadeiro pacto de agressão aos direitos dos portugueses e de submissão do interesse nacional aos grandes interesses económicos, o Documento de Estratégia Orçamental apresentado em abril de 2014 pelo Governo PSD/CDS enquadra-se na linha política de abdicação e de entrega da riqueza nacional, de reconfiguração do Estado e de reafectação da riqueza produzida a favor do Capital e em detrimento do Trabalho.

Tal como o Partido Comunista Português denunciou desde o início, o Pacto de Estabilidade e Crescimento adotado no contexto do processo de integração da União Europeia, viria a ser o instrumento através do qual se imporia uma política orçamental que, ignorando as características da economia de cada Estado, intensificaria ainda mais as assimetrias já então verificadas. O desenvolvimento do processo de integração capitalista veio confirmar o alerta que o PCP então fez. De facto não só o país foi expropriado de várias dimensões da sua soberania, como foi empurrado por essa via, para uma situação de definhamento económico e desastre social.

Em março de 2011, perante o PEC IV, o PCP propôs um conjunto de medidas alternativas para assumir a rutura com a política de direita que vem prostrando o país ante a especulação e agravando a dependência externa. Em abril desse ano, o PCP viria a propor a renegociação da dívida pública. O caminho que entretanto foi imposto ao país por PS, PSD e CDS, foi o caminho exigido pela banca nacional e estrangeira que não só quis continuar a receber o produto da sua agiotagem e especulação até ao último cêntimo (à conta do assalto aos rendimentos da população), como abriu novas possibilidades, a pretexto da crise, para liquidar direitos e conquistas alcançados pela revolução de Abril, inscritos na Constituição e património do povo português.

A aplicação do Pacto de Agressão significou, tal como o PCP denunciara, um retrocesso civilizacional, social e económico. Tal como já se previa desde o PEC IV, o combate ao défice orçamental foi utilizado como instrumento para agravar a exploração e o empobrecimento, travando o crescimento económico e impondo a maior recessão desde a 2ª guerra mundial. Foram, entre muitas outras malfeitorias, facilitados os despedimentos, reduzidas as indemnizações devidas aos trabalhadores, fragilizada a contratação coletiva e aplicados cortes incomportáveis nos orçamentos dos mais variados serviços e empresas públicas, diminuídos os transportes públicos e os serviços de saúde, foram aplicados cortes nas prestações sociais e no subsídio de desemprego e foi concretizado um programa devastador de privatizações e de transferência para o grande capital, sobretudo estrangeiro, de empresas e sectores estratégicos para o país. Ao mesmo tempo, a aplicação do Pacto, tal como também já se previa no PEC IV, implicou o aumento de impostos sobre o consumo e o trabalho, diminuiu os impostos sobre o capital, liberalizou as rendas e cortou salários, reformas e pensões. Ou seja, a identificação entre os vários PEC e o Memorando da Troica é evidente, tal como é evidente que, a cada pacote de “austeridade” como alguns lhe chamam, se sucede sempre outro, ainda mais gravoso que o anterior. Os cortes nos salários e nos subsídios, os roubos nas pensões, o saque à riqueza nacional para assegurar o pagamento de valores crescentes em juros da dívida e o favorecimento da especulação e concentração de riqueza, são o resultado do desenvolvimento de uma política praticada ora por PS, ora por PSD, com ou sem CDS, cuja natureza é comum.

Contrariando a propaganda do governo e da troica, três anos depois o país está mais pobre, mais endividado, mais dependente e menos democrático. Em três anos, o PIB perdeu 5,8% do seu valor, enquanto a dívida pública aumentou 52 mil milhões de euros e o valor com juros da dívida atingiu os 7.300 milhões de euros, prevendo-se que atinja os 7.800 milhões já em 2015. A contração da economia foi concomitante com a aplicação de medidas de reconfiguração do Estado ao serviço dos interesses do grande capital. Um Estado mínimo no que diz respeito aos direitos, aos serviços públicos, aos apoios à população, ao desenvolvimento dos sectores produtivos e um Estado máximo nos apoios à banca, à especulação financeira, aos grandes negócios e interesses. O brutal agravamento de impostos fez-se sentir sobretudo junto dos trabalhadores e reformados (cuja contribuição para o OGE nos impostos diretos é de 75% face a 25% do grande capital) ao mesmo tempo que foram tomadas decisões de reduzir ainda mais, designadamente por via da redução do IRC, a carga fiscal das grandes empresas. Sendo que milhares de PME's foram seriamente atingidas na sua atividade como revela o caso do aumento do IVA para 23% no sector da restauração. O Documento de Estratégia Orçamental constitui um passo mais na escalada do roubo dos salários e rendimentos dos trabalhadores e do povo.

Suportada num descarado exercício de mentira e mistificação, o que o Governo prepara para 2015, e ambicionaria prosseguir para os anos seguintes, é a intensificação de uma política de agravamento das injustiças e desigualdades, de aumento de exploração dos trabalhadores e favorecimento do grande capital nacional e estrangeiro, de redução do poder de compra da generalidade da população e de asfixia da atividade económica e das pequenas e médias empresas.

Uma política de mentira porque, ao contrário do que o governo proclama, o que sucederá em 2015 é, não a reposição de salários ou pensões de reforma, mas sim a confirmação do seu roubo, tornando permanente aquilo que anunciara ser transitório para o período do chamado programa de «assistência financeira».

Uma política de aumento de exploração, de acentuação das injustiças, de empobrecimento e redução do poder de compra da população porque o governo não só mantém a carga fiscal brutal sobre os rendimentos dos trabalhadores (por via do IRS) como anuncia o aumento da TSU para todos os trabalhadores e um novo agravamento do IVA, ao mesmo tempo que mantém o bónus fiscal por via do IRC para o grande capital e os seus lucros.

Situação que se vê agravada para os trabalhadores da Administração Pública com os cortes decorrentes da imposição da Tabela Remuneratória Única, dos cortes nos suplementos e no aumento dos descontos para a ADSE. E que para os reformados e pensionistas se traduzirá no agravamento da sua situação com a substituição de uma contribuição apresentada como sendo de natureza extraordinária (a CES) por uma nova taxa de carácter permanente, a que acresce o impacto do aumento do IVA que também sobre eles recairá.

As medidas inscritas no DEO contribuirão para uma nova contração do mercado interno que não só arrastará ainda muitas centenas de pequenas e médias empresas para a falência como será um fator de estrangulamento ao crescimento económico.

A apresentação do Documento de Estratégia Orçamental pelo Governo PSD/CDS é a tentativa de tornar definitivas as políticas que foram apresentadas aos portugueses como transitórias. Uma política de favorecimento do grande capital, não apenas deixando intactos os seus interesses como entregando-lhes uma fatia crescente da riqueza e das infraestruturas nacionais. A facilitação dos despedimentos; a mobilidade com vista ao despedimento; a destruição do serviço nacional de saúde e da escola pública pelo subfinanciamento e pela degradação dos direitos dos seus trabalhadores; a negação do acesso à justiça; a supressão da liberdade de criação e fruição culturais e artísticas, são orientações deste Documento de Estratégia Orçamental, através das quais as forças políticas representantes do poder económico em Portugal asseguram aos banqueiros e especuladores que continuarão a aplicar a atual receita, apesar das manobras em torno da “saída limpa”. O compromisso é claro e o PS também o assume, como se verifica pelo apoio ao Tratado Orçamental, não contribuindo assim para a recuperação dos rendimentos e direitos perdidos, nem para a derrota do Governo e da política de exploração e empobrecimento. PS, PSD e CDS estão irmanados nesse compromisso assumido ante os “credores” e que usa os direitos dos portugueses como moeda de troca.

No essencial, o Documento de Estratégia Orçamental tal como o Tratado Orçamental é, aparte as questões formais, a permanência da troica estrangeira na definição dos destinos do país, bem como a persistência das opções do Pacto de Agressão no futuro de Portugal. Assim pretendem o PS, o PSD e o CDS acompanhados pelo Presidente da República.

É urgente romper com esse ciclo de alternância, pela força da luta dos trabalhadores, da juventude, dos pensionistas e reformados, pela força de todos quantos são penalizados pela política de direita, entre os quais se encontram também muitos micro, pequenos e médios empresários. É da luta e da participação popular, como aliás se verificou nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, que resultará a verdadeira mudança de que o país precisa e da luta resultará a derrota dos planos dos partidos da troica interna de impor aos portugueses esta política. É igualmente da luta dos portugueses contra esta política que resulta a proposta que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta no presente Projeto de Resolução.

O país não pode continuar a ser confrontado com a propaganda de chantagem e de terrorismo social que limita as opções e cerceia a própria democracia. Há vida para além da política de direita e a alternativa não está em prosseguir a política da troica com o recurso a instrumentos destinados a negar a soberania orçamental, na qual o Documento de Estratégia Orçamental se insere. Para o PCP a alternativa está na construção de uma política patriótica e de esquerda que projete os valores de Abril no presente e no futuro de Portugal e que rompa com as limitações que nos são impostas pelo processo de integração capitalista da União Europeia e a sua orientação neo-liberal, federalista e militarista. Para defender o interesse nacional, impõe-se, entre outras medidas, a rejeição do Documento de Estratégia Orçamental e a concretização de um processo de renegociação da dívida que garanta simultaneamente a capacidade de financiamento necessária e o crescimento económico. Tal renegociação deve ter em conta, não os interesses dos credores, mas os interesses do país. O PCP, com a apresentação do presente Projeto de Resolução, censura a política de destruição e afundamento nacional resultante da aplicação do Memorando de Entendimento, bem como a persistência das mesmas opções políticas que visam estender indefinidamente a vigência desse memorando de submissão.

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, a Assembleia da República resolve:

A. Rejeitar o Documento de Estratégia Orçamental apresentado pelo Governo;
e recomendar ao Governo:

B. A renegociação urgente da dívida pública, assegurando uma auditoria transparente e participada para o apuramento da origem, natureza e tipo de credores, diminuindo montantes e encargos com juros e alargando os prazos, sem sacrificar a capacidade de financiamento nem o crescimento económico.

C. A diversificação das fontes de financiamento do Estado e a adoção de políticas de “renacionalização” e diversificação das fontes de financiamento que inclua a utilização dos instrumentos de poupança nacional e dinamize a emissão de dívida junto do retalho português.

D. A opção por uma política orçamental de combate ao despesismo, à despesa sumptuária, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos dividendos e lucros do grande capital e de alívio dos trabalhadores e das micro, pequenas e médias empresas, garantindo as verbas necessárias ao funcionamento eficaz do Estado e do investimento público;

E. O reequilíbrio das contas públicas visando a sustentabilidade da dívida pública e a articulação da gestão orçamental com o crescimento económico e o desenvolvimento social, revertendo as Parcerias Público-Privadas e promovendo a nulidade ou anulação dos contratos de permuta financeira (swap), em que estejam envolvidas entidades públicas; bem como incrementando a participação fiscal do sector financeiro e aplicando uma tributação adequada aos capitais colocados em off-shores.

F. O aumento da produção nacional e a sua diversificação para conter e substituir as importações e fazer crescer as exportações através do apoio às micro, pequenas e médias empresas e à valorização do trabalho e da formação, reafectando os recursos disponíveis atualmente para a recapitalização da banca à sua utilização como instrumento de investimento público.

G. A valorização efetiva dos salários e pensões e a imediata reposição de salários, rendimentos e direitos, incluindo os valores das prestações sociais;

H. Uma política de defesa e recuperação dos serviços públicos, em particular nas funções sociais do Estado (saúde, educação e segurança social), reforçando os seus meios humanos e materiais, como elemento essencial à concretização dos direitos do povo e ao desenvolvimento do País.

Assembleia da República, em 5 de junho de 2014

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