I
O XXIV Governo Constitucional tomou posse num quadro de agravamento da situação económica e social do País e de acentuação das injustiças e desigualdades. A realidade é marcada pelos baixos salários e pensões, por crescentes dificuldades na vida de quem trabalha e de quem trabalhou uma vida inteira, pela precariedade, pela emigração forçada dos jovens, pelo continuado aumento dos preços, sobretudo de bens e serviços essenciais e da habitação, que contrastam com a escandalosa acumulação de lucros pelos grupos económicos e multinacionais.
Quando mais de 2 milhões e 600 mil trabalhadores auferem menos de mil euros brutos por mês, 72% dos reformados vivem com pensões inferiores a 500 euros e quando cerca de 2 milhões de portugueses estão em risco de pobreza ou de exclusão social, os principais grupos económicos em Portugal alcançaram lucros recorde. Só em 2023, obtiveram 25 milhões de euros de lucros por dia.
A dependência externa do País, motivo de enorme preocupação, é o resultado da deterioração do aparelho produtivo nacional, de significativos défices estruturais e do insuficiente investimento publico.
As taxas de juro decretadas pelo BCE, afetam de forma severa os trabalhadores e as famílias, consubstanciam uma gigantesca transferência direta de riqueza do trabalho para o capital, e criam inúmeras dificuldades às micro, pequenas e médias empresas.
A realidade é igualmente marcada pela falta de trabalhadores, a degradação dos serviços públicos e incumprimento de funções sociais do Estado, em particular, pela desvalorização do trabalho, dos trabalhadores do setor público e privado, pelas dificuldades no acesso à saúde e à habitação, pelo desinvestimento na Escola Pública, na justiça, nas forças e serviços de segurança, nas forças armadas, na proteção civil.
A atual situação económica e social é o resultado de décadas de política de direita levada a cabo por governos do PS, PSD e CDS, de ataque aos direitos dos trabalhadores, de submissão do País aos interesses das grandes potências e às imposições da União Europeia, de privatizações e de favorecimento dos interesses dos grupos económicos que contaram e contam sempre com o apoio daqueles que hoje são dirigentes do Chega e IL.
II
Apresentado o seu Programa, confirma-se que o XXIV Governo Constitucional insiste em prosseguir e acentuar as orientações e opções da política de direita que estiveram e estão na origem dos problemas que afetam os trabalhadores, o povo e o País, esses mesmos problemas que não desapareceram com a realização das eleições legislativas. Estão aí todos os dias, a infernizar a vida das pessoas, que vivem com cada vez mais dificuldades.
Nas eleições legislativas de 10 de março, o povo exigiu a resposta aos problemas e combate às injustiças e às desigualdades. O programa apresentado pelo Governo PSD/CDS, não só não responde a essa justa exigência como o que pretende é recuperar a política de retrocesso e de ataque aos direitos, em benefício dos interesses dos grupos económicos, das multinacionais que foi derrotada em 2015.
O Programa do XXIV Governo Constitucional, pelas suas opções, pelo que apresenta de concreto, pelas omissões que muito dizem sobre ele, representa objetivos e interesses de classe, objetivos e interesses do grande capital.
Opções de classe bem visíveis quando insiste, de facto, nos baixos salários, no agravamento, na prática, das injustiças e desigualdades, quando prossegue, efetivamente, um caminho de desvalorização dos serviços públicos e a sua entrega para o negócio privado, como quer fazer com a saúde, a educação, a habitação, e a cultura , quando se prepara para promover a privatização de empresas e setores estratégicos, de que a TAP é exemplo, e aprofunda ainda a injustiça fiscal com a descida dos impostos para os grupos económicos e a consequente redução dos recursos públicos.
Opções bem visíveis na aposta na reconfiguração do Estado, em função dos interesses do grande capital, com a acentuada perda de capacidade da Administração Pública e a desvalorização dos seus trabalhadores, a privatização de serviços, a transferência de encargos para as Autarquias Locais - que aliás o PSD negociou com o PS - e a recusa da regionalização.
Opções bem visíveis na determinação em manter o País subordinado às imposições da União Europeia e aos interesses da NATO, que condicionam o nosso desenvolvimento económico e social e comprometem a nossa soberania, que amarram Portugal a uma política belicista, contrariando os interesses do povo e os valores e projeto inscritos na Constituição da República Portuguesa. Fica também clara a opção de continuar a ter o País e as suas opções orçamentais amarradas aos critérios do Euro, com os impactos que se conhecem na degradação do investimento e dos serviços públicos, nos salários e pensões, com as consequências que se evidenciaram, designadamente nos últimos dois anos de maioria absoluta do PS.
Não consta do Programa apresentado qualquer compromisso concreto para o aumento significativo dos salários e das pensões, uma grande emergência nacional. Pelo contrário, a opção de aumentar o salário mínimo nacional para 1000 euros apenas em 2028 (ou o salário médio para 1750 euros em 2030) evidencia a descarada intenção de contenção salarial – para engrossar os lucros dos grupos económicos e das multinacionais.
O Programa agora avançado é negativo pelo que avança, mas também revelador pelo que omite, quanto à revogação das normas gravosas da legislação laboral, à redução do horário de trabalho e o fim da sua desregulação, ou à valorização dos trabalhadores que trabalham por turnos, e o combate da chaga da precariedade.
O Programa do Governo opta pelo aprofundamento da injustiça fiscal. Mantém intocáveis os benefícios e privilégios fiscais que hoje mesmo são entregues aos grandes grupos económicos, e em cima dessa opção avança com a redução do IRC e a eliminação do último escalão da derrama estadual, que favorecerá sobretudo as grandes empresas, alimentando o embuste de que os impostos são o problema para o crescimento económico quando na verdade, o problema está no insuficiente investimento público e na destruição da capacidade produtiva, problema que também não encontra respaldo no programa apresentado.
Sobre a redução do IVA na eletricidade, nas telecomunicações e no gás, nem uma palavra.
Sobre a injustiça e o escândalo da continuação de transferência de mais de mil milhões de euros para as Parcerias Publico Privadas rodoviárias, o Programa do Governo não só não aponta o caminho para reverter este embuste que o povo e os trabalhadores pagam, tendo em conta que os prazos das concessões estão a acabar.
Na saúde pretendem promover novas contratualizações com os grupos privados, implementar as USF tipo C, desviando recursos do SNS para esses grupos. Ao mesmo tempo, prossegue a desvalorização dos profissionais de saúde, facilitando o assalto que o negócio da doença está a fazer.
Na educação, é o regresso do favorecimento do ensino privado, em detrimento do investimento e da valorização da Escola Pública, agravando as desigualdades entre os estudantes.
Acentua-se a perspetiva de mercantilização da habitação, de promoção da especulação e dos interesses da banca, incluindo a criação de parcerias públicos privadas para a construção e reabilitação de habitação e de alojamento estudantil, de desproteção dos inquilinos, de tudo quanto esteve na origem nas dificuldades no acesso à habitação e dos seus elevados custos, de que é exemplo a lei dos despejos. Intensifica-se em toda a linha a orientação neoliberal, incluindo a decisão anunciada de “retirar limitações de preços”, substituindo-as por medidas assistencialistas para “situações de vulnerabilidade / necessidade efetiva”. Por outro lado, em nome do “aumento da oferta”, aponta-se para a desregulação e o favorecimento da especulação imobiliária, nas políticas de urbanismo e uso dos solos.
O Governo diz eleger a juventude como prioridade, mas em nenhum momento vai às causas dos problemas que afetam os jovens e que estão na origem da sua emigração forçada: os baixos salários, a precariedade, a instabilidade nas suas condições de vida.
Um Governo, um Programa e opções bem visíveis nas tentativas demagógicas para ir ao encontro desta ou daquela questão pontual e sectorial ao mesmo tempo que procura abrir um caminho de justificação à mais que evidente falta de vontade de cumprir promessas feitas.
Um Governo e um Programa que nas opções de fundo geram um amplo e, por vezes, demasiado alargado consenso no quadro das forças políticas na Assembleia da República. Um projeto que, unindo desde logo PSD, CDS, Chega e IL, está ao serviço dos que acham donos disto tudo esses mesmos que vão tentar aproveitar esta oportunidade para ir o mais longe possível no saque e transferência de recursos públicos.
III
O País não precisa de um Governo e de uma política que sejam um prolongamento dos interesses do grande capital. O Programa do XXIV Governo Constitucional procura recuperar opções de má memória da troica, esse projeto travado em 2015, pela intervenção e determinação do PCP. Não é nas opções políticas do Governo que os trabalhadores, os reformados, os jovens, as mulheres, os emigrantes e os imigrantes, os micro, pequenos e médios empresários, os pequenos agricultores e os pescadores, as populações encontrarão as soluções necessárias para resolver os seus problemas.
As respostas necessárias passam pela rutura com a política de direita, e exigem uma política alternativa de valorização do trabalho e dos trabalhadores, de reforço dos seus direitos e aumento efetivo dos salários e das pensões; de combate à precariedade e à exploração; de combate às injustiças e às desigualdades; de reforço do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da proteção social e de garantia do direito à habitação e à cultura; de combate efetivo à corrupção; de promoção dos setores produtivos, da produção nacional e do investimento público; de combate às privatizações e de controlo público de setores estratégicos da economia; de reconhecimento dos direitos dos profissionais da justiça, das forças e serviços de segurança, das formas armadas, dos bombeiros, de todos os trabalhadores; de defesa dos valores ambientais e combate à mercantilização da natureza; de afirmação da soberania e independência nacionais, pela paz, amizade e cooperação com os povos; de retomar os valores e as conquistas de Abril no futuro de Portugal.
Este é o compromisso que o PCP assumiu com os trabalhadores e o povo, de oposição à política de direita e por uma alternativa patriótica e de esquerda. O PCP não tem nem alimenta ilusões. A justiça social, o desenvolvimento e o progresso do País não são compatíveis com o Programa apresentado pelo Governo.
Ao submeter a presente moção de rejeição do Programa do Governo à votação da Assembleia da República, o PCP tem como propósito suscitar uma clarificação da posição da cada força política relativamente à governação a que o país vai ser submetido, o que só é possível com esta iniciativa. Quando se discute o futuro do país, os portugueses merecem saber quem é quem. O PCP assume as suas responsabilidades. Cada um que assuma as suas na votação que irá ter lugar.
Nestes termos, ao abrigo do n.º 3 do artigo 192.º da Constituição, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a rejeição do Programa do XXIV Governo Constitucional.