Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

"Reiteramos a nossa posição contrária à moeda única"

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Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Num quadro de enorme degradação económica e social e num contexto de visível e notória desagregação governamental, a semana começou com uma reunião patrocinada pela Presidência da República sem qualquer correspondência com as preocupações e os dramáticos problemas com que os portugueses em geral e os trabalhadores em particular diariamente se confrontam.

Em vez de soluções políticas para superar o impasse, em vez de verdadeiras alternativas ao caminho de desastre das políticas das troicas e do seu memorando, a semana começou com o país suspenso de um quase esotérico encontro centrado nas “perspetivas da economia nacional no quadro de uma reforçada União Económica e Monetária”.

União Económica e Monetária que, também esta semana, viu concretizado mais um passo para um sistema europeu de supervisão e a criação da nova União Bancária, essa nova fórmula mágica anunciada para resolver a crise instalada, ou, na expressão usada pelo Conselho de Estado “para corrigir a atual fragmentação dos mercados financeiros”.

Na sequência do vírus cipriota e das consequências devastadoras de um programa de ingerência e aniquilação da soberania de mais um Estado-membro da designada periferia, multiplicaram-se a propósito da criação da união bancária - esse novo instrumento de dominação federalista - declarações sobre a preservação do valor dos depósitos cuja valia, afinal, tem limites e cuja validade terá (ou não) prazo. Esquecem, essas declarações, as políticas recessivas que determinam a falência de milhares de pequenas empresas e a falência de dezenas de milhares de famílias sem salário e sem emprego, e também esquecem, essas declarações, a voracidade incontrolada dos resultados e dos lucros a obter pelos grupos financeiros. Esquecem igualmente, essas declarações, que são estas as causas que, no fundamental, determinam o aumento do crédito mal parado e o disparar das imparidades que nenhuma supervisão europeia pode nem quer prevenir ou impedir porque esse deveria e tem de ser o papel ativo irrecusável, legislativo e regulamentador, do poder político.

A união bancária pretende, isso sim, promover a concentração e centralização do capital financeiro, criando condições para determinar encerramentos, fusões e aquisições de instituições bancárias, concentrando atividade e rede nos gigantes do setor bancário, que é como quem diz nos grandes bancos alemães, eliminar concorrências de diverso tipo e ditar melhor ainda as suas próprias leis e regras, isto é, políticas e condições de crédito formatadas ao serviço da maximização dos lucros e da especulação financeira e em detrimento da economia e do emprego.

Senhora Presidente
Senhores Deputados

Quando os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros e do diretório que comanda a União Europeia conflituam com os dos povos e dos estados mais pequenos ou mais débeis, quando o neoliberalismo pretende recuperar ou aumentar e reforçar taxas de rentabilidade perdidas em detrimento dos direitos dos povos e das soberanias das nações, dá-se sempre um novo salto em frente em direção ao domínio federalista e à criação de regras e de instrumentos que a sirvam.

É assim hoje com a união bancária. É hoje com o Tratado Orçamental. Foi no passado com a criação da União Económica e Monetária e o euro. Todos eles instrumentos ou opções que visam a dominação e a subjugação ao serviço das necessidades e interesses do grande capital e das potências dominantes da Europa.

“A moeda única é um projeto político que conduzirá a choques e pressões a favor da construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização crescente das funções sociais do Estado”.

Estas palavras não são de hoje, embora pudessem sê-lo. Esta afirmação foi aqui produzida, por esta bancada parlamentar, a 20 de março de 1997 – tem portanto 16 anos – durante uma interpelação sobre a introdução da moeda única.

A opção pela moeda única – tomada à revelia uma consulta popular que permitisse esclarecer e contrariar a propaganda do pensamento único – não radicou em razões de conveniência ou vantagem económica para o País. A opção ficou meramente, foi exclusivamente política.

Senhora Presidente
Senhores Deputados

As consequências são conhecidas.

A UEM e moeda única, a par das privatizações, tiveram ao longo destes doze anos um papel fundamental para arrastar o país para a estagnação económica e a divergência, para a perda da competitividade, ajudaram a distorcer a estrutura produtiva e a liquidar ou a dominar a estrutura produtiva, a promover a exportação de dividendos e lucros, a criar as condições para o reforço da dependência externa e para o endividamento da economia nacional.

A moeda única e a UEM não mostraram as debilidades estruturais da economia nacional. Foram determinantes e decisivas para acentuar essas debilidades e tornar o país mais dependente.

Basta comparar os valores do PIB nacional, do PIB por habitante, do Rendimento Nacional Bruto, do investimento, do emprego e do desemprego, da distribuição da riqueza e dos salários reais, para não restarem dúvidas quanto ao papel central da moeda única na degradação da economia nacional e da situação social em Portugal. Hoje, à troica e ao seu memorando fica o papel de reforçar e acelerar essa degradação e essa dependência.

Senhora Presidente
Senhores Deputados

É neste quadro que reiteramos a nossa posição contrária à moeda única.

Que hoje também passa por um renovado debate sobre as condições de desmantelamento da União Económica e Monetária, sobre a concertação e negociação que deverá congregar, sobre o aprofundamento, a reflexão e o estudo relativo às condições de saída da moeda única, sobre a criação de condições políticas para o impor e poder concretizar.

Que hoje passa pela necessidade do País prevenir essa possibilidade, por opção própria ou por imposição alheia.

Mas que hoje e sempre passará por uma posição clara do nosso povo nesse sentido.

Disse.

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