Projecto de Resolução N.º 568/XII-1ª

Reindustrializar Portugal

 Reindustrializar Portugal

1.A DESINDUSTRIALIZAÇÃO

Se alguém coloca como programa político a “reindustrialização” do país, é porque reconhece que havia um país industrializado, que por qualquer motivo foi desindustrializado!

Ora uma abordagem séria deste problema exige esse reconhecimento, e fundamentalmente, reconhecer as causas, as políticas, que conduziram o país a essa situação. Ora, querendo “reindustrializar” Portugal, o Governo PSD/CDS, o Ministro da Economia, porta-voz desse objetivo programático, não o fazem. O que é um sinal forte, se outros não houvessem, de que tudo se resume a propaganda e manobra de diversão, face a uma política (real) de completo afundamento do tecido produtivo nacional. O desmantelamento da CIMPOR, a primeira empresa industrial do País em 2012, é um exemplo paradigmático!

O peso da indústria transformadora no PIB e no emprego tem vindo a decrescer, pelo menos desde há 30 anos. Em 1985, a indústria representava cerca de 27,9 % do VAB nacional, em 1995, 19,1 %, e, no primeiro semestre deste ano, 13,8 % de tal indicador, ou seja, em 27 anos, o peso da indústria no produto caiu mais de 50 %. Diziam que esta era uma tendência em todos os países desenvolvidos, nomeadamente na União Europeia. Foi este o argumento dos que, ao mesmo tempo que criavam condições para a destruição da indústria, afirmavam que esta era uma coisa do passado, não da “nova economia” que queriam a criar.

“Esqueceram-se” de dizer que a taxa de desindustrialização foi em Portugal, após a adesão à CEE, várias vezes superior à taxa média da EU no mesmo período. “Esqueceram-se”, que embora a indústria transformadora de hoje, apresente melhores indicadores em termos de produtividade, qualidade e competitividade, a taxa de modernização, e particularmente o perfil industrial, continuam muito inferiores às médias europeias.

As causas do processo de desindustrialização são conhecidas e foram atempadamente denunciadas pelo PCP: as condições de adesão à CEE; o processo de privatizações; a reconstituição (e a estratégia) dos grupos económicos monopolistas; o papel central e dominante atribuído ao investimento estrangeiro; a desvalorização do mercado interno e a adesão ao euro. Componentes centrais da política de recuperação capitalista e monopolista levada a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e CDS.

2.TRAVAR A DESTRUIÇÃO DO TECIDO PRODUTIVO PELO GOVERNO PSD/CDS

As políticas em curso do atual Governo PSD/CDS, conformes com o Pacto de Agressão e sob a orientação da Troika, replicam em versão agravada todas as causas que desindustrializaram o País, criaram um persistente défice produtivo e uma balança comercial estruturalmente deficitária. Continuação das privatizações, contração brutal do mercado interno, uma política de crédito conforme os interesses dos grupos financeiros e bancários. Uma política de mão-de-obra barata, que só pode consolidar um modelo industrial de baixo valor acrescentado. Foi esta política, que numa primeira fase levou à instalação de empresas de grupos de capital estrangeiro, a que se seguiu um significativo processo de deslocalizações, ainda em curso.

As propostas do Ministro da Economia para a chamada reindustrialização do país, assentam em orientações velhas, que no essencial falharam no passado. As facilidades fiscais e de licenciamento, mesmo com elevados custos ambientais, a par da mão-de-obra barata, o regresso às minas e os apelos ao investimento estrangeiro. O chamado regresso às minas, constitui um enorme embuste relativamente ao propósito de dinamizar a indústria. Numa época de crescente e constante valorização dos recursos mineiros, o que se propõe é um enorme leilão dos nossos recursos e o seu ulterior saque pelas grandes multinacionais do sector, sem que em Portugal ocorra qualquer transformação a jusante, transformações criadoras de elevado valor acrescentado nacional, e, essas sim, capazes de ajudar a reindustrializar o país. Assim a própria indústria extrativa continuará inteiramente dependente da aleatoriedade das cotações internacionais, isto é ao sabor da especulação das matérias-primas nas bolsas internacionais.

3.AUDÁCIA E A NECESSIDADE ABSOLUTA DA INTERVENÇÃO PÚBLICA

O protagonismo do Estado, é absolutamente vital e único para a dinamização, renovação e defesa da indústria transformadora nacional. Tal protagonismo, deverá ter lugar designadamente, enquanto definidor e orientador das linhas mestras de uma autêntica política industrial, em constante articulação com os sectores público e privado. Papel do Estado enquanto gestor de fundos públicos de apoio à indústria nos planos da competitividade e do apoio à exportação, enquanto garante de preços dos fatores de produção (energia, comunicações, créditos e seguros e outros) suportes da competitividade industrial, travando “rendas” dos sectores não transacionáveis, e, finalmente, enquanto titular e gestor de ativos estratégicos na esfera produtiva.

Outra área onde é decisivo e único o papel do Estado é na garantia da existência de recursos humanos qualificados em todos os níveis das empresas, fundamentais para a dinamização da nossa indústria transformadora. A Educação pública deve constituir um elemento fundamental para a elevação da qualidade do trabalho, para a modernização da indústria e da economia. Para isso, é urgente abandonar o modelo de canalização de jovens para um mercado de trabalho oscilante e desregrado, particularmente pondo fim às experiências de “dualização” da Escola e criando um Sistema de Ensino que, no âmbito da formação da cultura integral do indivíduo, possa apresentar a todos o mundo do trabalho, e levar a todos o conhecimento sobre os diversos aspetos do processo produtivo, quer seja do ponto de vista da execução, da tecnologia, quer seja do ponto de vista da gestão.

Assim, nos termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

RECOMENDAÇÕES:

I-GRANDES ORIENTAÇÕES

1. O acréscimo de produção industrial, no quadro de um aumento da produção nacional, deve constituir um objetivo central da criação sustentável de riqueza e emprego, capaz de dinamizar outros grandes sectores de atividade, designadamente a atividade extrativa e os serviços. Um acréscimo de produção industrial como resultado do avanço nas cadeias de valor em termos sectoriais, do adensar da malha industrial, particularmente nos grupos de sectores (clusters) onde já existam razoáveis competitividade e notoriedade internacionais, da promoção e valorização dos recursos materiais nacionais e da substituição de importações por produção nacional.

2.O desenvolvimento da indústria transformadora, passa, de forma organicamente interligada, pelo aumento da produção e das produtividade e competitividade que a ela devem estar associadas, e, pelo criar de condições no plano comercial para o escoamento da produção, seja no mercado interno, seja no mercado externo, pois que estas duas componentes, a comercial e a produtiva estão indissociavelmente associadas. É particularmente necessária uma linha persistente na defesa dos interesses nacionais, de outra política comercial da União Europeia.

3.A defesa permanente da produção industrial nacional, seja a das indústrias ditas tradicionais, seja a das indústrias ditas modernas, constitui uma condição sine qua non, para a concretização de uma política de substituição de importações e a atenuação de alguns défices estruturais da nossa economia. O que significa também recusar a falsa dicotomia, mercado interno versus exportações, pois que ambas as dimensões são importantes para o desenvolvimento nacional, particularmente no quadro de uma economia aberta.

4.No plano externo, as exportações, particularmente de produtos de cada vez maior valor acrescentado, devem constituir um importante objectivo do Estado e das empresas, constituindo os apoios sérios, eficazes e inteligentes à exportação uma linha de ação a prosseguir e incrementar.

O que implica acelerar, mutações que se estão a operar no aparelho industrial, designadamente em termos de produtos e engenharias de produtos e de processos de fabrico.
Nomeadamente, as chamadas indústrias tradicionais, como a têxtil e vestuário, o calçado, a fileira da madeira e do mobiliário, a fileira da cortiça, a cerâmica, o vidro e o cristal, etc, têm vindo a sofrer processos de modernização, que deverão continuar, pois são sectores com um importante papel no nosso perfil industrial.

Pelo grande potencial de integração sectorial que encerram e porque podem responder a um dos mais persistentes e estruturais défices, deverão ter um acompanhamento e proteção especiais, as diversas fileiras da indústria agroalimentar.

5.Por outro lado, é vital a reanimação, fortalecimento ou lançamento de um vasto conjunto de indústrias básicas e estratégicas, designadamente as associadas à transformação de importantes matérias-primas minerais nacionais, como sejam as metalurgias ferrosas (siderurgia e outras), e não ferrosas e as metalo e eletromecânicas pesadas, a indústria de construção e reparação naval, as petroquímicas de olefinas e aromáticos, para só citarmos as principais.

Estas indústrias podem permitir estruturar e robustecer a produção nacional, para além da própria produção industrial, e atenuar, e nalguns casos mesmo resolver, debilidades e défices a jusante, ou apoiar o desenvolvimento, com elevada autonomia, de importantes infra-estruturas, designadamente nas áreas da produção energética, dos transportes terrestres e marítimos, da indústria química orgânica e das pescas.

6.As mudanças operadas nos domínios da C&T, produziram o aparecimento de novas indústrias/tecnologias/produtos, regra geral criando elevado valor acrescentado, muitas das vezes resultado de frutuosas ligações entre o ensino superior e a esfera produtiva. Designadamente: as biotecnológicas, com especial destaque para a indústria farmacêutica (produção de princípios ativos e medicamentos, nomeadamente genéricos) e para a saúde (produção de marcadores e testes de análise); as eletrónicas, como as associadas às comunicações; as produtoras de sistemas de automação e de controlo bem como de outros bens de equipamentos ligeiros muito especializados; as produtoras de equipamentos ligeiros para a produção energética; os novos materiais, etc.. Nestas áreas, algumas empresas de pequena e média dimensão têm constituído núcleos de grande sucesso nacional e internacional, devem ser profundamente apoiadas e replicadas as suas experiências, nomeadamente no que concerne a disponibilização de consistentes apoios públicos. O que deve ter como contrapartida, a salvaguarda de capitais públicos ou privados nacionais, dada as tentativas de absorção, que, de forma sistemática, as multinacionais têm por estas empresas nascentes, criadas com o esforço, o investimento e o saber nacionais.

7.As indústrias de alto nível tecnológico, que existem em Portugal na dependência quase total do capital estrangeiro, como a indústria automóvel e as indústrias de componentes para automóvel, embora na expectativa de grandes e dramáticas mudanças, no fundamental, associadas à crescente escassez de matérias-primas, devem ser repensadas com vista ao alargamento de uma base de génese e comando nacional, particularmente no que aos componentes concerne.

E dentro desta área, exigem uma atenção crescente, as atividades tecnologicamente muito evoluídas, associadas às indústrias aeronáutica e aeroespacial, seja na sua componente produtiva, seja na de manutenção, pelo que devem ser protegidas, apoiadas e desenvolvidas.

8.As indústrias de reciclagem – metais diversos, plásticos, papel e cartão, óleos minerais e vegetais, entre outros – que a crescente escassez de algumas matérias-primas e a proteção ambiental têm vindo a fazer surgir e crescer, embora a níveis e com organização, produtividade e qualidade muito aquém das necessidades, exigem que sejam bem acompanhadas e apoiadas, face ao muito importante papel que já desempenham hoje e devem vir a ter no futuro.

II-ALGUNS EIXOS E ALGUMAS MEDIDAS CONCRETAS

1.Integradas numa política de desenvolvimento e promoção da indústria nacional, são necessárias políticas que garantam:

 A recuperação de diversas indústrias básicas e ou estratégicas – siderurgia, metalo e eletromecânicas pesadas;
 O reequilíbrio da nossa balança de transportes com o exterior, designadamente o transporte marítimo e ferroviário dos diversos tipos de carga (combustíveis, gás natural, granéis, contentores, carga especializada, etc.);
 O desenvolvimento do transporte sobre carris, particularmente com motorização elétrica, para o transporte de passageiros nas suas modalidades de comboio, metropolitanos pesados e ligeiros e elétricos;
 O aproveitamento, e valorização interna na cadeia de valor, dos recursos endógenos do solo, subsolo e do mar;

2.O Estado português, deve ter como objetivos estratégicos a dinamização dos seguintes sectores industriais:

 Indústria siderúrgica, com vista ao retorno à siderurgia integrada, com ampliação de capacidade e sobretudo alargamento da gama de produtos fabricados, inclusive com a retoma de fabrico de produtos longos;
 Desenvolvimento de metalurgias associadas à valorização das enormes reservas de diversos metais básicos, designadamente a do cobre;
 Indústrias metalomecânicas, eletromecânicas, elétricas, eletrónicas e outras, base da produção, tão integrada quanto possível, de material de transporte sobre carris e infra-estruturas associadas (comboios para diversos escalões de velocidade, metropolitanos pesados e ligeiros, elétricos rápidos e clássicos, etc.), assim como de outros produtos, designadamente os associados à produção energética, à movimentação de grandes cargas e à construção de edifícios e estruturas não residenciais (industriais e outros).
 Indústria química pesada, com o objetivo de criar a base de produção de matérias-primas necessárias às cadeias produtivas da metalurgia e da química fina, inclusive farmacêutica e de produtos de grande consumo
 Indústria de reparação e construção naval, designadamente, através da reanimação, ampliação, reestruturação e modernização de pequenos (neste caso, a iniciativa privada deverá ter um papel fundamental), médios e grandes estaleiros, capazes de promover uma nova frota nacional de navios de mercadorias, uma renovada frota de pesca e incremento de exportações neste ramo.

3.O Estado português deve colocar igualmente, na programação de uma política industrial:

 O fortalecimento das indústrias de alta tecnologia (química fina, farmacêutica, aeronáutica e aerospacial, TIC e automação, novos materiais e biotecnologia) devendo garantir-se em cada especialidade um projeto âncora/motor;
 A reanimação e reforço do objeto estatutário da Empresa de Desenvolvimento Mineiro, com vista à retoma da prospeção, desenvolvimento, exploração e transformação de minérios que assuma progressivamente a gestão de todos os recursos nacionais neste domínio.
 O fomento da investigação aplicada, com vista ao ulterior desenvolvimento industrial, de processos de purificação de elementos raros, atualmente com grande importância estratégica e com ocorrência significativa em Portugal, como é o caso do lítio;
 A criação de uma ou mais empresas públicas, que garantam de forma especializada o transporte marítimo de mercadorias (marinha mercante), aproveitando os recursos e as excecionais condições do nosso país nesta área, com os meios e infra estruturas adequadas que possam garantir a soberania do país neste domínio.

Assembleia da República, em 11 de Janeiro de 2013

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