Apreciação Parlamentar

Regulamento do Número e Chapa de Matrícula dos Automóveis

 

Do Decreto-Lei n.º 112/2009, de 18 de Maio, que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 60/2008, de 16 de Setembro, procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 54/2005, de 3 de Março, que aprovou o Regulamento do Número e Chapa de Matrícula dos Automóveis, Seus Reboques, Motociclos, Triciclos e Quadriciclos de Cilindrada Superior a 50 cm3, e estabelece a instalação obrigatória de um dispositivo electrónico de matrícula em todos os veículos automóveis e seus reboques, em todos os motociclos e os triciclos autorizados a circular em infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxa de portagem.
(Publicado no Diário da República n.º 95, I Série)

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Quando submeteu a sua Proposta de Lei n.º 213/X à Assembleia da República, no sentido de obter a autorização legislativa para instituir a obrigatoriedade do uso do dispositivo electrónico de matrícula, o Governo apresentou esta medida como um passo fundamental e decisivo.

Podemos aliás constatar, lendo a Exposição de Motivos da citada Proposta de Lei, o entusiasmo com que o Governo apresentava este dispositivo:

«O dispositivo electrónico de matrícula, ao permitir a prática de procedimentos automáticos de fiscalização, constituirá um instrumento fundamental para o incremento da Segurança Rodoviária, preventiva e reactiva e, consequentemente, para a diminuição da sinistralidade automóvel.

Será igualmente uma mais valia para a melhoria da gestão de tráfego e sua monitorização fornecendo informação fundamental para suportar o planeamento das infra-estruturas rodoviárias.»

Estaríamos assim perante a adopção de um sistema que, segundo o Governo, resultaria na diminuição da sinistralidade automóvel, no incremento da segurança rodoviária preventiva e reactiva, a melhoria da gestão de tráfego e sua monitorização.

De resto, no próprio articulado da Proposta de Lei, o Governo adiantava os objectivos (referidos como «fins principais») desta medida: o primeiro corresponderia a «fiscalização do cumprimento do Código da Estrada e demais legislação rodoviária»; o segundo à «identificação de veículos, designadamente para efeitos de reconhecimento de veículos acidentados ou abandonados»; e finalmente o terceiro lá revelava a «cobrança electrónica de portagens em conformidade com o Serviço Electrónico Europeu de Portagem bem como outras taxas rodoviárias e similares».

Ou seja, tratar-se-ia de uma opção em que a tutela dos interesses públicos em presença - correspondentes antes de mais à «diminuição da sinistralidade automóvel» e ao «incremento da segurança rodoviária» - supostamente justificaria uma restrição em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (assim identificada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados).

No entanto, é uma evidência que toda essa propaganda serviu afinal para criar um sistema exclusivamente orientado para a cobrança electrónica de portagens - tal como se assume agora no próprio preâmbulo do decreto-lei em apreço. A consideração dos interesses públicos em causa exige assim forçosamente uma reponderação.

Com efeito, o que o Governo decidiu criar é um poderoso e imenso conglomerado de bases de dados, integrando todos os veículos nos quais seja obrigatória a utilização deste dispositivo electrónico de matrícula. E, citando o decreto-lei em apreço, «a instalação do dispositivo electrónico de matrícula é obrigatória para todos os automóveis e seus reboques, para todos os motociclos, bem como para os triciclos autorizados a circular em auto-estradas ou vias equiparadas, podendo, por despacho do membro do Governo responsável pelas obras públicas e transportes, esta obrigação ser alargada às restantes categorias de veículos».

Essas bases de dados podem ser acedidas pelas forças de segurança, concessionárias e subconcessionárias de infra-estruturas rodoviárias, a nova empresa SIEV SA, o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias e as "entidades de cobrança de portagens".

As circunstâncias e os termos em que se prevê a concretização deste sistema passam em larga medida, e em matérias fundamentais, pela aprovação de uma Portaria do Governo, que por definição ficará excluída do âmbito da fiscalização política exercida pela Assembleia da República. Só por si este facto suscita as maiores reservas e preocupações quanto à transparência e controlo democrático sobre uma medida tão sensível como esta, desde logo em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Por outro lado, é a própria CNPD que afirma no seu Parecer n.º 42/2008 que «esta obrigatoriedade tem de ser compatibilizada com a liberdade dos condutores, que lhes assiste enquanto aspecto da sua liberdade de circulação, de escolherem entre o pagamento da portagem através do sistema de leitura do dispositivo de matrícula por radiofrequência e a cobrança dessa taxa por outros meios já existentes no local da portagem. O sistema a implementar deve portanto ser semelhante ou ser até uma continuação do Sistema de Cobrança de Taxas de Portagem "Via Verde" (...)».

Ora, o que verificamos no articulado do Decreto-Lei em apreço, nomeadamente no n.º 12 do artigo 9.º, é que os proprietários de veículos já hoje integrados no sistema "Via Verde" com os respectivos identificadores, e que não aceitem a sua transição automática para o novo sistema agora instituído «(...) devem proceder à instalação de dispositivos electrónicos de matrícula, nos termos do presente artigo, cessando a possibilidade de utilização dos identificadores associados ao sistema Via Verde não convertidos em dispositivos electrónicos de matrícula, para efeitos de pagamento de portagens (...)».

Daqui se conclui que estamos apenas perante um novo sistema de identificadores para cobrança de portagens, seja nas actuais auto-estradas SCUT, seja noutras que no futuro viessem a ser decididas.

Trata-se de um processo politicamente inaceitável, com a mobilização de recursos do Estado e dos automobilistas para um negócio de milhões com as concessionárias e subconcessionárias da rede rodoviária.

Recordamos aliás as palavras do actual Presidente da "Estradas de Portugal SA" na Comissão Parlamentar de Obras Públicas, confirmando que o novo modelo de financiamento daquela entidade, e da rede rodoviária nacional, implicava e previa a introdução de novas portagens no futuro (e eventualmente não só nas actuais SCUT).

Finalmente, não podemos ignorar que em diversas ocasiões, os membros do Governo responsáveis por esta tutela já admitiram o propósito de, a prazo, abrir caminho à eliminação os actuais serviços de cobrança directa de portagem nas suas instalações físicas - e os correspondentes postos de trabalho - e converter todo o sistema à adopção de portagens por cobrança electrónica. Isso mesmo foi publicamente corroborado pelo responsável máximo de uma das principais empresas concessionárias.

Razão tinham, por tudo isto, os trabalhadores do sector quando suscitaram o seu testemunho de alerta e preocupação face ao sentido deste decreto-lei, denunciando vários meses antes da sua publicação o objectivo primordial da introdução de portagens nas SCUT e a extensão do dispositivo à restante rede como um sério risco para todos os trabalhadores das várias concessionárias.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 199.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 112/2009, de 18 de Maio, que «no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 60/2008, de 16 de Setembro, procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 54/2005, de 3 de Março, que aprovou o Regulamento do Número e Chapa de Matrícula dos Automóveis, Seus Reboques, Motociclos, Triciclos e Quadriciclos de Cilindrada Superior a 50 cm3, e estabelece a instalação obrigatória de um dispositivo electrónico de matrícula em todos os veículos automóveis e seus reboques, em todos os motociclos e os triciclos autorizados a circular em infra-estruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxa de portagem.»

Assembleia da República, em 12 de Junho de 2009

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