Intervenção de

Regulamentação dos Conselhos Municipais de Educação e aprovação do processo de elaboração de carta educativa,<br />Intervenção do Deputado Honório Novo

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

O Decreto-lei 7/2003, publicado em 15 de Janeiro, pretende em síntese transferir novas atribuições e competências do poder central para as autarquias locais.

Só que, a reboque dessas transferências, altera também elementos determinantes da autonomia pedagógica, científica e organizativa das escolas e dos professores que, pelo menos, deveriam ter imposto, como a lei aliás determina, uma negociação com as estruturas representativas dos professores. Estamos perante um diploma que estatui modificações cuja natureza obriga a negociações com as organizações sindicais e que não pode, nem deve, limitar-se, como o Governo fez, a uma mera e circunstancial solicitação dirigida aos Sindicatos para a emissão de “eventuais comentários”.

É que, talvez o Governo não saiba, mas uma coisa é solicitar um comentário, outra bem diferente é estabelecer um processo negocial.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

O PCP considera que os Conselhos Municipais de Educação poderão e deverão ser instrumentos do processo de descentralização da administração educativa. Só que, o que o Governo pretende é que eles sejam – ainda por cima cometendo esse papel ao poder local – instrumentos quase de tutela das escolas dos diversos graus de ensino.

Nesta medida, não espanta que haja competências atribuídas aos novos Conselhos Municipais de Educação que são muito pouco claras, algumas delas mesmo abusivas. Disso são exemplos a possibilidade dos Conselhos Municipais de Educação passarem a poder efectuar avaliações do desempenho dos docentes, a poder intervir na execução dos contratos de autonomia e a poderem pronunciar-se, com carácter vinculativo, sobre os projectos educativos das escolas.

Este Decreto-lei esquece assim, ou melhor, quer deitar para o caixote do lixo elementos determinantes previstos no Estatuto da Carreira Docente e nos princípios de autonomia do funcionamento das Escolas.

Com que legitimidade se pretende que os Conselhos Municipais de Educação passem a analisar o desempenho do pessoal docente e não docente das escolas, sabendo-se que uma tal avaliação só pode e deve ser efectuada no interior dos estabelecimentos de ensino, por quem tem essa competência estrita e por quem vive o quotidiano dos estabelecimentos de ensino?

Com que legitimidade se pretende que os Conselhos Municipais de Educação passem a apreciar os projectos educativos a desenvolver pelas escolas do município, aprovados no âmbito dos seus órgãos competentes?

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

Também quanto à composição dos Conselhos Municipais de Educação, o Decreto-lei apresenta soluções desajustadas e incoerentes.

Se é certo que os estabelecimentos de ensino privado têm representação prevista nessa composição, o Decreto-lei elimina, pura e simplesmente, a representação dos estabelecimentos de ensino públicos dos níveis básico, secundário e pré-escolar, o que, sendo inaceitável, não deixa de ser revelador das opções deste Governo.

Mas há mais e igualmente significativas opções neste Decreto-lei.

Para este Governo, fica a saber-se que o pessoal não docente não conta.

Para este Governo fica a saber-se que a representação dos docentes deve fazer-se por escolha governamental, isto é, por indicação nominal das suas direcções regionais de educação.

Para este Governo a capacidade das comunidades escolares para indicarem os seus próprios representantes, a todos os níveis, parece assim valer nada.

A composição dos Conselhos Municipais de Educação não pode acentuar o seu carácter administrativo. Importa, por isso, que a sua composição integre e motive participações diferenciadas.

É este também o interesse do Poder Local que não pode, nem deve, estar interessado em ver-se envolvido numa operação de reforço do controle das escolas e de centralização administrativa do sistema educativo.

Mas no plano local é também limitativa a participação, podendo e devendo garantir-se na sua composição uma pluralidade de opiniões traduzida numa maior intervenção das Assembleias Municipais (afinal o órgão que formalmente constitui os Conselhos Municipais de Educação) e permitindo também, por seu intermédio, a participação de um representante das Juntas de Freguesia.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

Este Decreto-lei não se fica pela ingerência indevida e abusiva em questões educativas e pedagógicas.

Este Decreto-lei aproveita também a boleia das cartas educativas e da sua elaboração para, a reboque, legislar sobre transferências de competências que, a nosso ver, devem merecer um tratamento autónomo e distinto.

Uma coisa é a criação, as competências e objectivos dos Conselhos Municipais de Educação. Outra questão, inteiramente diversa desta, é a tentativa de transferir para o Poder Local responsabilidades totais pela construção e apetrechamento da quase totalidade dos estabelecimentos de educação e ensino neste País.

Uma coisa é a forma de elaborar e de rever a carta educativa, de estabelecer um ordenamento das redes educativas municipais. Outra coisa bem distinta, que aparece a reboque, é a transferência de património, e igualmente a transferência de responsabilidades de gestão de pessoal não docente para o âmbito municipal.

O PCP está inteiramente disponível para analisar e intervir em iniciativas legislativas destinadas especificamente a abordar transferências de competências que queiram imputar aos municípios a responsabilidade pela aquisição de terrenos, pela elaboração de projectos, pela construção, pelo apetrechamento, pela manutenção e pela conservação de todos os estabelecimentos de ensino. Parece ser este o caderno de encargos que o Governo quer oferecer, qual presente envenenado ao Poder Local. Pelo nosso lado estamos abertos a discutir esse desejo governamental de imputar ao poder local, não só todas essas responsabilidades nas escolas da educação pré-escolar e do lº ciclo do ensino básico – o que aliás o Poder Local já faz, inteiramente às suas custas -, como discutir o alargamento dessas responsabilidades à construção de todas as escolas do 1º ciclo, do 2º ciclo e, certamente do próprio ensino secundário.

Estamos dispostos para analisar e intervir nessa discussão. Com a ponderação e a equidade que este Diploma, pela sua natureza, não tem nem pode ter.

O que julgamos não ser desejável, nem aceitável, é que a reboque de um diploma com outra génese e diferentes objectivos se esteja, à socapa, a onerar sempre e cada vez mais o Poder Local.

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados

O Decreto-lei 7/2003 exige uma alteração profunda.

Para permitir que em matéria pedagógica e educativa ele seja expurgado de dispositivos no mínimo abusivos.

Para permitir equilibrar, racionalizar e democratizar a composição dos Conselhos Municipais de Educação.

Para impedir que a reboque da elaboração das cartas educativas o Governo procure continuar a apertar o garrote ao Poder Local.

Para isso iremos entregar um conjunto de alterações com o qual queremos suscitar uma profunda e criteriosa discussão na especialidade.

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