Regionalização
Intervenção de João Amaral
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Com as votações que ocorrerão dentro de momentos, a Assembleia da República
aprova finalmente a Lei de Criação das Regiões Administrativas no continente
vinte e um anos passados desde a aprovação da Constituição da República e das
normas que nela prevêem a regionalização como processo de democratização e descentralização
da estrutura do Estado.
Vinte e um anos é um tempo imenso, o tempo de "nascer, crescer e ser adulto",
o tempo de uma geração inteira. Para nós, foi tempo demais para uma reforma
do Estado tão necessária e tão justa como é esta. Mas, todos o sabemos, as reformas
democráticas sempre suscitaram resistências fortes, baseadas nos interesses
instalados, nas concentrações de poder que são ameaçadas, nas estruturas hierárquicas.
Essas resistências traduziram-se em monumentais campanhas de mentira e desinformação,
onde valeu tudo, desde a utilização sistemática dos mecanismos de dilação, até
à inadmissível e aviltante instrumentalização dos símbolos nacionais. Contra
essa campanha ergueu-se a voz dos municípios, assembleias e câmaras, a voz das
associações regionais e locais, de todo o género, designadamente empresariais,
de desenvolvimento e sindicais, a voz da imprensa e das rádios locais, expressão
próxima das inquietações e aspirações das zonas mais deprimidas. A todos os
que continuaram a lutar pela regionalização, contra mentiras e pressões, devemos
aqui saudá-los e lembrá-los pois eles são partes importante, parte decisiva
deste passo que hoje é dado para a criação das regiões.
O debate aqui travado mostrou, como se previa, que os interesses, os poderes
e as hierarquias ameaçados pela criação das regiões, encontraram aqui quem os
defendesse, tanto nos Deputados do PSD como nos do PP.
As direcções do PSD e PP foram aqui porta-vozes assumidos do centralismo. Prosseguiram
aqui estritos objectivos políticos partidários, a que sacrificam impudicamente
objectivos nacionais tão decisivos como os de vencer as desigualdades e assimetrias
e promover o desenvolvimento harmonioso do País. Foram aqui mais uma vez bloqueadores
das formas de participação e intervenção das populações na resolução dos problemas.
Opuseram mais uma vez novas formas de descentralização e, portanto, de democratização
do Estado. Na posição que aqui hoje assumiram, as direcções do PSD e do PP deixaram
cair a máscara da hipocrisia. Foram centralistas contra o País, contra o poder
local, contra a democratização do Estado, contra o desenvolvimento, até mesmo
contra milhares de votantes, simpatizantes e quadros dos seus próprios partidos
PSD e PP!
Como último reduto, PSD e PP querem usar o mapa concreto das regiões agora
aprovado para combaterem a regionalização fomentando questiúnculas de fronteiras,
oposições conjunturais, desacertos de posições partidárias. Senhores Deputados:
se havia alguma coisa secreta neste processo era a proposta
do PSD de regiões, era a posição do PSD sobre a regionalização. Os mapas das
propostas do PCP, PEV e PS estão publicadas há mais de um ano, sobre elas foram
escritas toneladas de folhas de papel, com artigos, comentários e pareceres.
Quem não foi transparente, quem andou aos ziguezagues, quem enganou os eleitores,
foi a direcção do PSD, que ano a ano, ao sabor da conjuntura, foi sendo a favor,
contra ou assim-assim. Hoje acabou a hipocrisia!
As regiões são uma grande reforma democrática, que dá ao país um novo e importante
instrumento para o processo de desenvolvimento e de democratização do Estado.
A instituição das regiões, descentralizando serviços públicos e possibilitando
a sua coordenação a nível regional, é um passo decisivo para a reforma da Administração
Pública tão falada e sempre adiada. Os que falam desta reforma e se opõem à
regionalização, na verdade o que querem é não uma reforma, mas quando muito
uma redistribuição de capelinhas mas todas e sempre penduradas no Terreiro do
Paço.
As regiões são poder democrático mais próximo das populações, o que evidentemente
dói ao PSD e ao PP, mas significando maior controlo dos cidadãos. Sobre as decisões
políticas, significa assim forçosamente mais democracia.
As regiões são, finalmente, um importante instrumento do processo de desenvolvimento,
ao permitirem a redistribuição de um fundo de coesão para o exercício das suas
competências próprias, e ao permitirem que as forças da própria região possam
modelar o seu futuro em opções essenciais.
Estas são as razões que levam o PCP a congratular-se com a votação que hoje
aqui é feita e com a lei que aqui vai ser aprovada.
Mas, há duas prevenções essenciais, a fazer no termo deste debate, quanto aos
perigos que espreitam a efectiva criação das regiões: Não só a sua instituição
pode ser bloqueada nas dificuldades do referendo, como elas podem ser esvaziadas
de funções, reduzindo-lhes o seu campo de intervenção.
O referendo foi uma imposição do PSD e do PP, que o PS aceitou e assumiu. Mas
o PSD e o PP, como hoje se vê claramente, não queria o referendo para que a
regionalização se fizesse, mas precisamente o contrário, para impedirem. Os
Senhores Deputados que votaram a revisão constitucional e a forma
como foi lá inscrito o referendo assumiram a responsabilidade de uma enorme
trapalhada, acerca das perguntas, da eficácia, dos prazos, que põe a revisão
em perigo. Da nossa parte, lutaremos pela efectiva instituição das regiões,
sem esquecermos as responsabilidades que assumiram os que inventaram esta teia
de dificuldades e de instrumentos de bloqueio.
A segunda prevenção refere-se às efectivas funções das regiões. O Senhor Primeiro
Ministro afirmou uma vez numa entrevista na televisão que as regiões só deviam
intervir na escolha dos investimentos e no seu estudo. Assim, verdadeiramente,
não teríamos regiões, mas tão somente comissões técnicas eleitas. Não aceitaremos
tão solução, que desvirtuaria o sentido profundo desta grande reforma do Estado.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
As regiões que agora são criadas foram submetidas a um longo e minucioso processo
de consulta. Os projectos foram divulgados há de um ano. As Assembleias Municipais
pronunciaram-se. Com base na pronúncia, em 31 de Julho de 1997 a Comissão de
Poder Local votou as oito regiões, com base nos limites distritais. Logo nesse
dia 31 de Julho, em declaração de voto, dissemos que até à votação na especialidade
em Plenário deveriam ser feitos os acertos de fronteira, de acordo com a vontade
expressa das Assembleias Municipais. Foi o que foi feito em dois concelhos de
Aveiro, cinco de Viseu e três de Leiria. Todas as mudanças feitas obedeceram
ao critério de manifestação expressa da vontade da Assembleia Municipal, por
região contígua, com respeito do princípio da continuidade.
É esta vontade das populações, expressa pelas Assembleias Municipais, que para
nós constitui a pedra de toque deste processo.
Um processo de que resultará mais desenvolvimento, maior coesão nacional,
maior democracia.
Disse.