Do Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, que «Estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques e funcionamento dos centros de inspecção e revoga o Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro»
Publicado no Diário da República n.º 91, Série I, de 11 de Maio de 2010
O Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, procede à revisão do Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro que regulava a actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques.
O novo enquadramento legislativo da actividade de inspecção técnica de veículos representa uma ruptura com o quadro legislativo anterior (Decreto-Lei n.º 550/99 de 15 de Dezembro), com a completa liberalização do acesso das empresas a essa actividade, substituindo a anterior fórmula de uma concessão condicionada.
O Grupo Parlamentar do PCP requer a apreciação parlamentar do Decreto -Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio por duas razões essenciais: (i) pelo seu conteúdo liberalizador, que a curto ou médio prazo se traduzirá pelo encarecimento do serviço, degradação da sua qualidade e redução da malha de cobertura do território nacional; (ii) pela forma como o Governo conduziu a revisão do anterior quadro legislativo, violando a boa fé da participação das associações empresariais do sector nesse processo e numa posição de completa subserviência face aos órgãos comunitários.
1.A actividade de inspecção periódica de veículos em centros de inspecção foi regulada, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º 154/85 de 9 de Maio. Desde então a realização de inspecções esteve cometida à Direcção-Geral de Viação (organismo hoje extinto e substituído nas suas funções pelo IMTT), sendo que logo, foi admitido e consagrado o regime de concessão a outras entidades para o seu desempenho. Desde aquela data foram sendo publicados sucessivos quadros legislativos (Decreto-Lei n.º 352/89 de 13 de Outubro, Decreto-Lei n.º 254/92 de 20 de Novembro e Decreto-Lei n.º 550/99 de 15 de Dezembro), alguns dos quais não tiveram consequências práticas, numa evolução crescentemente liberalizadora. De facto foi transferida para o sector privado uma actividade correspondente a uma evidente e intrínseca atribuição e competência pública: o serviço público de inspecção, que devia assegurar com isenção, em nome do Estado Português, a defesa de interesses gerais públicos, nomeadamente a segurança rodoviária e uma cobertura adequada do território nacional. Mas tal legislação, criou um facto consumado, um mercado fortemente condicionado, com cerca de 171 centros de inspecção, 80 empresas, na sua generalidade, PME, com excepção de dois grupos que dominam 50% do sector. Empresas que deviam ser rigorosamente fiscalizadas pelo DGVT/IMTT, assegurando uma elevada qualidade de serviço.
2. Em Dezembro de 2008 o Ministério que tutela o sector (Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações) informou as Associações de empresários (ANCIA e ANEIA) da necessidade de rever o quadro legislativo – Decreto-Lei n.º 550/99 de 15 de Dezembro – que regulava o regime jurídico de acesso e permanência na actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques, face ao questionamento das suas regras por órgãos comunitários, nomeadamente a figura de “autorização administrativa”.
Durante o ano de 2009, a Secretaria de Estado dos Transportes elaborou em articulação com as Associações um projecto de novo quadro jurídico, onde a “autorização administrativa” era substituída pela figura de “concessão”. Ante-projecto de legislação, que certamente tinha em conta as imposições da União Europeia, pois só assim se admite que tivesse tido o acordo do IMTT e do Secretário de Estado dos Transportes.
Surpreendentemente, em 29 de Janeiro as Associações são confrontadas pelo Governo com outra versão do quadro jurídico, e dois dias para se pronunciarem. Versão que tendo como conteúdo central a liberalização do acesso à actividade, numa reformulação de fundo do que tinha sido acordado, teve a oposição das associações. Aprovado pelo Conselho de Ministros foi publicada em 11 de Maio de 2010, o Decreto-Lei n.º 48/2010.
3. Este regime de liberalização suscita ainda preocupações legítimas e fundadas de agravamento da situação actual quanto às condições de trabalho designadamente do pessoal técnico de inspecção de veículos. Pode até colocar-se o problema de, potencial e eventualmente, se pôr em causa a própria independência dos inspectores, tendo em conta a perspectiva de “concorrência” entre centros de inspecção (enquanto empresas) em que a ameaça do encerramento pode perverter de forma perigosa o quadro de funções exercidas.
Estas preocupações não foram tidas em conta pelo Governo na elaboração do Decreto-Lei em causa – e poderiam ter sido colocadas atempadamente, caso a tutela tivesse ouvido os representantes dos trabalhadores do sector, nomeadamente as suas organizações sindicais.
4.Por requerimento do Grupo Parlamentar do PCP a 6 de Março foi ouvido o Secretário de Estado dos Transportes, que questionado sobre o processo de revisão do Decreto-Lei n.º 550/99 e o conteúdo do Decreto-Lei n.º48/2010, de 11 de Maio, não esclareceu questões essenciais. Nomeadamente:
-porque razão Portugal foi obrigado pela União Europeia a uma liberalização do acesso à actividade de inspecção, quando outros países mantinham regimes bastante mais restritivos como a Alemanha e a Espanha. A invocação do Secretário de Estado da existência de uma “tendência liberalizante” na Europa não é razão bastante para justificar as opções feitas;
-porque se comportou o Estado português, de forma escandalosamente subserviente face aos órgãos comunitários, através da solicitação de um inaceitável e nem sequer exigível, no quadro dos Tratados, visionamento de projecto de diploma governamental, e não tendo sequer reclamado um parecer fundamentado sobre o assunto, em conformidade com o artigo 260º do TUE;
-não demonstrou que os riscos do processo de liberalização, estavam salvaguardados, entre os quais: (i) impactos negativos na segurança rodoviária por degradação da qualidade do serviço sob a pressão de operadores marginais, através da opção dos clientes por baixos preços; (ii) agravamento das carências na cobertura da malha do território; (iii) num quadro de mercado com procura limitada (parque automóvel nacional), erosão dos níveis de rentabilidade, com falência de pequenas empresas e o correspondente desemprego, atingindo particularmente os actuais operadores, a braços com o serviço de divida decorrente de significativos investimentos na expectativa da continuação de um regime de acesso regulado.
Face às considerações acima expostas, ao abrigo do artigo 169.º da Constituição e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP, requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 48/2010, de 11 de Maio, que «Estabelece o regime jurídico de acesso e de exercício da actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques e funcionamento dos centros de inspecção e revoga o Decreto-Lei n.º 550/99, de 15 de Dezembro».
Assembleia da República, em 12 de Maio de 2010