Debate sobre as actividades profissionais e o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos cargos políticos e altos cargos públicos
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Quero desde já anunciar que o PCP apresentará, hoje mesmo, uma iniciativa legislativa sobre esta matéria que, retomando algumas das questões de projectos anteriores, tem também alguns aperfeiçoamentos, que a vida tem vindo a provar serem necessários, em matéria de impedimentos quer para os Deputados quer para outros titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Julgo que o problema das incompatibilidades e dos impedimentos tem duas vertentes muito importantes.
A primeira é a de garantir que o exercício desses cargos se faz de forma totalmente independente. É por isso que não pode haver vinculação a outras entidades públicas, a cargos de nomeação pelo Governo, e existe uma série de outras incompatibilidades que preservam a independência do exercício do mandato de Deputado.
Mas cada vez mais, na sociedade em que vivemos, a importância destes dois regimes tem também que ver com a limitação da promiscuidade com interesses nos sectores privados. Essa outra vertente tem uma importância crescente e não deve ser desprezada na elaboração da legislação sobre esta matéria.
É desse ponto de vista que, de facto, o País assiste, com muita preocupação, a uma cada vez maior subordinação do poder político ao poder económico.
É ver o corrupio de membros de governos e de administrações de empresas públicas para o sector privado, e vice-versa, logo que termina um governo ou começa outro.
É ver como, mesmo respeitando os períodos de nojo da lei, o que há é, evidentemente, uma confluência de exercício ao serviço do interesse privado, quando se está em funções públicas e quando, depois, se vai para as funções privadas.
É isso que mina, em boa parte, a nossa democracia e a credibilidade das instituições políticas, e atalhar esses problemas é um requisito indispensável para melhorar a qualidade da democracia.
É evidente que nenhuma lei, por mais perfeita que seja, pode impedir comportamentos não éticos, ou contra a ética, no exercício dos mandatos públicos. Isso nunca será possível evitar pelo aperfeiçoamento da lei. Mas isso é uma coisa e outra coisa é fecharmos os olhos a situações absolutamente inaceitáveis, que continuamos a ter nas malhas da lei.
Sobre isso, quero dizer que, nesta Legislatura, temos feito um esforço de propor soluções para esses problemas, até tendo em conta não só insuficiências da lei mas também interpretações abusivas que a maioria do Partido Socialista impôs na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, durante esta Legislatura.
A ideia de que os advogados, ou outros profissionais, estão sujeitos a um regime de impedimentos mas as sociedades de advogados já não estão sujeitas a nenhum regime de impedimentos é um absurdo total e não é compaginável com uma democracia que se quer transparente e com o exercício transparente dos cargos públicos e políticos.
E essa interpretação abusiva, feita a propósito de um caso concreto, feita para justificar um caso concreto, tem de ser corrigida e clarificada, como sucede com muitas outras.
Por exemplo, não é justo - e consideramos que é - que as limitações não se façam só em relação às empresas maioritariamente públicas mas também em relação a todas aquelas em que o Estado tenha uma participação?
Não é justo que o regime que se aplica após a cessação de funções dos membros do Governo tenha que aplicar-se também a altos cargos públicos, como a presidência de empresas públicas, para que se possa proibir que logo depois de se sair de uma instituição pública, por exemplo, da Caixa Geral de Depósitos, se possa estar já no seu concorrente privado, com todo o conhecimento que se tinha da estratégia comercial da empresa pública?
Isto não tem que ser proibido e esses impedimentos pós-exercício de funções não têm que ser alargados não só aos titulares de cargos políticos - e bem - mas também àqueles altos cargos públicos em que esta questão tem ainda que colocar-se?
É igualmente condenável que um dirigente nomeado politicamente para uma empresa pública ou para um alto cargo público possa, depois, estar numa empresa privada do mesmo sector a defender interesses contrários ao interesse público, tantas vezes! Isso não pode ser e propomos que deixe de acontecer.
Queria ainda dizer que há uma série de artifícios que, hoje, se continuam a utilizar que não podem ser mantidos.
O facto de se ter menos de 10% de participação numa sociedade não quer dizer que essa participação não seja relevante.
A relevância vê-se em função do caso concreto e não em função da dimensão da participação.
O PSD, que trouxe a este debate à Assembleia da República, fez aqui um bocadinho o papel daquela noiva que atira o ramo ao ar, de olhos fechados, e não sabe bem onde é que ele vai cair.
Mas ficamos à espera de ver onde é que cai o «ramo» do PSD, não sem lembrar que todas estas propostas, a maioria das quais já apresentámos duas vezes nesta Legislatura, tiveram sempre o voto contra do PSD.
Provavelmente, nessa altura não tinham o interesse mediático que hoje têm e, portanto, não despertavam a simpatia do Partido Social Democrata.