Exposição de Motivos
O decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio, procurou reformular e uniformizar os regimes de renda dos imóveis sujeitos, até então, ao regime de arrendamento social, de modo que a todas as habitações destinadas a arrendamento de cariz social, quer adquiridas ou construídas pelo Estado, seus organismos autónomos ou institutos públicos, quer pelas autarquias locais ou pelas instituições particulares de solidariedade social, desde que com o apoio financeiro do Estado, se aplicasse um único regime.
O regime de renda apoiada estabelecido pelo referido decreto-lei apresentava aspetos positivos: procurava uniformizar uma panóplia de regimes de arrendamento que, pela sua diversidade, traduziam soluções de desigualdade; definia o chamado preço técnico, impedindo o crescimento da renda para valores especulativos; avançava com a definição de critérios sociais que, a partir da determinação de uma dada taxa de esforço, permitiam o cálculo da renda que o arrendatário podia efetivamente suportar.
Apesar destes aspetos positivos, a aplicação do referido diploma revelou a necessidade de melhorar os critérios sociais de cálculo da renda, os quais, tal como estão, conduzem a um esforço desmesurado, sobretudo para famílias de mais baixos rendimentos. Esta situação é de tal forma sentida que muitos municípios, de uma ou de outra forma e ao arrepio da lei, não adotaram os critérios contidos no decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio.
O regime da renda apoiada tem vindo a ser aplicada progressivamente em alguns bairros, como é exemplo o Bairro das Amendoeiras e dos Loios em Lisboa, no Porto, em Guimarães, na Quinta do Cabral no Seixal e no Bairro Rosa em Almada. Esta situação tem vindo a alargar-se a outros bairros sociais sob tutela direta do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). A aplicação deste regime aos moradores das habitações sociais, destinadas a famílias de baixos rendimentos, levou a aumentos brutais das rendas. Valores de renda que anteriormente se cifravam nos 30€ ou 40€, aumentaram para 200€, 300€ e mesmo para 400€, incomportáveis para a esmagadora maioria das famílias, face aos seus rendimentos.
Os moradores que realizaram obras de melhoramento nas habitações são ainda mais prejudicados, dado que a sua renda é agravada devido à valorização do critério de conforto. Para além do Governo não cumprir as suas responsabilidades e realizar as intervenções que lhe compete, beneficia, deste modo, com os investimentos dos moradores.
No caso da Quinta do Cabral no Seixal e no Bairro Rosa em Almada, a aplicação do regime da renda apoiada foi justificada com a realização de obras de conservação nos prédios. Contudo, estas obras consistiram somente na pintura exterior dos edifícios, que já tem mais de 25 anos, mantendo-se por resolver todos os problemas estruturais destes e dos espaços exteriores.
Nos últimos anos verificou-se uma amplificação da luta dos moradores atingidos com a aplicação do regime renda apoiada. Reivindicam a alteração da atual legislação, através da introdução de critérios justos, que atenda às preocupações de natureza social, e exigem a realização das obras de conservação nas habitações que são da responsabilidade do Governo.
Com o objetivo de resolver as situações de injustiça que resultam da aplicação do decreto-lei n.º 166/93, de 7 de maio, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em julho de 2011, o projeto de lei n.º 20/XII/1ª. À iniciativa legislativa do PCP, seguiram-se, já em agosto e setembro de 2011, iniciativas de outras forças políticas sob a forma de projetos de resolução: n.º 34/XII/1.ª (BE), n.º 58/XII/1.ª (CDS-PP), n.º 68/XII/1.ª (PSD) e n.º 81/XII/1.ª (PS).
Embora o projeto de lei apresentado pelo PCP tivesse sido rejeitado pelo PSD, PS e CDS-PP, teve o mérito de alertar para a desadequação do atual regime de renda apoiada e recolocar na ordem do dia a questão da necessidade de revisão deste regime.
Da discussão em torno do projeto de lei do PCP e dos projetos de resolução do BE, do CDS-PP, do PSD e PS resultou a aprovação, em 23 de setembro, da Resolução da Assembleia da República n.º 152/2011, que recomenda ao Governo que proceda à reavaliação do atual regime de renda apoiada, aplicável a nível nacional, segundo um princípio de igualdade e justiça social, e ainda que preveja, nos casos em que a aplicação do regime de renda apoiada se traduziu em aumentos substanciais para as famílias, a existência de um mecanismo de aplicação gradual.
Desde o primeiro momento, o PCP denunciou a intenção dos partidos que suportam o Governo, PSD e CDS-PP, e ainda do PS, de adiar a resolução deste problema por tempo indeterminado, evitando a aprovação pela Assembleia da República de um regime de renda apoiada mais justo e optando por insistir na penalização dos moradores das habitações sociais, trocando “o certo pelo incerto”.
Passados quinze meses desde a aprovação da referida Resolução da Assembleia da República, o Governo não procedeu, nem deu mostras de querer proceder, à revisão do regime de renda apoiada. Tal alheamento por parte do Governo é inaceitável e revela uma profunda insensibilidade relativamente à situação de muitos milhares de famílias, residentes em fogos de habitação social, cujas rendas estão a ser atualizadas com base no injusto regime ainda em vigor.
Perante a inaceitável passividade do Governo, torna-se necessário que a Assembleia da República assuma a iniciativa de rever o regime de renda apoiada, pelo que o Grupo Parlamentar do PCP reapresenta este projeto de lei, que introduz critérios de maior justiça social na determinação do valor da renda apoiada, nomeadamente através da:
• Contabilização do valor líquido dos rendimentos auferidos, e não do valor ilíquido, no cálculo da taxa de esforço;
• Contabilização, para efeitos do cálculo da taxa de esforço, apenas dos rendimentos dos elementos do agregado com idade igual ou superior a 25 anos;
• Exclusão, do cálculo dos rendimentos do agregado familiar, de todos os prémios e subsídios de carácter não permanente, tais como horas extraordinárias, subsídio de turno, entre outros;
• Contabilização, para efeitos do cálculo do rendimento do agregado, de um valor parcial das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência, sempre que estas não atingissem o valor correspondente a três salários mínimos nacionais;
• Limitação do valor da renda a pagar a 15% do rendimento do agregado, sempre que este não excedesse o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Alteração
Os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
1 – Para os efeitos do presente diploma considera-se:
a) (…);
b) (…);
c) “Rendimento líquido mensal”, o quantitativo que resulta da divisão por 12 dos rendimentos anuais líquidos auferidos por todos os elementos do agregado familiar à data da determinação do valor da renda;
d) “Rendimento mensal corrigido”, rendimento líquido mensal deduzido de uma quantia igual a três décimos do salário mínimo nacional pelo primeiro dependente e de um décimo por cada um dos outros dependentes, sendo a dedução acrescida de um décimo por cada elemento do agregado familiar que, comprovadamente, possua qualquer forma de incapacidade permanente;
e) (…).
2 – Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior consideram-se rendimentos:
a) O valor mensal de todos os ordenados, salários e outras remunerações, incluindo os subsídios de natal e de férias, mas excluindo os restantes subsídios e prémios, tais como os referentes a horários por turnos e horas extraordinárias;
b) O valor mensal de subsídios de desemprego e rendimento social de inserção;
c) O valor de quaisquer pensões, nomeadamente de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência, bem como o complemento solidário para idosos;
d) Os valores provenientes de outras fontes de rendimento, com exceção do abono de família e das prestações complementares.
3 – Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior só são considerados os rendimentos dos elementos do agregado familiar com idade igual ou superior a 25 anos.
4 – Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2, os valores das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência e complemento solidário para idosos, iguais ou inferiores a três salários mínimos nacionais, são considerados parcialmente, para efeitos de cálculo da taxa de esforço, através da aplicação da seguinte fórmula:
Rt = 0,25×R× (R/SMN+1),
em que Rt é o rendimento para efeito de cálculo da taxa de esforço, R é o valor das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência e complemento solidário para idosos e SMN é o salário mínimo nacional.
Artigo 4.º
1 – O preço técnico a que se refere o artigo 2.º é calculado nos mesmos termos em que o é a renda condicionada, sendo o seu valor arredondado para o valor em euros imediatamente inferior.
2 – (…).
3 – (…).
Artigo 5.º
1 – (…).
2 – (…).
3 – O valor da renda é arredondado para o valor em euros imediatamente inferior com as seguintes condições:
a) não pode exceder o valor do preço técnico nem ser inferior a 1% do salário mínimo nacional;
b) não pode ser superior a 15% do rendimento líquido mensal do agregado familiar, sempre que este não exceda o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.
Artigo 6.º
1 – (…).
2 – (…).
3 – (…).
4 – No ato da presunção deve a entidade locadora estabelecer o montante do rendimento líquido mensal do agregado familiar que considera relevante para a fixação da renda e notificar o arrendatário no prazo de 15 dias.
Artigo 11.º
1 – O regime de renda apoiada estabelecido nos artigos anteriores pode ser aplicado pelas entidades referidas no artigo 1.º às habitações adquiridas ou promovidas pelas mesmas e destinadas a arrendamento para fins habitacionais.
2 – (…).
3 – (…).
4 – (…).
5 – (…).»
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, em 12 de dezembro de 2012