Projecto de Lei N.º 98/XII

Regime de excepção na atribuição de títulos de utilização de recursos hídricos a associações sem fins lucrativos

Regime de excepção na atribuição de títulos de utilização de recursos hídricos a associações sem fins lucrativos

(Quinta Alteração ao Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio que «Estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos»)

Exposição de Motivos

O Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, que estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos, surge na sequência da aplicação da Lei da Água – Lei nº 58/2005, de 29 de Setembro. O regime da utilização dos recursos hídricos introduziu novos procedimentos na utilização do território de domínio público hídrico, nomeadamente para a atribuição de licenças ou concessão.
De acordo com o Decreto-Lei nº 226-A/2007, as licenças de ocupação do domínio público hídrico são atribuídas mediante concurso público, a promover pela entidade competente na gestão desse território.
O PCP é favorável ao princípio de submeter a concurso público a atribuição de licenças para a eventual concessão de estruturas portuárias, de apoio à navegação ou de outras no âmbito do domínio público. Contudo, não podem ignorar-se as consequências desta norma para um vasto conjunto de associações navais e de clubes náuticos, sem fins lucrativos e que desenvolvem, muitas delas há décadas, uma relevante actividade ao nível desportivo, cultural e recreativo. Algumas destas associações colocaram preocupações pertinentes que devem ser analisadas e resolvidas.
Actualmente, é atribuída uma licença anual às associações que possuem as suas infra-estruturas e equipamentos no domínio público hídrico, na sequência de um pedido/requerimento dirigido à entidade competente, mediante o pagamento de uma renda mensal. A introdução do concurso público para atribuição de licença implica a prévia tomada de posse das instalações destas associações, instalações que na sua maioria foram construídas e requalificadas somente com o financiamento disponível das próprias associações e com o apoio das autarquias. Em muitas situações revitalizaram o meio envolvente. Não nos parece correcto que a entidade competente que gere as áreas que integram o domínio público hídrico, sem ter investido ou apoiado a requalificação do espaço, se limite, tão-somente, a proceder à cobrança da renda pela ocupação do espaço.
É expectável considerar que no processo de concurso público possam surgir outras propostas de entidades privadas, sobretudo com fins lucrativos, com capacidade para apresentarem condições mais vantajosas que estas associações não teriam a possibilidade de cobrir, dada a sua natureza associativa e sem fins lucrativos. Estas entidades sem fins lucrativos, entretanto, caso ainda assim obtivessem vencimento no concurso, teriam de apresentar uma garantia no início do contrato, ou seja, uma caução equivalente a 12 vezes o valor da renda mensal, o que constituiria mais um obstáculo, considerando que a maioria das associações não tem disponibilidade financeira.
Importa referir que as associações desenvolvem um vasto leque de actividades importantes, junto de crianças e jovens, na prática desportiva associada à náutica, na defesa do património cultural, sobretudo das embarcações tradicionais, mantendo viva as memórias e a identidade da população ligada às tradições náuticas. Muitas das actividades são desenvolvidas em parceria com outras entidades locais, como escolas, associações de jovens ou de idosos e com as autarquias.
Por exemplo, a Associação Naval Sarilhense, o Centro Náutico Moitense e a Associação Desportos Náuticos | Alhosvedrense “Amigos do Mar”, conjuntamente com a Câmara Municipal da Moita, já colocaram as suas preocupações ao Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, bem como à Administração do Porto de Lisboa (APL), entidade competente na gestão das áreas de domínio público hídrico no Estuário do Tejo. Também, em 2011, já não foram concedidas as respectivas licenças, porque a APL pretende implementar o novo procedimento concursal, dando assim cumprimento à lei. Estas associações navais e clubes náuticos no concreto, dispõem de instalações e infra-estruturas náuticas, que são mesmo consideradas nos planos estratégicos do Estuário do Tejo, no que respeita ao desenvolvimento e apoio à náutica de recreio. Podemos estar perante um sério risco de continuidade destes importantes projectos.
Impõe-se, portanto, uma alteração ao Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio. Assim, o PCP propõe que sejam excepcionadas as associações navais e os clubes náuticos que desenvolvam actividades de carácter cultural e desportivo, que tenham projectos já protocolados com as entidades que tutelam o domínio público hídrico ou que, de alguma forma, exerçam actividades de carácter educativo, cultural, desportivo ou outro, desde que de interesse público ou que tenham projectos já em curso ou obra co-financiada pelo QREN/outros de natureza supra-nacional; do procedimento concursal para a atribuição da respectiva licença.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
(Alteração)

Os artigos 20.º, 21º, 24.º e o nº 1 da alínea A) do ANEXO I (a que se refere o artigo 22º) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, que «Estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos», passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 20.º
Procedimento

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a licença de utilização é atribuída pela autoridade competente através de:
a) Pedido apresentado pelo particular;
b) Outorga de Protocolo com associações sem fins lucrativos, que tenham sido objecto de atribuição de licenças até à entrada em vigor do presente diploma, e que tenham vindo a exercer a gestão de domínio público hídrico, nomeadamente e não cumulativamente:
i) Desenvolvendo actividades de carácter educativo, cultural e desportivo na respectiva área;
ii) Mantendo e valorizando as zonas ribeirinhas e frentes de águas de domínio público hídrico, mantendo-as acessíveis às populações, incluindo instalações construídas e infra-estruturas de apoio;
iii) Desenvolvendo ou promovendo projectos ou participando nos objectivos das entidades que tutelam o domínio público hídrico, ou de alguma forma sejam responsáveis por actividades de carácter educativo, cultural, desportivo ou outro, de interesse público;
iv) Assumindo a responsabilidade pela conservação e manutenção de instalações construídas e infra-estruturas de apoio desses meios e da envolvente próxima;
v) Promovendo relevantes projectos aprovados ou em curso, co-financiados por fundos europeus;
2 - Para cumprimento da alínea b) do número anterior podem ser estabelecidos protocolos específicos entre as associações e as entidades competentes, desde que:
a) Garantam as actuais parcerias e contribuam para a continuação da realização de benfeitoras e para a optimização das condições de acesso e usufruto;
b) Na natureza desses protocolos a estabelecer entre associações sem fins lucrativos e as entidades competentes, se também estiverem associadas a propriedade e a manutenção de instalações construídas e infra-estruturas de apoio, os usufrutuários sejam responsáveis por planos de conservação desses meios e da envolvente próxima, no estrito âmbito da utilização dos recursos hídricos;
3 - O prazo da licença de utilização, para as entidades constantes da alínea b) do nº1 deste artigo, será de 10 anos, tácita e sucessivamente renovável, por iguais períodos, atendendo à natureza e à dimensão dos investimentos associados, bem como à sua relevância sociocultural e económica.
4 - O pedido é apreciado e decidido no prazo de 45 dias a contar do termo da fase de consultas prevista no artigo 15.º do presente decreto-lei.

Artigo 21.º
Licenças sujeitas a concurso

1- […].
2- […].
3 – Excluem-se do âmbito do nº 1 do presente artigo, os protocolos entre associações sem fins lucrativos e a entidade competente outorgados nos termos da alínea b) do nº 1, do artigo 20º do presente diploma.
4 — Quando a atribuição da licença resultar de iniciativa pública, a tramitação do procedimento concursal é a seguinte:
a) A autoridade competente procede à publicitação dos termos da utilização a licenciar através de anúncio em Diário da República e afixação de editais onde constem as principais características da utilização em causa, os critérios de escolha e os elementos estabelecidos na portaria a que se refere a subalínea ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 14.º do presente decreto-lei, convidando os interessados a apresentar propostas num prazo de 30 dias, com as respectivas condições de exploração;
b) As propostas não são admitidas:
i) Quando recebidas fora do prazo fixado;
ii) Quando não contenham os elementos exigidos no anúncio;
c) No prazo de 30 dias a contar do termo do prazo para a apresentação das propostas, o júri elabora um relatório em que procede à apreciação do mérito daquelas e as ordena para efeitos de atribuição da licença de acordo com os critérios fixados no anúncio de abertura do concurso;
d) Ordenados os concorrentes, o candidato seleccionado em primeiro lugar inicia o procedimento de licenciamento referido no artigo anterior, no prazo máximo de um ano, prorrogável por igual período e por uma única vez;
e) Se o concorrente não cumprir o estabelecido na alínea anterior ou se o pedido apresentado for indeferido, é notificado para o mesmo efeito o candidato graduado imediatamente a seguir e assim sucessivamente, enquanto não se esgotar o prazo de validade do concurso.
5 — Quando a atribuição da licença resultar de pedido apresentado pelo particular junto da autoridade competente, a tramitação do procedimento concursal é a seguinte:
a) O interessado apresenta um pedido de atribuição de licença, do qual constam a localização, o objecto e as características da utilização pretendida;
b) A autoridade competente procede à publicitação do pedido apresentado, através da afixação de editais e da publicação nos locais de estilo durante o prazo de 30 dias, abrindo a faculdade de outros interessados poderem requerer para si a emissão do título com o objecto e finalidade para a utilização publicitada ou apresentar objecções à atribuição do mesmo;
c) Decorrido o prazo referido na alínea anterior sem que seja apresentado um pedido concorrente, é iniciado o procedimento de licenciamento referido no artigo 20.º, no prazo máximo de um ano, prorrogável por igual período e por uma única vez;
d) Se durante o prazo referido na alínea b) forem apresentados pedidos idênticos de atribuição de licença, a autoridade competente inicia um procedimento concursal entre os interessados, que segue os termos fixados no número anterior, com as necessárias adaptações.
6 — Nos casos referidos no número anterior, o primeiro requerente goza do direito de preferência desde que comunique, no prazo de 10 dias a contar da notificação da escolha da proposta, sujeitar-se às condições da proposta seleccionada, salvo tratando-se de anterior titular que manifeste interesse na continuação da utilização, caso em que se observará o disposto no n.º 7 do presente artigo.
7 — Nos casos em que o concurso previsto no n.º 3 ficar deserto, a licença pode ser atribuída ao antigo titular nas condições postas a concurso.
8 — Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 34.º, o anterior titular pode manifestar à autoridade competente o interesse na continuação da utilização, no prazo de um ano antes do termo do respectivo título, gozando de direito de preferência, desde que, no prazo de 10 dias após a adjudicação do procedimento concursal previsto no n.º 3 ou no n.º 4, comunique sujeitar-se às condições da proposta seleccionada.
9 — No caso previsto no número anterior pode excepcionalmente ser prorrogado o prazo de validade do título de utilização até à decisão final do procedimento de concurso, não podendo, em qualquer caso, a referida prorrogação exceder o prazo máximo de dois anos.

Artigo 24.º
Atribuição de concessão

1- […].
2- […].
3 – Excluem-se do âmbito do nº 1 do presente artigo, os protocolos entre associações sem fins lucrativos e a entidade competente, outorgados nos termos da alínea b) do nº 1, do artigo 20º do presente diploma.
4 - O Governo pode promover a implementação de infra-estruturas hidráulicas públicas destinadas à produção de energia hidroeléctrica superior a 100 MegaWatt, sendo nesses casos a concessão atribuída mediante procedimento concursal a decorrer nos termos fixados, para cada concessão, por resolução do conselho de Ministros.
5 - O concurso público referido no n.º 2 é realizado, com as necessárias adaptações, de acordo com as normas relativas à celebração de contratos de empreitadas de obras públicas ou de fornecimentos e aquisição de bens e serviços, consoante a concessão implique ou não a realização de obras, podendo o anterior titular exercer o direito de preferência nos termos previstos no nº 8 do artigo 21.º do presente decreto-lei.
6 - Quando a atribuição da concessão resultar de pedido apresentado pelo particular junto da autoridade competente, a escolha do concessionário é realizada de acordo com o disposto nos nºs 5 a 8 do artigo 21.º, com as necessárias adaptações.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior e quando o número de pretensões apresentadas o justifique, a autoridade competente pode decidir que a escolha do concessionário seja realizada mediante concurso público, nos termos do n.º 5 do presente artigo, mantendo-se os direitos de preferência mencionados nos nºs 6, 7 e 8 do artigo 21.º
8 - Se o antigo titular manifestar à autoridade competente o interesse na continuação da utilização, o prazo do título de utilização pode ser excepcionalmente prorrogado até à decisão final do procedimento concursal, não podendo, em qualquer caso, a referida prorrogação exceder o prazo máximo de cinco anos.

ANEXO I
(a que se refere o artigo 22º)

A) Caução para recuperação ambiental
1- Todas as utilizações tituladas por licença ou concessão estão sujeitas a caução para recuperação ambiental, excepto se for dispensada a prestação de caução nos termos previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 20.º, no n.º 3 do artigo 22.º e no n.º 5 do artigo 25º do presente decreto-lei, ou se for apresentada apólice de seguro, nos casos expressamente previstos no presente decreto-lei.
3- […].
4- […].
5- […].
6- […].
7- […].
8- […].
9- […].
10- […].
11- […].»

Artigo 2º
(Aditamentos)

São aditados o nº 6 ao artigo 22.º e a alínea e) ao artigo 33º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, que «Estabelece o regime da utilização dos recursos hídricos com a seguinte redacção:

«Artigo 22.º
[…]

1- […].
2- […].
3- […].
4- […].
5- […].
6 - Nos casos previstos na alínea b), do nº1, do artigo 20º, o titular da licença será dispensado da prestação da caução.

Artigo 33.º
[…]
[…].
a) - […];
b) - […];
c) - […];
d) - […];
e) – Com a extinção das secções das associações que desenvolvem actividades ao nível desportivo, cultural e recreativo ou com a cessação de quaisquer actividades durante dois anos consecutivos.»

Assembleia da República, em 3 de Novembro de 2011

Os Deputados,

  • Ambiente
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei