Exposição de motivos
Um dos principais constrangimentos com que o Serviço Nacional de Saúde está confrontado é a falta de profissionais de saúde. Para que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tenha capacidade para assegurar os cuidados de saúde a que os utentes têm direito, tem de estar dotado do adequado número de profissionais de saúde. Não é por acaso que um dos aspetos da estratégia de desmantelamento do SNS passa pelo ataque aos direitos dos trabalhadores da saúde. Sem trabalhadores da saúde no SNS, este não consegue assegurar a prestação de cuidados de saúde aos utentes.
A carência de profissionais de saúde traduz-se no elevado tempo de espera nas consultas, cirurgias, exames e tratamentos, no elevado número de utentes sem médico e enfermeiro de família (com quase um milhão e meio de utentes sem médico de família atribuído, segundo os dados do portal da transparência do SNS, de fevereiro de 2024) e nas crescentes dificuldades no funcionamento de serviços públicos.
Muitos profissionais de saúde abandonam o SNS porque não lhes são garantidas condições de trabalho e porque se sentem desmotivados e não são devidamente reconhecidos no seu desempenho profissional. Não são asseguradas carreiras dignas, nem uma perspetiva de progressão e de desenvolvimento profissional atrativas. À sangria de profissionais de saúde do SNS para unidades de grupos privados ou para fora do País, acrescem as saídas por aposentação. E há profissionais de saúde que dada a desvalorização profissional, social e remuneratória, nem sequer pretendem desempenhar funções no SNS. Há vagas a concurso que ficam por preencher, nomeadamente no caso dos médicos. No caso dos enfermeiros, muitos emigram, ou abandonam a profissão, quando são necessários no nosso País.
Dados recentes, divulgados por um organismo público – PlanAPP - encarregado de estudar as questões dos recursos humanos em saúde, vêm evidenciar ainda mais as carências nesta área. O estudo divulgado por este organismo permite observar as consequências de muitos anos de desvalorização dos profissionais de saúde. Desde logo com a constatação de que: o crescimento efetivo de profissionais de saúde, medido em Equivalente a Tempo Completo (ETC), ficou bastante aquém dos anúncios do Governo PS; existe um envelhecimento geral dos profissionais de saúde no SNS; acentuam-se as assimetrias regionais na distribuição destes profissionais; que a situação é ainda mais grave nos cuidados de saúde primários; que para no mínimo nivelar as várias regiões pelos melhores rácios em cada área seria necessário ter no SNS mais cerca de 3000 médicos e 14000 enfermeiros, sem prejuízo das insuficiências mais gerais nestas e noutras classes profissionais.
Em particular nos médicos, é visível o entrave à progressão na carreira, bem como o abandono do SNS mais acentuado na faixa etária entre os 40 e os 55 anos, precisamente onde deveria ter mais impacto a referida progressão. É particularmente preocupante esta tendência, a par com a Medicina Geral e Familiar, nas especialidades hospitalares de Medicina Interna, Anestesiologia, Ginecologia/obstetrícia, Pediatria, Ortopedia e Psiquiatria, comprometendo o futuro funcionamento do SNS.
Contratar e fixar profissionais de saúde no SNS é uma prioridade para garantir os cuidados de saúde que os utentes têm direito, para garantir que as consultas, as cirurgias, os exames e os tratamentos são realizados em tempo adequado, assim como atribuir médico e enfermeiro de família a todos os utentes. Fixar profissionais de saúde no SNS exige a valorização das carreiras, das progressões e das remunerações; a implementação do regime de dedicação exclusiva; o alargamento da atribuição de incentivos para a colocação de profissionais de saúde em áreas geográficas com carências em saúde, aa garantia de condições de trabalho, incluindo o investimento na modernização de equipamentos e instalações.
O regime de dedicação exclusiva no SNS, dirigido aos médicos, foi revogado em 2009. Desde então o número de médicos em dedicação exclusiva tem vindo sistematicamente a reduzir, sendo hoje uma minoria no SNS, com evidentes prejuízos para os serviços e os utentes.
Há médicos interessados em trabalhar em dedicação exclusiva que estão hoje impossibilitados de aderir a este regime. A implementação de um regime de dedicação exclusiva, opcional, é fundamental para atrair profissionais de saúde para o SNS, e valorizar o desempenho de funções em exclusivo no serviço público.
No final do ano de 2021, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2022, a adoção de soluções para reforçar o SNS, contratar e fixar profissionais de saúde, valorizar os profissionais de saúde, as suas carreiras e remunerações foram assumidas pelo PCP, como uma prioridade. Avançamos com propostas concretas, em especial a criação de um regime de dedicação exclusiva, que se tivesse sido aprovada, hoje a situação no SNS seria bem diferente, para melhor.
Entretanto a imposição do regime de dedicação plena que o novo Estatuto do SNS contem, não corresponde ao que se exige para valorizar e fixar os profissionais de saúde no SNS. O Governo de maioria absoluta do PS optou pela não resolução dos problemas com que se confronta o SNS e os profissionais de saúde, contribuindo não só para o agravamento desses problemas, como se tornou cúmplice da operação de ataque ao SNS pelas forças de direita e reacionárias, com o objetivo de transferir a prestação de cuidados de saúde para os grupos privados que lucram com o negócio da doença.
Quanto às forças políticas de direita, PSD, CDS, IL e CH, aquilo que pretendem é avançar com a privatização da saúde, só com o objetivo de satisfazer os interesses dos grupos privados. Portanto, do Governo da AD, com acordos ou não, com a IL ou com o CH, não virá solução para salvar o SNS.
Salvar o SNS é uma prioridade para o PCP, porque é com o SNS, o reforço da sua capacidade de resposta, que se garante que todos os utentes têm acesso aos cuidados de saúde.
Neste sentido o PCP propõe a implementação de um regime de dedicação exclusiva, de natureza opcional, com a majoração de 50% da remuneração base mensal e o acréscimo na contabilização dos pontos para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, vedando a possibilidade de exercer simultaneamente funções em unidades de saúde do setor privado e social, para valorizar e melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde, criando as condições para fixar os profissionais de saúde no SNS e assegurar aos utentes os cuidados de saúde a que têm direito, a tempo e horas.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Artigo 2.º
Âmbito
- A presente lei aplica-se aos médicos e enfermeiros que desempenham funções nos órgãos, organismos, serviços, unidades e demais entidades do SNS, incluindo o setor público empresarial.
- São abrangidos pela presente lei os trabalhadores referidos no número anterior, independentemente da modalidade e vínculo contratual.
- O Governo pode estender o regime de dedicação exclusiva a outras carreiras na área da saúde, cuja necessidade de fixação de profissionais no SNS se verifique.
Artigo 3.º
Dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde
- É implementado o regime de dedicação exclusiva no SNS, de natureza opcional para os médicos e enfermeiros.
- Os profissionais de saúde que aderirem ao regime de dedicação exclusiva têm uma majoração de 50% da remuneração base.
- Aos profissionais de saúde em regime de dedicação exclusiva é também assegurado o seguinte:
- A majoração de 0,5 ponto por cada ano de avaliação, devendo ocorrer alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, conforme previsto na lei.
- O aumento da duração do período de férias em dois dias, acrescidos de mais um dia de férias por cada cinco anos de serviço efetivamente prestado;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo do período de férias a que legalmente tem direito, em simultâneo com o cônjuge ou a pessoa com quem viva em união de facto;
- Sem prejuízo de situações excecionais que possam comprometer a prestação de cuidados de saúde, o gozo de 11 dias úteis consecutivos do período de férias a que legalmente têm direito, durante as férias escolares dos seus filhos ou dos filhos do cônjuge ou pessoa com quem viva em união de facto que faça parte do seu agregado familiar;
- O aumento, em dobro, do limite máximo de duração da licença sem perda de remuneração, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de agosto, a conceder pela entidade empregadora;
- A participação em atividades de investigação ou desenvolvimento das correspondentes competências e qualificações profissionais, mediante exercício de funções em serviços ou estabelecimento de saúde à sua escolha, situados em território nacional, pelo período máximo de 15 dias, por ano, seguido ou interpolado, com direito a ajudas de custo e transporte nos termos legais;
- A preferência, caso o trabalhador se candidate, nos termos legais, a procedimento concursal de recrutamento para preenchimento de postos de trabalho na categoria subsequente, na lista de ordenação final dos candidatos, em caso de igualdade de classificação.
- O previsto nos números anteriores é objeto de negociação coletiva com os sindicatos.
Artigo 4.º
Incompatibilidades
Aos médicos e enfermeiros que adiram ao regime de dedicação exclusiva fica vedado o exercício de funções em unidades de saúde do setor privado e social.
Artigo 5.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
- A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- A produção de efeitos financeiros da presente lei no ano económico de 2024 é determinada pelo Governo tendo em conta as disponibilidades financeiras constantes do Orçamento do Estado em vigor.